Atitude Popular

Lula sanciona lei para endurecer o combate ao crime organizado

Da Redação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 30 de outubro de 2025 uma nova legislação que visa agravar penas, tipificar novos crimes e ampliar a proteção de agentes públicos no enfrentamento das organizações criminosas. A medida ocorre no rastro da mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro e levanta debates sobre eficácia, direitos civis e o modelo de segurança pública no Brasil.

1. O que muda com a nova lei

A lei sancionada estabelece duas novas modalidades de crime: obstrução de ações contra o crime organizado e conspiração para obstrução desse tipo de ação, ambas com penas que variam de quatro a doze anos de reclusão, além de multa.
Também foi ampliado o escopo de proteção a agentes públicos — juízes, membros do Ministério Público, policiais, militares, inclusive aposentados — e seus familiares, quando estes estiverem sob risco em função do exercício de suas funções ou em áreas fronteiriças de alta vulnerabilidade.
Alterações importantes também foram feitas no artigo 288 do Código Penal (sobre associação criminosa): agora, quem ordenar, contratar ou solicitar a prática de crime por organização criminosa estará sujeito à mesma pena aplicada aos executores, além da penalidade pelo crime em si.
A lei determina ainda que condenados por obstrução e conspiração iniciem cumprimento de pena em unidades federais de segurança máxima, bem como presos provisórios investigados por esses delitos. O objetivo declarado é enfraquecer a influência de facções criminosas no sistema prisional estadual.

2. O contexto da sanção

A sanção da lei surge poucos dias após a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que resultou em dezenas de mortos — relatos apontam mais de 120 vítimas. Nesse cenário, o governo federal manifestou que não pode mais tolerar o avanço das organizações criminosas, que operam com poder paralelo em diversos estados.
Para Lula, o combate ao crime organizado é estratégico para a soberania nacional, uma vez que facções traficam armas, drogas, controlam territórios e ameaçam o funcionamento do Estado. A lei deve equipar o aparato institucional para essa batalha.

3. Ponto de vista crítico: riscos à democracia e aos direitos civis

Apesar das intenções anunciadas, especialistas e ativistas de direitos humanos levantam preocupações:

  • A ampliação de poderes e agravamentos de pena podem gerar efeitos perversos se não houver garantias de transparência, controle judicial e proteção dos direitos dos suspeitos.
  • A tipificação de “obstrução” ou “conspiração” contra ações no combate ao crime organizado é vasta e pode se tornar instrumento de perseguição política ou de criminalização de investigações legítimas.
  • A exigência de cumprimento imediato da pena em presídios federais para os condenados coloca sobrecarregas sobre o sistema federal, ao mesmo tempo que reduz a possibilidade de reabilitação e aumenta o risco de concentração de presídios como centros de tortura ou colapso.
  • A lei, embora sancionada pelo governo federal, ocorrerá num momento em que estados como o Rio de Janeiro executam operações policiais com altíssimo grau de letalidade — o que abre o risco de que o instrumento legal seja usado para legitimar práticas de exceção, e não de reforma estrutural.

4. A dimensão política e simbólica

Politicamente, a sanção da lei serve a múltiplos propósitos:

  • Reafirma o compromisso do governo federal com o enfrentamento das organizações criminosas, mostrando-se ativo diante da crise de segurança que se arrasta nos estados.
  • Posiciona o governo Lula como protagonista de uma agenda de “segurança com direitos”, diferentemente da abordagem estatal pura de repressão estatal unilateral.
  • Simbolicamente, marca o fim da narrativa de que “segurança é assunto exclusivo dos estados” — o governo federal entra no jogo com legislação própria, estratégia e instrumento normativo.

5. O que falta para dar efetividade

Para que a lei não fique apenas no papel, algumas condições mínimas são relevantes:

  • Implantação de sistemas de inteligência federais e estaduais integrados, com recursos, formação e protocolos para investigação das facções.
  • Fortalecimento das corregedorias, transparência das operações, uso obrigatório de câmeras corporais, gravação de operações policiais e auditoria independente.
  • Políticas de prevenção e inclusão social que acompanhem o endurecimento penal — sem essas, o impacto será limitado e pode apenas intensificar a militarização das periferias.
  • Financiamento adequado, modernização das prisões federais, condições dignas de encarceramento e oferta de programas de reinserção — senão a nova lei poderá gerar superlotação e agravamento de condições carcerárias.

6. O Brasil e o novo ciclo da segurança pública

Essa sanção marca um novo ciclo na segurança pública brasileira: o da legislação nacional de enfrentamento ao crime organizado, alinhado à multipolaridade das ameaças (tráfico, milícias, internet, financiamento externo).
O Brasil, enquanto potência média, precisa de políticas que combinem soberania nacional e direitos humanos universais — e a nova lei pode ser instrumento nessa diretriz, desde que aplicada com equidade.
Se usado de forma democrática, poderá enfrentar não apenas o crime, mas o sistema que permite que facções ocupem vazios do Estado — territórios que deveriam contar com escolas, saúde, cultura.
Se usado de forma autoritária, poderá agravar a desigualdade, criminalizar a pobreza e reforçar a lógica do “estado de exceção”.

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