Da Redação
Washington intensificou a presença naval e aérea no entorno do Caribe e da costa venezuelana, sob o argumento de combater “narcoterrorismo”. A campanha inclui porta-aviões, bombardeiros, drones e operações da CIA, multiplicando ataques letais contra embarcações e abrindo um contencioso jurídico e diplomático sem precedentes no hemisfério.
O novo roteiro de presença
Nas últimas semanas, os Estados Unidos reforçaram significantemente seu aparato militar no Caribe e na costa norte da América do Sul: um grupo de ataque de porta-aviões foi destacado para águas da Venezuela, destróieres e aeronaves de patrulha de longo alcance intensificaram operações de vigilância, e bases logísticas em ilhas do Caribe foram ativadas para apoio a missões de interdição marítima. O discurso oficial vincula essas manobras ao combate ao tráfico de drogas, mas a escala, o timing e a localização das operações sugerem uma agenda mais ampla de contenção regional.
Ao mesmo tempo, o governo norte-americano confirmou que a CIA recebeu autorização para conduzir operações em território venezuelano, reforçando a percepção de que o conflito se desloca do plano puramente policial para o militar-estratégico. Essa movimentação reacende questionamentos sobre limites da soberania nacional, jurisdição marítima e o caráter de “presença militar normal” no Hemisfério Ocidental.
Operações cinéticas e controvérsias
Desde setembro, várias embarcações foram alvejadas sob acusação de colaborarem com organizações criminosas ou narcotráfico internacional. Em pelo menos dois episódios, governos latino-caribenhos denunciaram que essas ações configuraram execuções extrajudiciais — motos-aquáticas ou lanchas foram atingidas em rotas permissivas, sem clara coordenação com autoridades costeras.
O padrão operacional combina vigilância por satélite, lançamento de drones armados, interceptação de comunicações e uso de navios de guerra para paradas e buscas. Ainda que o Pentágono trate essas ações como “legítima pressão contra o crime transnacional”, especialistas internacionais e regionais apontam para lacunas jurídicas graves: ausência de autorização expressa do Estado costeiro, falhas em distinção de civis e baixa transparência nos critérios de ataque.
Impacto sobre soberania e ordem regional
A hiper-militarização do Caribe configura um teste severo ao princípio de não intervenção e à autonomia nacional. Países da região — inclusive Venezuela, Colômbia e nações insulares — veem o cerco americano como forma de pressão política, não apenas de cooperação em segurança. O deslocamento de meios militares de alta intensidade, aliado à vigilância constante de instalações críticas como cabos submarinos e rotas marítimas, cria uma arquitetura de controle periférico sob hegemonia norte-americana.
Para o Brasil, que defende doutrina de multipolaridade e busca liderar agendas de soberania informacional e energética, o episódio implica risco direto: a foz do Orinoco, rotas marítimas da Margem Equatorial e o Atlântico Norte se tornam zonas sensíveis. A escalada dos EUA no Caribe exige que Brasília reforce sua diplomacia, aprofunde cooperações regionais alternativas e reavalie seu desenho de defesa estratégica.
Urgência de resposta regional
Diante dessa nova realidade, países latino-caribenhos se veem pressionados a reagir com três frentes simultâneas: (i) reforço normativo das Zonas Econômicas Exclusivas e tratado de direitos de passagem; (ii) criação de mecanismos conjuntos de vigilância e resposta — uma “força azul” regional para reduzir dependência de potências externas; (iii) articulação diplomática entre América Latina, Caribe e África para internacionalizar o tema e desenvolver contrapesos no plano multilateral.
Conclusão
A operação dos EUA no Caribe não é apenas uma campanha contra o narcotráfico: é um capítulo de geopolítica de poder. A construção de um corredor militar-inteligência que atravessa o Atlântico Norte e a América do Sul redefine-se como infraestrutura de vigilância, dominação e controle periférico. O desafio para as nações da região — e para o Brasil em particular — é maior do que nunca: preservar soberania, construir alianças autônomas e criar uma nova ordem que não se submeta à lógica de um só polo de poder.


