Atitude Popular

Um guia de resistência a guerra algoritmica

Título:
Diagnóstico dos Desafios da Soberania Informacional no Brasil: Um Guia de Resistência Popular à Guerra Algorítmica

Elaboração:
Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC)
Rádio Atitude Popular

Coordenação Geral:
Reynaldo Aragon

Equipe de Redação: Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC)

Ano:
2025

Resumo: Este report, elaborado pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC) e a Rádio Atitude Popular, oferece um diagnóstico profundo e estratégico dos riscos, vulnerabilidades e desafios que ameaçam a soberania informacional do Brasil em meio à intensificação da guerra híbrida global. A partir de uma perspectiva crítica, o documento demonstra como a captura da infraestrutura digital brasileira por corporações estrangeiras, a ausência de regulação efetiva sobre plataformas digitais, o uso político de algoritmos de manipulação comportamental e a desorganização do campo democrático diante da guerra informacional colocam o país em um estado de vulnerabilidade estrutural. Mais do que um alerta, este report é um guia de ação. Aponta soluções concretas, detalhadas e viáveis para a reconstrução da soberania informacional brasileira, com propostas que envolvem: regulação democrática das plataformas; criação de tecnologias públicas e auditáveis; desenvolvimento de uma nuvem soberana nacional; incentivo à infraestrutura comunitária e descentralizada; formação massiva da militância digital; mobilização popular territorializada; e a construção de uma doutrina nacional de defesa informacional. Este é um documento de enfrentamento e organização. Um chamado ao levante digital popular e à reorganização técnica, política e cultural da luta democrática no Brasil. Porque sem soberania informacional, não há soberania possível. E sem ela, o futuro do país está condenado à tutela algorítmica, à submissão silenciosa e à destruição do projeto democrático brasileiro.

APRESENTAÇÃO.

O presente report é uma iniciativa conjunta do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC), 39e da Rádio Atitude Popular, somando 39forças entre a produção científica, a comunicação popular e a resistência informacional.

Este documento nasce da urgência imposta pela conjuntura brasileira e global. Em um cenário de guerra híbrida em curso, o Brasil se tornou um dos principais laboratórios de manipulação informacional, desestabilização institucional e captura da soberania cognitiva por meio de tecnologias opacas, plataformas monopolistas e operações coordenadas de desinformação.

O que está em jogo é a própria capacidade da sociedade brasileira de pensar com autonomia, decidir com soberania e agir com liberdade. A guerra que nos atinge não é apenas militar, jurídica ou econômica: é uma guerra pelo controle da linguagem, da atenção, da percepção e da memória coletiva. É uma guerra contra o direito de imaginar outro futuro.

Este report cumpre uma função estratégica: diagnosticar com precisão os desafios da soberania informacional no Brasil atual e apresentar propostas concretas, técnicas, políticas e pedagógicas para enfrentá-los. Trata-se de uma ferramenta de mobilização para instituições democráticas, movimentos populares, lideranças políticas, sindicatos, coletivos de mídia, pesquisadores, estudantes, educadores e comunicadores populares. Mas também é um chamado direto à sociedade civil, para que reconheça o risco que corremos e compreenda que a luta pela democracia passa, antes de tudo, pela luta pela informação, pela comunicação e pela liberdade cognitiva.

Diante do avanço da extrema-direita digital, da rendição institucional a interesses estrangeiros e do entreguismo silencioso das infraestruturas de dados e algoritmos, a construção de trincheiras informacionais se tornou uma prioridade nacional. Precisamos disputar o presente para garantir qualquer possibilidade de futuro.

Este não é apenas um relatório técnico. É um manifesto fundamentado. Um guia de ação. Um alerta. Uma proposta.

Sem soberania informacional, não há soberania possível.

INTRODUÇÃO GERAL

Vivemos uma nova era de dominação. Se no século XIX os impérios europeus se impuseram pelo canhão e pela pilhagem colonial, e no século XX pela dívida, pelo dólar e pelas ditaduras, o século XXI inaugura uma forma ainda mais insidiosa e eficaz de controle: a guerra informacional. Hoje, as batalhas são travadas nos fluxos de dados, nos algoritmos que organizam o mundo, nos vieses cognitivos que capturam a percepção e nas arquiteturas invisíveis que programam comportamentos coletivos sem que sequer nos demos conta.

Nesta conjuntura, a soberania informacional deixa de ser um tema técnico ou abstrato para se tornar a principal trincheira da luta democrática no Brasil e no mundo. Não há mais possibilidade de soberania econômica, política, jurídica ou territorial sem soberania sobre os circuitos de informação que constituem a subjetividade e as decisões públicas e privadas.

É preciso afirmar com clareza: a guerra já está em curso. A guerra é híbrida, porque mescla estratégias militares, psicológicas, jurídicas, financeiras, cognitivas e comunicacionais. É uma guerra de longo prazo, operada por corporações transnacionais, think tanks e Estados imperiais, que buscam manter os países do Sul Global em posição de dependência permanente, agora não mais apenas via armas ou FMI, mas por meio da captura da infraestrutura digital, da plataformização da vida e da indução comportamental.

O Brasil ocupa um lugar central nesse tabuleiro. Por sua dimensão territorial, sua biodiversidade, seu mercado interno, sua história de resistência popular e, sobretudo, por sua potencialidade autônoma, o país se tornou alvo prioritário da ofensiva informacional global. Desde 2005, com o fim das negociações da ALCA, assistimos ao acirramento de estratégias que visam interromper qualquer projeto de soberania nacional — e essas estratégias têm na desinformação, na manipulação algorítmica e na captura de instituições suas armas mais eficazes.

É nesse contexto que este report se apresenta. Ele parte da convicção de que a luta política do nosso tempo passa, inevitavelmente, pela disputa da infraestrutura cognitiva da sociedade. Os dados são o novo petróleo, os algoritmos são os novos coronéis, e os metaintermediários que organizam o fluxo de informação são os novos censores, agora travestidos de inovação tecnológica e neutralidade corporativa.

Este documento se ancora no método do materialismo histórico-dialético, reconhecendo que a dominação informacional não é apenas técnica, mas uma forma superior da luta de classes na era digital. Os explorados e oprimidos seguem sendo os mesmos — mas os instrumentos de opressão foram refinados, invisibilizados, automatizados.

Este report não é, portanto, apenas um alerta. É uma convocatória. Uma ferramenta de organização. Um plano de combate. Seu objetivo é triplo:

  1. Oferecer um diagnóstico claro, profundo e rigoroso dos mecanismos que colocam em risco a soberania informacional brasileira;
  2. Apontar caminhos de ação direta, formação política, resistência e reconstrução de infraestruturas autônomas, para que os movimentos populares, as instituições democráticas e a sociedade civil possam atuar estrategicamente;
  3. Contribuir para a construção de uma doutrina nacional de soberania informacional, articulando ciência, tecnologia, cultura, política e organização de base.

Na era da sociedade 4.0, só haverá povo soberano se houver controle soberano sobre a informação, sobre os dados, sobre os fluxos comunicacionais e sobre os algoritmos que moldam o presente e o futuro. Qualquer projeto de desenvolvimento justo e democrático que ignore essa dimensão está condenado à derrota.

O tempo é agora. E a luta, inevitável.

