Da Redação
Surto de bebidas adulteradas com metanol provoca 14 casos confirmados e 13 mortos em investigação. Ministério da Saúde envia antídotos, cobra notificações rápidas e alerta população para evitar destilados sem procedência.
O Brasil vive uma crise sanitária provocada pela intoxicação por metanol, em que bebidas alcoólicas adulteradas seriam a fonte do perigo. Até 5 de outubro de 2025, foram contabilizadas 195 notificações de casos de intoxicação associados a bebidas alcoólicas — desses, 14 casos já confirmados e 181 em investigação.
São Paulo concentra esmagadoramente o epicentro da crise: ali foram reportadas 162 notificações (14 confirmadas, 148 em investigação) do total nacional.
Das notificações em todo o país, há 13 óbitos sob investigação e 1 morte confirmada em São Paulo.
Estados como Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná também têm casos sob apuração — alguns já associados a mortes suspeitas.
Esse surto representa um salto quantitativo dramático frente aos registros históricos de intoxicações por metanol no Brasil, que normalmente ocorrem de forma esparsa. A suspeita é de que a adulteração ilegal se espalhou por redes clandestinas, atingindo consumidores desprevenidos.
Como o metanol age — mecanismo tóxico
Para entender a gravidade do surto, é fundamental saber como o metanol (álcool metílico) afeta o organismo:
- Quando ingerido, o metanol é metabolizado no fígado pela enzima álcool desidrogenase, convertendo-se em formaldeído e ácido fórmico, compostos altamente tóxicos.
- Esses metabólitos causam acidose metabólica, lesão ao sistema nervoso central e comprometimento grave da retina, podendo levar à cegueira irreversível ou até à morte.
- Mesmo pequenas doses podem ser perigosas se a concentração for alta ou o tratamento tardio. Os sintomas costumam aparecer entre 12 e 24 horas após a ingestão: visão turva, náuseas, vômitos, dor abdominal, confusão mental e colapso respiratório.
Portanto, cada hora de atraso no diagnóstico e tratamento eleva dramaticamente o risco de danos sérios ou morte.
Resposta dos governos — federal e estadual
Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde anunciou a aquisição e distribuição de antídotos essenciais — etanol farmacêutico (tratamento de primeira linha) e fomepizol (antídoto mais específico). Centenas de doses de etanol farmacêutico já foram remetidas a estados com maior urgência, sendo que o Distrito Federal foi um dos primeiros a receber remessas suplementares.
A partir de 1º de outubro, foi ativada uma Sala de Situação nacional para monitorar o surto em tempo real, agilizar notificações e articular respostas entre estados e municípios. A pasta também determinou que todas as suspeitas sejam imediatamente notificadas, mesmo antes da confirmação laboratorial, para facilitar o rastreamento e o controle dos casos.
São Paulo e demais estados
O governo de São Paulo confirmou uma segunda morte por metanol e reforçou que as ações de fiscalização e apreensão de bebidas adulteradas serão intensificadas. Um gabinete de crise foi criado com a participação das secretarias de saúde, segurança, justiça e fazenda, para coordenar ações integradas de busca e controle do mercado de bebidas ilegais.
Estabelecimentos flagrados vendendo produtos suspeitos terão seus cadastros suspensos e responderão por crime contra a saúde pública. Em outros estados que reportaram casos, as secretarias estaduais de saúde estão recebendo antídotos e orientando hospitais sobre protocolos de vigilância reforçada.
Investigação sobre origem e rede de adulteração
Uma linha de investigação central é a conexão entre a fabricação ilegal de bebidas adulteradas e redes de criminalidade organizada. Algumas pistas apontam para o uso de metanol desviado de combustíveis adulterados, o que indicaria a participação de facções criminosas na cadeia informal.
A Polícia Civil de São Paulo prendeu pessoas ligadas ao fornecimento de materiais para falsificação de bebidas — embalagens, rótulos falsos, lacres e matérias-primas ilegais. Há também a hipótese de que destilarias clandestinas recebiam metanol e montavam bebidas falsificadas com rótulos de marcas legítimas, reutilizando garrafas e lacres antigos para disfarçar a origem.
As investigações se estendem a distribuidores, redes de venda informal e pontos de comércio em periferias, onde a fiscalização costuma ser mais vulnerável.
Desafios e riscos persistentes
- Diagnóstico tardio: muitos casos só são identificados quando evoluem para sintomas graves, reduzindo as chances de reversão de danos.
- Capacidade hospitalar limitada: centros de toxicologia e UTIs estão sob pressão, especialmente nos estados com maior número de casos.
- Escassez de antídotos: embora o governo tenha intensificado a compra de fomepizol, os estoques ainda são insuficientes.
- Fiscalização falha: a operação contra adulteradores exige articulação entre Anvisa, Polícia Federal e secretarias estaduais.
- Medo social e impacto econômico: muitos consumidores evitam bebidas destiladas legais por desconfiança, afetando a economia de bares e destilarias regulamentadas.
- Impunidade histórica: casos de adulteração alcoólica são recorrentes no Brasil, mas as punições ainda são brandas, o que estimula a reincidência.
Orientações à população
- Evitar bebidas destiladas de fontes desconhecidas ou sem nota fiscal.
- Verificar rótulos, lacres de segurança, número de lote, CNPJ e selo de controle.
- Procurar atendimento médico imediato ao menor sintoma após consumo suspeito.
- Guardar a bebida ingerida e o rótulo para análise, notificando autoridades sanitárias.
- Divulgar informações confiáveis e não compartilhar boatos que possam gerar pânico.
Cenário futuro e urgência política
Se não for contido rapidamente, o surto pode se espalhar e causar danos duradouros à saúde pública. É urgente:
- Tornar crime hediondo a adulteração e falsificação de bebidas com substâncias tóxicas.
- Reforçar a estrutura de vigilância sanitária e fiscalização nos pontos de venda.
- Aumentar a produção nacional de antídotos e descentralizar estoques emergenciais.
- Criar uma força-tarefa interinstitucional para rastrear rotas logísticas e financeiras da adulteração.
- Promover campanhas educativas de alerta sobre os riscos do metanol.
O surto de 2025 é o maior já registrado no Brasil envolvendo bebidas alcoólicas adulteradas. Sua contenção exigirá ação coordenada, rápida e implacável contra as redes criminosas responsáveis — e, acima de tudo, uma mobilização social pela defesa da saúde pública e da vida.


