Atitude Popular

“Na ciranda, todos são iguais, mesmo sendo diferentes”

Projeto do MST inspira políticas de cuidado e formação infantil que unem solidariedade, pedagogia e participação das mulheres

No programa Bancos da Democracia exibido em 20 de outubro, a TV Atitude Popular retomou o tema “Cirandas Infantis: cuidando de quem cuida e valorizando a infância”, com a pedagoga Maria Aparecida Rafael, do IFBA (Campus Irecê/BA), e Andréa Lima, assessora de Fomento e Agroecologia da SDA/CE e mãe do pequeno Nicolas Cassundé, de 12 anos, participante da Ciranda Infantil do Centro de Formação Frei Humberto, em Fortaleza. A entrevista, apresentada por Luiz Regadas, é a base desta reportagem.

As cirandas infantis são uma invenção política e afetiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criadas ainda nos anos 1980 para que mulheres com filhos pudessem participar das atividades de militância, estudos e formação. “O movimento entendeu que cuidar das crianças era parte da luta coletiva. A ciranda é um espaço de acolhimento, mas também de formação e valores”, resumiu Andréa.

Cuidar de quem cuida

“É muito difícil para nós, mães, nos mantermos na militância social sem ter com quem deixar nossos filhos. A ciranda resolve isso de forma coletiva”, explicou Andréa. No Centro Frei Humberto, a ciranda funciona de modo permanente, acolhendo 12 crianças em dois turnos, com alimentação, atividades pedagógicas, arte, plantio e celebrações simbólicas. O cuidado é dividido entre pais e mães e guiado por educadoras como a “tia Catê”, citada com carinho por todos.

Para o menino Nicolas, que participa desde bebê, a experiência é também de aprendizado humano:

“Na ciranda, todos são iguais, mesmo sendo diferentes. Lá não tem bullying, nem racismo. Todo mundo é amigo. Se alguém cai, todos ajudam”, contou.

Ele também ajuda a cuidar dos mais novos, lê histórias e ensina os pequenos a desenhar e respeitar os brinquedos. “A gente aprende brincando e cuidando um do outro”, resumiu.

A ciranda como prática pedagógica e política

Maria Aparecida Rafael relatou que o Instituto Federal da Bahia (IFBA) incorporou a metodologia das cirandas no Programa de Qualificação Social Manuel Quirino, voltado a trabalhadoras e trabalhadores da economia solidária. Cada turma contava com duas cirandeiras formadas em pedagogia, preparadas para atuar com as crianças durante as aulas noturnas. “As cirandas não são creches. Elas são espaços educativos, de formação cidadã e social. As crianças aprendem, de forma lúdica, os mesmos valores de solidariedade e coletividade que as mães vivenciam nos cursos”, explicou.

No programa, Maria Aparecida destacou que a experiência com o Manuel Quirino, realizado no Norte e Nordeste, mostrou como o acolhimento das crianças aumenta a participação das mulheres e fortalece a economia solidária. “O MST é o berço dessa metodologia, e ela precisa ser transformada em política pública”, defendeu.

“A ciranda precisa crescer, entrar nas escolas, nas cooperativas, nas universidades. Muitas mães abandonam os estudos porque não têm onde deixar os filhos. Ter uma ciranda é garantir o direito de aprender e participar.”

Uma pedagogia da solidariedade

A ciranda, explicam as convidadas, parte de uma pedagogia da convivência e da cooperação. “As crianças aprendem desde cedo a dividir o que têm, a respeitar as diferenças e a cuidar umas das outras. Isso é economia solidária na prática”, disse Andréa. O cuidado, portanto, é também educação política, uma “escola do comum”.

Os gritos de ordem entoados por Nicolas — “O futuro do Brasil está nas mãos dos Sem Terrinha!” — simbolizam essa pedagogia afetiva e militante. “A cada nova geração, as cirandas plantam valores de resistência, igualdade e amizade”, completou Maria Aparecida. Ela lembrou ainda que já há teses, dissertações e cartilhas sobre o tema, como Plantando Cirandas (expressão popular), que registram o acúmulo teórico e prático dessas experiências.

Para além do MST: um horizonte de políticas públicas

Tanto Andréa quanto Maria Aparecida defenderam a ampliação das cirandas para além do movimento social. Em escolas, eventos, fóruns, cooperativas e programas de qualificação, o modelo poderia garantir presença feminina, bem-estar infantil e formação humanista.

“As cirandas nasceram do chão da luta, mas hoje podem inspirar políticas de Estado”, resumiu a pedagoga.

Ao final, Luiz Regadas destacou que o exemplo das cirandas mostra que a democracia também se aprende brincando: “Cuidar de quem cuida é cuidar do futuro”.


📺 Programa Bancos da Democracia
📅 De segunda à sexta
🕙 Das 8h30 às 9h30
📺 Ao vivo em: https://www.youtube.com/TVAtitudePopular
💚 Apoie a comunicação popular!
📲 Pix: 33.829.340/0001-89

compartilhe: