Em encontro de aproximadamente uma hora à margem da cúpula da ASEAN, Lula e Trump sinalizaram desejo de superar crise comercial — com o Brasil buscando suspensão de tarifas, os Estados Unidos oferecendo “bons negócios” e o tabuleiro geopolítico registrando reposicionamento estratégico.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente norte-americano Donald Trump se reuniram neste sábado, 26 de outubro de 2025, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, à margem da cúpula da ASEAN. A conversa, que durou aproximadamente uma hora, foi descrita como “direta e produtiva” por ambas as delegações. O encontro ocorre após meses de atritos bilaterais e medidas tarifárias unilaterais impostas por Washington, que haviam deteriorado as relações entre os dois países desde meados do ano.
O tom do encontro foi visivelmente mais ameno. Lula afirmou que a conversa foi “positiva” e que o Brasil pretende buscar “soluções concretas” para as barreiras comerciais impostas pelos Estados Unidos. Trump, por sua vez, declarou que acredita ser possível “fazer bons negócios para ambos os países”. Embora nenhuma medida prática tenha sido anunciada imediatamente, as duas partes concordaram em iniciar reuniões técnicas “imediatas” para negociar reduções tarifárias e destravar acordos suspensos.
Tarifas e comércio: o cerne da disputa
O principal ponto da reunião foi o conjunto de tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros — em alguns casos, elevadas a 40% ou 50%, atingindo especialmente o aço, o etanol e o setor de manufaturados. Lula pediu a suspensão dessas tarifas, que têm impacto direto na balança comercial e no setor produtivo nacional.
Para o governo brasileiro, as medidas de Trump representam uma forma de “chantagem tarifária”, usada como instrumento político de pressão sobre países que resistem a alinhar-se integralmente à política externa norte-americana. O Palácio do Planalto enxerga na revisão dessas tarifas uma prioridade diplomática e um passo essencial para restabelecer o equilíbrio nas relações econômicas com Washington.
Sinais de reaproximação
Apesar das divergências, a reunião de Kuala Lumpur mostrou sinais de distensão. Segundo fontes diplomáticas, Lula manteve uma postura pragmática, evitando críticas diretas a Trump e apostando em um discurso conciliador, centrado na busca de “parcerias produtivas e justas”.
O presidente brasileiro destacou a importância de os dois países manterem relações equilibradas, sem imposições unilaterais, e defendeu que “a soberania e o desenvolvimento do Brasil não podem ser tratados como ameaça”. Já Trump, em tom mais conciliatório do que o habitual, afirmou que “as coisas entre os dois países vão bem” e que há “um caminho possível de entendimento”.
Para observadores internacionais, a reunião simboliza um movimento tático de ambos os lados: Lula busca conter os efeitos das tarifas e preservar a imagem de liderança global do Sul; Trump tenta reduzir tensões hemisféricas em meio à sua crescente disputa com a China e a Rússia.
Geopolítica e o pano de fundo da disputa
O encontro entre Lula e Trump transcende a questão comercial. Ele ocorre num momento em que o planeta vive um reposicionamento acelerado das alianças geopolíticas. A América Latina, o Sudeste Asiático e o Oriente Médio tornaram-se os principais tabuleiros da disputa entre potências — e o Brasil, com sua política de autonomia estratégica, passou a ser visto pelos Estados Unidos como um ator imprevisível.
Desde o retorno de Lula à presidência, o Brasil tem defendido uma política externa baseada em multipolaridade e soberania, aproximando-se de blocos como BRICS, ASEAN e União Africana. Essa postura desagrada Washington, que vê no alinhamento brasileiro com China e Rússia um obstáculo à sua influência tradicional na América do Sul.
Trump, em particular, tem alternado entre retórica hostil e pragmatismo calculado. Enquanto impõe tarifas e sanções, também busca manter abertos os canais de diálogo — especialmente com países que podem servir de ponte entre o Ocidente e o Sul Global. O encontro com Lula, portanto, insere-se numa tentativa de reajustar as relações de poder no hemisfério, sem que os Estados Unidos percam completamente sua capacidade de influência sobre o Brasil.
A estratégia brasileira: soberania sem isolamento
Do lado brasileiro, a leitura é clara: o Brasil precisa dialogar com os Estados Unidos sem abdicar de sua agenda soberana. A diplomacia de Lula aposta em uma equação delicada — reaproximação pragmática sem submissão política.
Fontes próximas ao Itamaraty indicam que a delegação brasileira levou a Kuala Lumpur uma proposta detalhada de revisão tarifária e cooperação tecnológica que não envolva cláusulas de dependência. O objetivo é estabelecer novas bases de comércio que garantam previsibilidade às exportações, mas também reconheçam a autonomia do Brasil em temas sensíveis como energia, defesa e regulação digital.
Segundo diplomatas brasileiros, Lula reforçou a mensagem de que o Brasil não aceitará interferências externas em seus programas estratégicos — como o desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial, a exploração de petróleo na Margem Equatorial e a construção de infraestrutura de dados própria.
O papel simbólico da ASEAN e do Sul Global
O fato de o encontro ocorrer na Malásia, durante a cúpula da ASEAN, tem um valor simbólico profundo. O Sul Global emerge como novo eixo do diálogo internacional, e a reunião entre Lula e Trump em território asiático evidencia essa transição de poder.
A escolha do local também demonstra que o Brasil está disposto a atuar como mediador entre blocos — mantendo interlocução tanto com o Ocidente quanto com o Oriente. Ao encontrar-se com Trump fora do continente americano, Lula reforça a ideia de que o Brasil é um ator global, não mais restrito a papéis regionais.
Essa diplomacia itinerante — que combina aproximação com EUA, diálogo com a China e parcerias com o Sudeste Asiático — fortalece a imagem do Brasil como potência civilizatória e negociadora em tempos de fragmentação.
Resultados e perspectivas
Ao fim da reunião, foi anunciado que equipes comerciais e diplomáticas de ambos os países iniciarão negociações imediatas para tratar de tarifas, sanções e investimentos estratégicos. Apesar da ausência de anúncios concretos, o simples fato de o diálogo ter sido retomado é visto como avanço político.
Analistas afirmam que, se bem conduzido, o processo pode marcar o início de uma nova etapa nas relações Brasil–EUA — mais equilibrada, menos ideológica e com ganhos mútuos. No entanto, alertam que há riscos: Trump pode usar a negociação como instrumento eleitoral e voltar à retórica de confronto caso não obtenha vantagens rápidas.
Para Lula, o desafio é manter o diálogo sem comprometer sua agenda de soberania e multipolaridade. A estratégia brasileira dependerá de como o governo conseguirá equilibrar pragmatismo econômico e firmeza política — construindo pontes, mas sem abrir mão da autonomia conquistada nos últimos anos.
Conclusão
O encontro de Kuala Lumpur foi mais do que um gesto diplomático: foi um espelho do novo tempo geopolítico. O Brasil de Lula mostrou que é capaz de dialogar até com seus antagonistas mais duros sem se curvar, e os Estados Unidos de Trump sinalizaram que reconhecem a importância estratégica do Brasil num mundo que já não aceita ordens unilaterais.
O tom cordial pode esconder divergências profundas, mas, por ora, representa um respiro em meio a meses de tensão. Na era da guerra híbrida e da disputa por hegemonia global, cada gesto conta — e o Brasil mostrou que ainda é capaz de ditar seu próprio ritmo.