A Era das Máquinas Invisíveis: Algoritmos, Big Techs e Colonialismo Digital

A dominação de nosso tempo já não se impõe por tanques, ocupações ou decretos. Ela se infiltra de modo quase imperceptível, mascarada sob o verniz da eficiência, da inovação e da neutralidade tecnológica. No lugar da força bruta, temos agora a força algorítmica; no lugar da censura explícita, o controle invisível dos fluxos de atenção. O que se ergue diante de nós é uma nova arquitetura de poder, operada por máquinas invisíveis que organizam a vida, o desejo, o comportamento e a percepção da realidade. Essa arquitetura tem nome: Big Techs.

As grandes plataformas digitais — Google, Meta, Amazon, Apple, Microsoft e outras — não são apenas empresas privadas que prestam serviços digitais. Elas se tornaram operadoras geopolíticas, ferramentas de poder transnacional, e corporações com soberania superior à de muitos Estados nacionais. Controlam infraestrutura crítica (nuvens, redes, cabos submarinos, datacenters), mediam relações sociais (redes sociais, buscadores, marketplaces), e — o mais grave — definem, em tempo real, o que vemos, sentimos, acreditamos e desejamos.

Essa capacidade de modelar o comportamento social em escala industrial é o que marca a transição para um novo regime de dominação global: o colonialismo digital. Não se trata mais de explorar matérias-primas ou mão de obra, mas de extrair dados, capturar subjetividades e monetizar comportamentos preditivos. Os algoritmos, longe de neutros, são dispositivos ideológicos programados para organizar o mundo segundo interesses privados, imperiais e profundamente antidemocráticos.

Esse novo regime é sustentado por uma engenharia jurídica, política e técnica que articula três níveis de captura:

  1. Captura da infraestrutura: as redes físicas e os servidores onde circulam os dados estão, em sua esmagadora maioria, sob controle de empresas privadas estrangeiras. O Brasil, por exemplo, não possui soberania sobre seus próprios fluxos informacionais, dependendo de provedores como Amazon Web Services, Google Cloud e Microsoft Azure para armazenar, trafegar e proteger informações públicas e privadas, inclusive dados estratégicos do Estado.
  2. Captura dos algoritmos: os códigos que determinam o que será visto, promovido ou invisibilizado nas plataformas são secretos, opacos e inalcançáveis por qualquer forma efetiva de auditoria pública. Esses algoritmos não apenas organizam o que aparece no feed — organizam o próprio imaginário da sociedade. Eles são os engenheiros invisíveis da hegemonia cultural, moldando afetos, narrativas, reputações e valores.
  3. Captura do sujeito: os usuários não são mais apenas consumidores ou cidadãos. Tornaram-se repositórios de dados e objetos de previsão comportamental. Como afirma SHOSHANA ZUBOFF (2019), o capitalismo de vigilância visa antecipar ações futuras para comercializar essa previsibilidade com anunciantes, governos e agentes econômicos. A consequência é o esvaziamento da autonomia, uma nova forma de alienação, onde a consciência é subsumida pela máquina de cálculo.

Esse colonialismo não opera de modo uniforme: ele se vale das vulnerabilidades específicas de cada sociedade. No Brasil, explora-se o analfabetismo digital estrutural, o desmonte das políticas públicas de comunicação, a desinformação como arma política, a desigualdade histórica de acesso e a leniência institucional com práticas abusivas. A ausência de regulação efetiva — aliada a um lobby brutal das Big Techs no Congresso Nacional — transformou o país em uma colônia de dados e em um campo de experimentação de tecnologias de controle social.

O atual modelo informacional transfere soberania dos Estados para os termos de uso das plataformas. São os CEOs das corporações, e não os representantes eleitos, que decidem o que pode ou não circular, o que será monetizado, o que será silenciado e quem será banido. A engenharia algorítmica se tornou uma forma superior de governo — um governo sem rosto, sem território, mas com controle absoluto sobre o tempo, a visibilidade e o comportamento social.

É preciso compreender que os algoritmos não são apenas dispositivos técnicos. Eles são instrumentos ideológicos. Foram projetados a partir de valores liberais, individualistas, competitivos e utilitaristas, que favorecem a circulação do ódio, da polarização e da desinformação — porque essas emoções geram mais engajamento, mais dados e mais lucro. O mercado premia o extremismo, e as plataformas, operando sob a lógica da monetização da atenção, amplificam o que há de mais tóxico no discurso social.

No Brasil, essa dinâmica teve efeitos devastadores: destruição de reputações, ascensão da extrema-direita, erosão do espaço público, captura do processo eleitoral, destruição da confiança institucional e desmobilização de movimentos sociais. Os algoritmos foram cúmplices — quando não protagonistas — da Lava Jato, do bolsonarismo, do negacionismo pandêmico e da radicalização de massas via WhatsApp, YouTube e TikTok.

Portanto, não há como enfrentar o fascismo sem enfrentar as plataformas que o fabricaram e o sustentaram. Não há soberania democrática possível em um território digital governado por algoritmos estrangeiros. A luta por soberania informacional é, neste momento, a forma mais urgente da luta de classes.

É preciso romper com o fetichismo da tecnologia, desmistificar a neutralidade algorítmica e retomar o controle sobre os meios de produção informacional. A comunicação, como bem argumentava GRAMSCI, é campo estratégico da disputa pela hegemonia. Na era digital, essa disputa passa necessariamente pelo desmonte do colonialismo algorítmico e pela construção de um ecossistema soberano, democrático e público de infraestrutura informacional.

A batalha, portanto, não é apenas técnica. É política. É cultural. É econômica. E é ontológica: lutar pela soberania informacional é lutar pela própria possibilidade de existir com liberdade.

A Esquerda Desarmada na Guerra Informacional

A história recente do Brasil é marcada por vitórias e conquistas democráticas da esquerda popular e institucional. No entanto, nenhuma dessas vitórias foi acompanhada da construção de um ecossistema próprio de comunicação, infraestrutura digital ou doutrina estratégica de soberania informacional. Essa ausência não foi um detalhe: foi uma omissão estrutural. E é justamente essa omissão que permitiu o crescimento do que hoje conhecemos como extrema-direita digital — um monstro que se nutriu da passividade, da tecnofobia e da falta de imaginação estratégica da própria esquerda.

Nas últimas duas décadas, as forças progressistas confundiram comunicação com marketing, digital com juventude, redes sociais com espaço de divulgação de agendas institucionais. Enquanto isso, a extrema-direita construía exércitos digitais, redes de financiamento, centros de comando narrativo, núcleos de contra-informação e uma verdadeira cultura da guerra digital. O resultado não foi apenas a vitória deles: foi a colonização total da esfera pública digital, incluindo grupos de base, igrejas, escolas, famílias e afetos.

A esquerda, mesmo governando o país por quatro mandatos, não estruturou uma política de comunicação pública à altura da batalha contemporânea. Tampouco investiu em infraestruturas autônomas de tecnologia, soberania de dados ou formação política digital. O pensamento crítico foi confinado às universidades e aos sindicatos, enquanto os algoritmos ocupavam as ruas da subjetividade brasileira.

Como aponta o ensaio “Entre o Algoritmo e a Covardia” (2025), o maior erro da esquerda não foi perder espaço: foi não compreender que estava em guerra. Uma guerra sem tanques, mas com plataformas. Sem censura explícita, mas com desinformação viral. Sem ocupação militar, mas com colonização cognitiva.

A lógica institucionalista — aquela que espera que as disputas se deem apenas por vias legais, parlamentares ou eleitorais — cegou a esquerda para o caráter anômico e assimétrico da guerra híbrida. Ainda hoje, mesmo diante de provas materiais de sabotagem informacional, interferência estrangeira, operações coordenadas de inteligência digital e desmonte de reputações via algoritmos, boa parte da esquerda continua resistindo a reconhecer o inimigo, a sua estratégia e a urgência de contra-atacar.

A extrema-direita compreendeu algo que boa parte do campo democrático ainda não entendeu: quem controla a informação, controla a política. Quem controla os afetos, controla a cultura. E quem controla os dados, controla o futuro.

Essa falta de leitura estratégica se expressa em três níveis:

  1. Ausência de infraestrutura própria: não há, ainda hoje, uma política nacional progressista voltada à construção de servidores autônomos, plataformas alternativas, redes federadas ou datacenters públicos com governança democrática. A esquerda fala em soberania, mas continua armazenando dados na Amazon e fazendo campanha no Instagram.
  2. Ausência de formação política digital: a militância de base, os sindicatos, os movimentos populares e mesmo os parlamentares progressistas seguem sem formação tática em comunicação digital, guerra informacional, psicologia das massas digitais, funcionamento algorítmico ou uso seguro de tecnologias. A trincheira digital foi terceirizada para agências e perfis de influenciadores, quando deveria ser um campo de formação contínua e radical.
  3. Ausência de doutrina e estratégia de longo prazo: falta à esquerda uma visão histórica e estruturada sobre a disputa informacional como parte da luta de classes. Sem essa doutrina, qualquer ação vira improviso, e qualquer vitória é efêmera. O campo progressista ainda reage a crises — mas não age para moldar o terreno onde essas crises são produzidas.

Essa desorganização tem sido letal. Como vimos nos episódios da eleição de 2018, nos atos antidemocráticos de 2023, na atuação coordenada de milícias digitais, na sabotagem da vacinação, nas mentiras sobre o STF e nas redes de desinformação que atuam dentro das igrejas, a guerra informacional não apenas opera — ela vence. E vence porque encontra um inimigo desarmado, disperso e hesitante.

É urgente recuperar a dimensão tática e estratégica da comunicação como campo de luta. Isso não significa abandonar a política institucional — mas reconhecer que sem ocupar o território da informação, a política institucional será continuamente sabotada e deslegitimada. O inimigo já entendeu isso. E está vencendo.

A superação desse quadro exige mais do que ações pontuais ou campanhas bem-feitas. Exige reconstruir uma ecologia progressista da informação, criar infraestrutura própria, formar quadros, articular frentes ciberpopulares e desenvolver uma doutrina de soberania informacional enraizada no território, nos afetos e na disputa pelo futuro.

Enquanto a esquerda não compreender que está em guerra — e que essa guerra é pela alma da sociedade — continuará perdendo batalhas que não precisaria sequer travar, caso tivesse se preparado a tempo.

Big Techs, Trumpismo e o Tecnolibertarianismo como Doutrina de Guerra

Desde a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em 2016, o mundo assiste à consolidação de um fenômeno que vai além da política institucional: a formação de um novo bloco ideológico-tecnológico que alia capitalismo de plataforma, autoritarismo algorítmico e fundamentalismo de mercado. Esse fenômeno não é um acidente: é a reconfiguração das direitas globais sob o paradigma da guerra informacional permanente. E sua doutrina tem nome: tecnolibertarianismo.

O tecnolibertarianismo é a ideologia predominante no Vale do Silício e entre os bilionários fundadores das grandes plataformas digitais. Trata-se de uma mistura tóxica de individualismo radical, desprezo pelas instituições democráticas, culto à “liberdade absoluta” de expressão (entendida como liberdade para disseminar ódio, mentira e desinformação) e fé cega no poder autoregulador da tecnologia. Essa ideologia legitima, inclusive, a atuação política direta das corporações digitais como agentes autônomos, acima dos Estados, das leis e da soberania dos povos.

O tecnolibertarianismo se consolidou como linguagem de guerra, permitindo que plataformas como X (ex-Twitter), Facebook, YouTube e TikTok se tornassem territórios férteis para a construção de redes fascistas, antidemocráticas e golpistas. Elon Musk, Peter Thiel, Marc Andreessen e outros bilionários ligados ao setor de capital de risco formaram uma verdadeira nova direita algorítmica, alinhada com Steve Bannon, Tucker Carlson e os principais operadores globais do trumpismo.

Este novo bloco ideológico está ancorado em três pilares estratégicos:

  1. A desinformação como método de governo: o trumpismo não apenas se apoia na mentira — ele opera pela mentira como forma de construção da realidade. O objetivo não é apenas enganar, mas implodir a confiança pública na ideia de verdade compartilhada. A Big Tech é a arma ideal para isso: fornece escala, automação, velocidade e opacidade.
  2. A captura do discurso de liberdade para proteger o autoritarismo: a defesa do “livre mercado de ideias” é usada como escudo para proteger discursos racistas, anticientíficos, golpistas e desumanizadores. Essa suposta neutralidade permite que algoritmos promovam o ódio em nome da liberdade, convertendo a violência simbólica em lucro.
  3. A simbiose entre capital financeiro e engenharia cultural: as plataformas se tornaram, simultaneamente, mercado e mídia, algoritmo e ideologia, software e comando social. Controlam a linguagem, o tempo, os afetos, os territórios digitais. A extrema-direita entendeu isso e passou a operar como start-up: com financiamento de risco, linguagem de internet, estética do meme e táticas de guerrilha informacional.

O Brasil, como laboratório do neoliberalismo digital, foi território ideal para o experimento dessa nova articulação entre Big Techs e extrema-direita. O bolsonarismo é o exemplo mais acabado desse processo: uma máquina de guerra híbrida baseada em desinformação, ciberativismo coordenado, estética violenta e engenharia emocional de massas, tudo isso amparado por algoritmos estrangeiros, invisíveis e não auditáveis.

Mais do que “usarem as plataformas”, os operadores da extrema-direita formaram alianças diretas com os donos dessas plataformas, inclusive com acesso privilegiado aos bastidores de moderação, monetização e impulsionamento. O caso da “bancada do Like”, como ficou conhecido o lobby das Big Techs no Congresso Nacional brasileiro, mostra que as corporações não são apenas neutras diante do autoritarismo: são suas patrocinadoras e sócias.

Esse novo modelo de articulação entre capital financeiro, infraestrutura tecnológica e extrema-direita precisa ser compreendido como um projeto histórico: a tentativa de refundar a hegemonia neoliberal com base no caos informacional, na guerra psicológica e na desmobilização do campo progressista via saturação de mentira e terror.

A lógica que sustenta esse projeto é a da destruição programada do Estado de Direito. O ataque às instituições, à justiça, à ciência e à educação é calculado. Desmoraliza a mediação, desacredita o conhecimento e promove um darwinismo social algorítmico, onde vence quem mais grita, mais viraliza, mais odeia. É o neoliberalismo em sua forma extremada: sem regulação, sem ética, sem povo. Apenas cliques, bolhas e algoritmos que alimentam monstros.

O tecnolibertarianismo é, portanto, uma doutrina de guerra — e como toda doutrina, precisa ser enfrentada com outra, superior: a doutrina da soberania informacional. Se não disputarmos esse campo com urgência, o projeto democrático será engolido por uma mistura de automação fascista, mercado absoluto e destruição simbólica.

A resistência exige compreender que os algoritmos são ideológicos, que as plataformas são armas, e que a soberania nacional depende de desarmar esse complexo civil-militar de dominação digital. Sem isso, qualquer disputa institucional será uma encenação sobre um terreno já ocupado — um teatro da democracia encenado dentro do quartel-general das Big Techs.

Soberania de Infraestrutura: Do Satélite ao Rádio Comunitário

A maioria das análises sobre a guerra informacional tende a se concentrar na superfície visível: redes sociais, desinformação, fake news, bolsonarismo digital. Mas o campo de batalha mais decisivo permanece oculto sob camadas de opacidade técnica e colonialismo silencioso: a infraestrutura. É ali que está a base da dominação — e também a chave da libertação.

Infraestrutura informacional é poder. Ela define quem pode comunicar, o que pode circular, onde será armazenado, quem terá acesso, quem será vigiado e quem será silenciado. Trata-se da dimensão material da soberania cognitiva. Como afirmava LÊNIN em outro contexto: “o comunismo é o poder soviético mais a eletrificação do país”. No século XXI, soberania popular é organização popular mais controle das infraestruturas digitais.

No Brasil, esse controle simplesmente não existe. E não por acaso. Desde os anos 1990, com as privatizações das telecomunicações e o desmonte progressivo do Estado como gestor de redes críticas, o país foi se tornando uma colônia informacional. Cabos submarinos sob controle estrangeiro, dados governamentais armazenados em nuvens privadas internacionais, ausência de datacenters públicos, submissão ao oligopólio das big techs — tudo isso forma o retrato de um país que perdeu o direito à própria comunicação.

A questão da infraestrutura pode ser dividida em cinco níveis complementares de análise:

1. Soberania das redes físicas

O Brasil depende de cabos submarinos internacionais que conectam seus dados aos servidores da costa leste dos Estados Unidos. Essas redes são operadas por conglomerados privados que não respondem ao interesse público brasileiro. Em caso de conflito geopolítico, sabotagem ou pressão política, o país estaria totalmente vulnerável a bloqueios e espionagem. Não há contingência soberana, nem plano nacional de infraestrutura digital independente.

2. Soberania das nuvens e datacenters

A esmagadora maioria das informações do governo, do sistema financeiro, das universidades e das comunicações institucionais está armazenada em nuvens privadas como AWS (Amazon), Google Cloud, Oracle e Microsoft Azure. Em outras palavras, os dados do Brasil estão sob jurisdição estrangeira. Essa dependência é equivalente a deixar os arquivos estratégicos do país sob o controle de uma potência hostil.

3. Soberania do espectro e da radiodifusão

O espectro eletromagnético — bem público estratégico — é utilizado prioritariamente por conglomerados privados de mídia. Enquanto isso, rádios comunitárias seguem criminalizadas, precarizadas ou sob risco constante de fechamento. Esses veículos populares, que poderiam ser ferramentas fundamentais na guerra informacional nos territórios, não contam com apoio institucional, infraestrutura técnica ou política pública de incentivo.

4. Soberania da ponta: redes populares, autônomas e descentralizadas

A luta por soberania também passa pelas margens. Iniciativas como redes mesh em favelas, servidores comunitários, centros autônomos de dados e rádios livres são sementes de um outro modelo de comunicação, mais democrático, territorializado e soberano. Mas essas experiências seguem isoladas, sem financiamento, sem plano nacional de articulação e sem reconhecimento político. Precisam ser conectadas, fortalecidas, protegidas e transformadas em política de Estado.

5. Soberania orbital: satélites, GPS, geolocalização e vigilância global

O Brasil possui satélites geoestacionários, mas ainda depende de tecnologia, serviços e padrões de posicionamento global fornecidos por potências estrangeiras (como o GPS americano). A soberania orbital é um tema negligenciado, mas central: quem controla a posição, controla o território. A vigilância aérea e a precisão dos dados geográficos são componentes estratégicos da guerra híbrida, inclusive para repressão de movimentos sociais e rastreamento de lideranças políticas.

A ausência de soberania nesses cinco níveis configura um regime de submissão tecnológica estrutural. O país que não controla sua infraestrutura de comunicação não controla seu imaginário coletivo, sua política pública, sua economia nem sua capacidade defensiva. Está entregue — como está hoje.

O que está em jogo, portanto, não é apenas o acesso à internet ou a democratização do Wi-Fi. Trata-se de uma disputa geopolítica profunda: quem será dono dos canais pelos quais circula a própria vida social e política do país. Essa disputa envolve recursos estratégicos, decisões orçamentárias, soberania nacional e democracia.

Se quisermos reconstruir qualquer horizonte de soberania popular no Brasil, é preciso pensar a infraestrutura como território — e tratá-la como tal. Isso significa:

  • Criar um Sistema Nacional de Infraestrutura Digital Soberana, com datacenters públicos, conectividade própria, redes federadas e interoperabilidade com iniciativas do Sul Global;
  • Legalizar, financiar e proteger rádios comunitárias, servidores populares, redes autônomas e projetos de ciberativismo territorial;
  • Desenvolver políticas de infraestrutura educacional conectada, com redes seguras nas escolas e universidades públicas, sob controle social e não corporativo;
  • Participar ativamente de projetos como o BRICS-Sat, redes de Internet do Sul, e alianças para criar padrões alternativos de conectividade, localização e governança digital.

A luta pela soberania informacional começa na base — mas precisa de uma estratégia de Estado. Sem infraestrutura própria, não haverá Estado. E sem Estado, não haverá democracia.

Do satélite ao poste de rua, do servidor ao microfone comunitário, da fibra ótica à nuvem soberana: é preciso retomar, reconstruir e proteger o corpo digital do Brasil.

O Caso Redata e a Soberania de Dados

Se os dados são o novo petróleo, como dizem alguns, então o Brasil está prestes a se tornar a nova Nigéria digital — uma potência em recursos, mas colonizada em sua capacidade de processá-los, protegê-los e governá-los. A crise da soberania de dados no Brasil não é apenas técnica: é a manifestação mais aguda de uma lógica histórica de submissão aos interesses imperiais, agora reconfigurados sob a forma do colonialismo algorítmico.

O projeto REDATA, anunciado pelo governo federal como estratégia de modernização da gestão pública, expõe com clareza esse impasse. Trata-se de uma iniciativa de “centralização” de dados públicos sensíveis em ambientes de nuvem privada, operados por empresas estrangeiras, sem controle público efetivo, sem transparência sobre os contratos, e sem debate nacional prévio com a sociedade civil, especialistas e movimentos populares.

A proposta, à primeira vista, parece positiva: reunir, unificar e racionalizar dados que hoje estão dispersos em diferentes bases do Estado, com o objetivo de melhorar políticas públicas, evitar fraudes, integrar serviços e aumentar a eficiência da máquina pública. No entanto, o problema não está no objetivo declarado — mas nos meios, nos agentes envolvidos e nas consequências geopolíticas da escolha feita.

1. Terceirização da inteligência estatal

A estrutura do REDATA prevê o uso de nuvens privadas internacionais (como Oracle, Amazon ou Microsoft) para armazenar, processar e disponibilizar os dados do Estado brasileiro — incluindo dados de saúde, educação, assistência social, previdência, segurança, território e identificação civil. Ou seja, os dados mais sensíveis da população brasileira passarão a circular em infraestruturas cuja soberania jurídica, política e técnica não pertence ao Brasil.

Essa terceirização da inteligência estatal é o equivalente digital de entregar os cofres do Banco Central ao JP Morgan. Dados são o principal ativo estratégico do século XXI, e a forma como são coletados, armazenados e analisados define o futuro de uma nação. Perder esse controle é perder a capacidade de governar.

2. Opressão algorítmica e despossessão digital

Ao permitir que empresas estrangeiras operem as infraestruturas que organizam os dados estatais, o Brasil se submete a um modelo de governança algorítmica que favorece a vigilância, a classificação automatizada da população, a modulação do comportamento social e a exploração comercial de informações sensíveis. Essa dinâmica acentua desigualdades, perpetua vieses e transforma o cidadão em objeto de monitoramento e experimentação preditiva.

Em vez de ser usado para fortalecer políticas públicas, o dado vira mercadoria, e o povo vira produto.

3. Risco geopolítico e vulnerabilidade institucional

A adesão a nuvens privadas estrangeiras implica em risco direto de espionagem, chantagem e vazamento de informações estratégicas. Não é teoria conspiratória: é uma constatação empírica. Após o escândalo Snowden, ficou claro que serviços de inteligência dos Estados Unidos têm acesso privilegiado a dados armazenados por empresas norte-americanas, sob o amparo do Patriot Act e da legislação de segurança nacional daquele país.

Assim, o REDATA — longe de ser um projeto de modernização — se revela como uma estratégia de entrega dos cérebros do Estado brasileiro à vigilância imperial.

4. Ausência de debate público e controle social

Não houve audiência pública. Não houve consulta às universidades. Não houve escuta à sociedade civil, aos movimentos por soberania digital, aos especialistas em regulação de dados. O projeto foi concebido nos bastidores, impulsionado por lobbies de empresas de tecnologia e apresentado como inevitável. Essa forma de construção revela um modelo tecnocrático e antidemocrático de decisão pública sobre o futuro do país.

Caminhos para uma verdadeira soberania de dados

É possível — e urgente — construir um modelo alternativo ao REDATA. Um modelo público, democrático, soberano e seguro. Para isso, o Brasil precisa:

  • Revogar qualquer contrato ou acordo que envolva armazenamento de dados sensíveis em nuvens estrangeiras;
  • Criar uma Nuvem Pública Federal, com datacenters soberanos, auditoria permanente e interoperabilidade com entes federativos;
  • Constituir uma Agência Nacional de Dados Públicos, com controle social, transparência ativa e critérios éticos para tratamento de dados;
  • Estimular a produção nacional de software livre, criptografia pública e tecnologias de segurança descentralizada;
  • Estabelecer parcerias com países do Sul Global para criar um bloco alternativo de governança de dados, rompendo a dependência dos padrões euro-americanos.

Acima de tudo, é preciso reconhecer que dados não são apenas recurso técnico — são expressão concreta da luta de classes digital. Quem controla os dados, controla a narrativa, a política pública, o comportamento social, os orçamentos e as prioridades. O dado é o novo campo da soberania.

A luta contra o REDATA não é contra a modernização da gestão pública. É contra a subordinação do Brasil à inteligência imperial das corporações digitais. Modernizar, sim. Mas com autonomia, com controle popular, com transparência e com soberania.

Porque quem entrega os dados entrega o país. E quem entrega o país, trai o povo.

Captura Institucional e Guerra Jurídica

Na guerra híbrida, o sistema de justiça se transforma em campo de batalha. As leis, os processos e as instituições jurídicas deixam de funcionar como garantias do pacto democrático para operar como instrumentos de disputa de poder, manipulação da opinião pública e produção de consensos forjados. Essa mutação silenciosa deu origem a uma das armas mais sofisticadas da guerra contemporânea: o lawfare.

Lawfare não é simplesmente “uso da lei com fins políticos” — isso seria uma definição limitada. Trata-se de um modelo de guerra psicológica, estratégica e comunicacional que utiliza o sistema judicial para destruir reputações, neutralizar adversários, legitimar o ilegítimo e paralisar o funcionamento das forças populares. É, em sua essência, uma forma de guerra informacional travada com processos, códigos e sentenças.

O Brasil se tornou um laboratório global de lawfare. Desde o escândalo da Lava Jato, vimos como o aparato judicial foi capturado por interesses geopolíticos, por setores do imperialismo jurídico norte-americano, por fundações e think tanks internacionais e por elites locais interessadas em interromper projetos de soberania popular. A prisão de Lula sem provas, o vazamento seletivo de delações, a espetacularização de inquéritos e a manipulação de “combates à corrupção” foram apenas o começo.

A justiça passou a operar como uma máquina de guerra narrativa, onde a punição simbólica importa mais do que o veredito jurídico. O tempo da justiça — lento, ritualizado, técnico — é incompatível com o tempo da opinião pública, rápido, emocional e viral. E é nesse descompasso que reside a eficácia do lawfare: quem é acusado em tempo real já está condenado no imaginário social, mesmo que absolvido anos depois.

Essa manipulação do tempo judicial é a chave da guerra jurídica no século XXI. O objetivo não é apenas condenar — é destruir politicamente antes que se possa reagir. Isso explica por que tantas lideranças populares, sindicatos, movimentos sociais e até intelectuais passaram a ser alvo de processos administrativos, ações civis públicas, investigações criminais e medidas cautelares abusivas. O lawfare não busca justiça — busca submissão e paralisia.

Além da perseguição seletiva, há um outro vetor do problema: a captura institucional do sistema jurídico pelo lobby das plataformas. A chamada “bancada do Like” no Congresso é apenas a face parlamentar de uma aliança mais profunda entre corporações digitais e operadores do direito. Grandes escritórios de advocacia atuam hoje como consultores das Big Techs, pressionando contra qualquer tentativa de regulação democrática, influenciando decisões do STF, blindando seus clientes e promovendo narrativas sobre “liberdade de expressão” que, na prática, protegem a desinformação rentável.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tornou-se protagonista da resistência institucional contra a extrema-direita digital. A atuação firme de ministros como Alexandre de Moraes tem garantido, em muitos momentos, a contenção de atos golpistas e o enfrentamento das milícias digitais. No entanto, essa atuação também revelou os limites de um modelo de centralização judicial sem controle social, o que abre margem para críticas, tensões e manipulações.

Estamos, assim, diante de uma disputa tripla:

  1. O STF, pressionado por ataques golpistas e pela responsabilidade de conter a desinformação, avança em decisões sem mediação legislativa adequada.
  2. O Congresso, em boa parte capturado pela influência das Big Techs e dos interesses econômicos de sua base, sabota qualquer tentativa séria de regulação.
  3. O Executivo, encurralado entre as pautas urgentes, a base frágil e os limites institucionais, atua com timidez ou hesitação diante da gravidade do tema.

Nesse impasse, a soberania informacional segue desprotegida. E o povo, mais uma vez, fica à margem das decisões que afetam seu presente e futuro.

Propostas estratégicas para enfrentar a guerra jurídica

Para romper esse ciclo de captura, lawfare e lentidão estratégica, o Brasil precisa de uma reforma profunda no seu modelo de justiça e regulação informacional, com base em três eixos:

  • Criação de um Marco Legal da Soberania Informacional, que integre as dimensões jurídica, tecnológica e geopolítica da questão, sob debate público e com participação social;
  • Reforma estrutural do sistema de justiça, com foco em celeridade digital, combate ao uso político de processos, transparência algorítmica e controle social sobre decisões que envolvem plataformas e dados;
  • Criação de um Observatório Nacional do Lawfare, com atuação técnica, jurídica e comunicacional para denunciar, prevenir e reparar abusos judiciais com motivação política ou econômica.

Além disso, é preciso desenvolver mecanismos populares de autodefesa jurídica, com redes de advogados populares, campanhas de formação em direitos digitais, defesa coletiva e atuação estratégica em tribunais. A justiça precisa voltar a ser instrumento do povo — e não arma da elite contra a democracia.

Porque o que está em disputa não é apenas o futuro de uma sentença — é o futuro da própria possibilidade de decidir o destino da nação com liberdade.

A Convergência do Caos: Plataformização, Cognitivismo e Crise da Verdade

Vivemos em uma época em que a realidade está sob disputa — e essa disputa não se dá mais apenas no plano ideológico, mas no nível da própria cognição. A guerra híbrida não mira apenas instituições, infraestruturas ou modelos de Estado. Ela se instala diretamente nos circuitos mentais, nos afetos, nos modos de perceber, julgar, lembrar e esquecer. É a guerra neocortical — a guerra travada dentro da mente.

A arquitetura informacional das plataformas digitais foi desenhada para produzir três efeitos simultâneos sobre os sujeitos:

  1. Saturação perceptiva: excesso de estímulos, notificações, fragmentação da atenção e colapso da memória operativa;
  2. Colapso da confiança: erosão dos vínculos sociais, deslegitimação das instituições, suspeição generalizada e perda de sentido;
  3. Captura emocional: hiperativação afetiva, polarização dirigida e substituição da razão pelo impulso.

Esse tripé — saturação, desconfiança e impulsividade — forma o núcleo da nova forma de dominação subjetiva operada pelas plataformas. Trata-se de um modelo de sujeição que não se impõe pela coerção, mas pelo esvaziamento da capacidade de discernir, escolher, resistir e agir politicamente. Em outras palavras: um modelo de dominação que não nega a liberdade, mas a esvazia até que ela não valha nada.

Essa reorganização da subjetividade é mediada por dispositivos técnicos muito específicos: os algoritmos de personalização, que filtram, hierarquizam e distribuem conteúdos com base em padrões de comportamento passados. Ao fazer isso, criam bolhas epistêmicas, universos paralelos de informação onde cada sujeito passa a viver em sua própria realidade, sem pontos de contato com um mundo comum.

O resultado é devastador: a morte da esfera pública como espaço de partilha racional e o nascimento de uma subjetividade isolada, emocionalmente manipulável e ontologicamente instável.

A verdade, nesse contexto, deixa de ser um valor partilhado para se tornar um produto de engajamento. O que é verdadeiro é o que viraliza. O que é relevante é o que gera cliques. A “realidade” se converte em fluxo de notificações, e o real perde a consistência. Essa é a base da chamada crise da verdade, que não é apenas uma crise ética, mas uma crise técnica, política e cognitiva.

O campo progressista tem se acovardado diante dessa realidade, tratando-a como se fosse transitória ou superficial, quando, na verdade é estruturante. A convergência do caos não é acidental — ela é estratégica. Serve para desorientar, imobilizar, neutralizar e atomizar a potência popular.

Essa convergência se intensifica com a plataformização generalizada da vida. Tudo, hoje, passa pelas plataformas: o debate político, o trabalho, o lazer, a educação, o amor, o conflito, o ódio, o consumo. E essas plataformas não são meios neutros — são ambientes totalizantes, operados por inteligências artificiais opacas, orientadas para extração de dados e geração de lucro a qualquer custo.

A plataformização, portanto, não é só uma tendência tecnológica: é um modelo de sociedade. Um modelo que substitui mediações humanas por protocolos automatizados, que transforma experiências em métrica e que converte o conflito político em ruído digital.

Esse processo gera um fenômeno devastador para qualquer projeto de soberania democrática: a despolitização algorítmica das massas. Pessoas que acreditam que estão informadas porque receberam “conteúdo”, mas foram informadas apenas para confirmar seus vieses. Pessoas que acham que estão debatendo, mas estão reagindo a impulsos emocionais projetados por sistemas de recomendação. Pessoas que acreditam que estão pensando, mas estão apenas clicando.

Estamos, portanto, diante de uma crise do próprio sujeito político. O sujeito da democracia moderna — dotado de razão, vontade e autonomia — está sendo substituído por uma subjetividade moldada por métricas, controlada por notificações e guiada por afetos manipulados.

O que fazer diante da convergência do caos?

Este cenário não é irreversível. Mas exige reconstrução ativa da soberania cognitiva da população. Para isso, é necessário:

  • Desenvolver programas massivos de letramento informacional e resistência cognitiva, com base em neurociência crítica, pedagogia libertadora e psicologia social;
  • Incentivar a criação de espaços comunitários de formação em mídia, redes e leitura crítica de informação;
  • Reconstruir o papel da educação pública como espaço de fortalecimento subjetivo, e não apenas de “inclusão digital” superficial;
  • Combater o isolamento digital com políticas que fomentem o reencontro dos corpos, das comunidades e das experiências partilhadas;
  • Criar ferramentas públicas de contraplataformização, com algoritmos auditáveis, deliberativos e orientados ao bem comum.

A reconstrução da soberania informacional exige, aqui, um passo além da técnica: exige uma nova ontologia da resistência, capaz de recompor o tecido social afetado pela guerra neocortical. Porque enquanto formos apenas reativos, estaremos perdendo. É preciso reaprender a imaginar. Reaprender a pensar. Reaprender a sentir — com autonomia, com verdade, com povo.

Formação e Capacitação para a Soberania Informacional

Nenhuma guerra se vence sem formação. Nenhuma trincheira se sustenta sem preparo. Nenhuma revolução cognitiva se faz sem educação política, técnica e afetiva de base. Por isso, a luta pela soberania informacional exige — como ponto de partida e sustentação — a criação de um grande sistema nacional de formação e capacitação popular para o enfrentamento da guerra híbrida e da dominação digital.

Durante décadas, os movimentos populares investiram na formação política como base da luta de classes. No entanto, a emergência de novas formas de dominação — operadas por algoritmos, plataformas, metaintermediários e inteligências artificiais — tornou obsoletas muitas das ferramentas tradicionais. A pedagogia política precisa ser atualizada, reprogramada e expandida com urgência, sob risco de continuarmos lutando com armas analógicas em um campo de batalha digital.

A guerra é técnica, mas a resistência é pedagógica. E essa pedagogia precisa partir de um novo princípio: formar sujeitos para compreender, habitar e transformar criticamente o ecossistema informacional em que vivem. Isso significa atuar sobre quatro dimensões principais: o corpo, a atenção, o afeto e o pensamento. Formar não apenas para o “uso das redes”, mas para a compreensão da estrutura de poder que opera nelas.

Eixos estratégicos da formação para a soberania informacional

1. Formação política digital de base

Criar um programa nacional de formação política digital popular, articulado por sindicatos, movimentos, universidades e coletivos de mídia. Esse programa deve oferecer:

  • Cursos presenciais e online sobre guerra híbrida, operações psicológicas, plataformas, algoritmos, desinformação e soberania informacional;
  • Círculos de formação territorializados com uso de metodologias horizontais (educação popular, rodas, vivências, mediação comunitária);
  • Material didático acessível (apostilas, vídeos, podcasts, cartilhas, HQs, jogos, documentários curtos), produzido em linguagem simples, mas com base teórica sólida;
  • Formação permanente para educadores, lideranças, comunicadores populares, operadores de redes comunitárias e estudantes de escolas públicas.

2. Capacitação técnica e ciberativismo popular

A guerra se trava também no nível técnico. É preciso formar militantes tecnopolíticos para atuar na ponta com autonomia. Propostas:

  • Oficinas de segurança digital, criptografia, uso de VPN, navegação segura, proteção contra engenharia social, combate a phishing e uso ético das redes;
  • Criação de núcleos de desenvolvedores populares, hackers progressistas e makers para pensar soluções em código livre e tecnologias comunitárias;
  • Capacitação em monitoramento de redes, análise de desinformação e contra-informação, uso de bots progressistas e gestão de dados com soberania.

3. Alfabetização midiática e resistência cognitiva

Inspirado nos conceitos de prebunking, inoculação psicológica e pedagogia crítica da mídia, propor:

  • Programas de alfabetização informacional nas escolas públicas e universidades, com foco na leitura crítica de mídias, redes e plataformas;
  • Campanhas de resistência cognitiva voltadas ao público geral, em linguagens múltiplas (memes, vídeos, charges, séries curtas) que desvelem o funcionamento das máquinas invisíveis;
  • Formação continuada de professores, educadores sociais, agentes culturais e comunicadores para atuarem como multiplicadores territoriais.

4. Redes de trincheiras pedagógicas nos territórios

Não basta formar indivíduos: é preciso criar ecossistemas locais de formação continuada. Propostas:

  • Criação de centros de soberania informacional em favelas, escolas, sindicatos, universidades e rádios comunitárias;
  • Formação de brigadas pedagógicas digitais, compostas por jovens, mulheres, lideranças periféricas e comunicadores;
  • Articulação entre universidades públicas e movimentos populares para criação de observatórios de guerra híbrida com atuação nos territórios.

5. Cultura como eixo formativo e ferramenta de libertação

A formação não se dá apenas pela via cognitiva — ela é também sensível, simbólica e cultural. Propomos:

  • Criação de espetáculos, peças, shows, performances, exposições e slam com foco no tema da soberania informacional;
  • Fomento à música de trincheira, com batalhas de rap, funk, reggae, samba e outros ritmos populares como instrumentos de formação;
  • Produção de filmes, novelas, séries e animações educativas, com roteiros que denunciem o colonialismo digital e inspirem luta.

Um plano nacional de formação em soberania informacional

Todas essas ações devem compor um Programa Nacional de Formação em Soberania Informacional (PNFSI), articulado por:

  • Ministério da Educação, Ministério das Comunicações e Ministério dos Direitos Humanos, em parceria com universidades, institutos federais, coletivos populares e entidades da sociedade civil;
  • Comitês locais compostos por comunidades, coletivos, escolas, rádios e entidades culturais, com financiamento público e autonomia pedagógica;
  • Conselho Popular de Soberania Cognitiva, como instância de coordenação nacional, controle social e produção de conhecimento público sobre formação crítica e guerra informacional.

Porque não basta resistir: é preciso formar. E não basta formar: é preciso organizar. A trincheira mais estratégica é o cérebro de um povo que pensa com autonomia. E essa trincheira precisa ser construída com urgência, com ciência, com afeto e com radicalidade.

Regulação Democrática das Plataformas

O século XXI tornou obsoletos os marcos regulatórios do século XX. As plataformas digitais concentraram um poder tão profundo e multissetorial que hoje governam aspectos essenciais da vida coletiva sem terem sido eleitas, sem prestarem contas e sem obedecerem a nenhuma forma real de controle democrático. Elas são Estado sem território, poder sem povo, censura sem responsabilidade.

Regular essas plataformas não é um gesto de exceção ou autoritarismo — é uma urgência democrática. E, no caso do Brasil, uma questão de soberania nacional. Sem regulação, as big techs seguem operando como impérios paralelos, decidindo o que pode circular, quem será silenciado, quais conteúdos serão promovidos e o que será apagado. E tudo isso com base em critérios opacos, interesses comerciais e, muitas vezes, alinhamentos políticos transnacionais.

A falsa narrativa propagada por agentes do Vale do Silício — de que qualquer tentativa de regulação seria censura — é, ela mesma, uma tática de guerra híbrida. O objetivo desse discurso é impedir a construção de marcos legais soberanos, mantendo a lógica da impunidade algorítmica e do lucro irrestrito.

A não regulação é, de fato, a forma mais eficaz de censura: a censura silenciosa dos algoritmos. O que não gera lucro não aparece. O que ameaça o modelo de negócio é invisibilizado. O que confronta a hegemonia informacional é punido por regras obscuras, aplicadas por robôs de moderação terceirizados em outras línguas, outros países, sem direito à defesa, à contestação ou à justiça.

O cenário brasileiro: captura institucional e sabotagem legislativa

O Brasil vive, há anos, o impasse da regulação das plataformas. O projeto de lei mais robusto sobre o tema — o PL 2630, também conhecido como “PL das Fake News” — vem sendo sistematicamente sabotado por uma aliança informal entre a extrema-direita digital, os lobbies das big techs e setores do centrão neoliberal. Essa sabotagem inclui:

  • Financiamento direto de campanhas contra a regulação em jornais, sites, influenciadores e grupos de WhatsApp;
  • Pressão sobre parlamentares para retirarem apoio ao PL;
  • Envio de cartas, ameaças de desinvestimento e chantagem econômica direta aos três poderes;
  • Ações jurídicas para impedir o avanço do debate.

Como descreve o artigo “Bancada do Like: O Congresso a Serviço das Big Techs” (DCM, 2025), o Brasil foi transformado em um dos principais frontes de batalha entre democracia e desinformação, entre soberania e colonização algorítmica.

Nesse cenário, o STF tem assumido protagonismo em ações emergenciais — como bloqueios de perfis golpistas, responsabilização de plataformas por omissão, e ações de contenção à radicalização digital. No entanto, a justiça não pode ocupar o lugar da política. A ausência de regulação legislativa abre margem para arbitrariedades, disputas institucionais e dependência de decisões monocráticas.

Elementos para uma regulação democrática e soberana

Para construir um marco regulatório legítimo, eficiente e popular, é preciso fugir tanto da captura corporativa quanto do autoritarismo tecnocrático. A regulação que defendemos é radicalmente democrática, descentralizada, transparente e baseada em três pilares: responsabilidade, transparência e participação.

1. Responsabilidade

  • As plataformas devem ser responsabilizadas legalmente por danos causados por conteúdos impulsionados, monetizados ou promovidos por seus algoritmos;
  • Criação de um sistema de responsabilidade compartilhada, onde se diferenciem conteúdos orgânicos de conteúdos amplificados por inteligência artificial ou promovidos por monetização;
  • Instituição de multas progressivas, suspensão de atividades e sanções penais em caso de omissão sistemática diante de violações de direitos fundamentais.

2. Transparência

  • Exigência de relatórios públicos periódicos sobre moderação de conteúdo, algoritmos de recomendação, critérios de visibilidade e monetização;
  • Auditoria pública e independente dos algoritmos usados em redes sociais, buscadores e plataformas de vídeo;
  • Transparência nos contratos entre plataformas e atores políticos, agências de publicidade, partidos, igrejas e governos.

3. Participação

  • Criação de um Conselho Nacional de Regulação das Plataformas, com representação da sociedade civil, universidades, movimentos populares, jornalistas, desenvolvedores e defensores de direitos digitais;
  • Controle social sobre decisões de moderação de conteúdo, com instâncias de apelação e defesa pública dos usuários;
  • Políticas públicas de educação para uso crítico das redes e direitos digitais, integradas ao sistema educacional nacional.

Constituição de um Grupo Jurídico Popular para o Enfrentamento Judicial da Desinformação e do Discurso Fascista

A guerra informacional não se trava apenas nos campos da comunicação e da tecnologia, mas também no terreno jurídico. As plataformas digitais se tornaram espaços de propagação massiva de discursos fascistas, ataques à democracia, violência simbólica e campanhas de ódio altamente rentáveis. Parlamentares, influenciadores, blogueiros e youtubers — grandes ou pequenos — exploram essa arquitetura do engajamento para produzir narrativas de intimidação e terror psicológico, operando sem medo de consequências materiais ou legais.

Essa impunidade jurídica alimenta a ousadia do discurso fascista, pois gera a percepção de que a desinformação e a violência simbólica são territórios livres, sem sanção. Para romper essa lógica, propomos a constituição de um Grupo Jurídico Popular para o Enfrentamento Judicial da Desinformação e do Discurso Fascista, com a missão de atuar de forma coordenada, estratégica e sistemática no ajuizamento de ações cíveis, penais e administrativas contra agentes da desinformação.

Este grupo jurídico popular deverá ser composto por advogados, defensores públicos, juristas progressistas, professores de direito e estudantes, articulados em rede nacional e com forte capilaridade territorial. Seu objetivo será processar parlamentares, influenciadores, blogueiros e youtubers que disseminem desinformação, discurso de ódio ou ataques à ordem democrática, garantindo que respondam financeiramente e criminalmente por seus atos. A imposição de indenizações milionárias, multas significativas e sanções penais proporcionais aos danos coletivos poderá inibir a continuidade dessas práticas, instaurando um senso de medo real da responsabilização jurídica e mudando o cálculo de risco dos operadores do fascismo digital.

A atuação desse grupo não se limita ao contencioso judicial. Ele também deverá promover campanhas de informação jurídica popular, oficinas de formação em direitos digitais e estratégias defensivas coletiva, para que militantes, educadores, comunicadores comunitários e movimentos sociais conheçam seus direitos e saibam reagir diante de ataques ou campanhas de desmoralização orquestradas nas redes.

Além disso, propomos que o grupo jurídico popular estabeleça convênios e protocolos de cooperação com a Defensoria Pública, com universidades e com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), garantindo suporte técnico, capacidade de litigância estratégica e autonomia financeira.

A guerra híbrida se faz, também, nos tribunais. Enquanto os operadores do fascismo não sentirem o peso das indenizações, das condenações e da persecução penal, continuarão a atuar com a certeza da impunidade. É preciso, portanto, transformar o direito em trincheira, a advocacia em arma democrática e a justiça em instrumento de defesa popular.

O Brasil como referência internacional

Ao invés de apenas reagir à pressão do Vale do Silício, o Brasil pode — e deve — liderar um novo paradigma de regulação democrática das plataformas. Temos história, movimento social organizado, universidade pública forte, redes culturais potentes e uma tradição de defesa dos direitos sociais que podem colocar o país na vanguarda da luta global pela soberania informacional.

É preciso, para isso, romper com a lógica da submissão legislativa, do medo econômico e da paralisia política. Regular é proteger. Regular é democratizar. Regular é construir futuro.

A omissão legislativa é o golpe. E a regulação democrática é o antídoto. Não se trata de controlar a liberdade: trata-se de garantir que ela seja real, compartilhada e protegida contra os interesses de poucos bilionários que hoje governam o mundo pelos bastidores da tela.

Criação de uma Doutrina Nacional de Defesa da Soberania Informacional

Nenhum país sobrevive sem doutrina. Nenhum projeto soberano avança sem uma visão estratégica e articulada de longo prazo que oriente políticas públicas, mobilize recursos, crie pactos sociais e alinhe a defesa do território com a proteção da consciência coletiva. A guerra híbrida que enfrentamos — multidimensional, assimétrica, silenciosa e permanente — exige mais do que programas pontuais ou reações emergenciais. Exige uma doutrina. Uma Doutrina Nacional de Soberania Informacional.

Essa doutrina deve ser compreendida como a formulação político-estratégica de um novo paradigma de defesa nacional, que reconhece o território digital como extensão vital do território físico, e a informação como ativo estratégico tão relevante quanto o solo, a água ou o petróleo. Mais do que um plano, essa doutrina será uma matriz de pensamento, ação e organização, capaz de articular instituições, movimentos sociais, universidades, comunidade técnica e Estado.

Por que precisamos de uma doutrina?

Desde a Segunda Guerra Mundial, todas as potências geopolíticas operam com doutrinas de segurança, inteligência e controle informacional. A doutrina da Guerra Fria organizou o Ocidente sob o medo do comunismo. A Doutrina Bush reorganizou o império em torno do “combate ao terror”. A China opera com a doutrina da “Soberania Cibernética”. A OTAN atua com doutrinas de guerra híbrida. A Rússia opera sob a Doutrina Gerasimov.

E o Brasil?

Não temos doutrina. Temos improviso. O que temos são ações fragmentadas, programas de governo dispersos, medidas reativas e uma profunda vulnerabilidade estratégica. Essa ausência explica por que o país foi tão facilmente capturado pela lógica da plataformização, da desinformação e do colonialismo digital.

Princípios fundamentais da doutrina

  1. A informação é território.
  2. Os algoritmos são infraestruturas de poder.
  3. A soberania informacional é condição prévia para qualquer soberania política, econômica ou cultural.
  4. A guerra híbrida é permanente e multidimensional.
  5. O povo deve ser o sujeito ativo da soberania informacional.

Eixos estruturantes da doutrina

1. Defesa informacional integrada

  • Criação de um Comando Nacional de Defesa Informacional, articulando as áreas de segurança cibernética, comunicação institucional, inteligência estratégica, defesa territorial e proteção de dados;
  • Reorganização das Forças Armadas para que incorporem a defesa informacional como eixo estruturante, em cooperação com instituições civis, universidades públicas e agências reguladoras;
  • Estabelecimento de um sistema de alerta precoce para ameaças informacionais, ataques digitais e operações psicológicas estrangeiras.

2. Política externa soberana em dados, IA e tecnologia

  • Inclusão da pauta da soberania digital e informacional como eixo central da política externa brasileira, priorizando alianças com países do Sul Global, BRICS, CELAC e União Africana;
  • Criação de uma Aliança do Sul pela Soberania Informacional, com compartilhamento de tecnologias abertas, infraestrutura federada, protocolos livres e interconexão soberana de redes;
  • Promoção ativa de um novo regime internacional de governança digital multilateral, que enfrente o monopólio das Big Techs e os padrões imperiais do Vale do Silício.

3. Planejamento estatal integrado

  • Criação de um Plano Plurianual Nacional de Soberania Informacional, com metas, prazos, indicadores, recursos e integração entre os ministérios da Defesa, Educação, Comunicações, Cultura, Ciência e Tecnologia e Direitos Humanos;
  • Incorporação da pauta da soberania informacional aos currículos escolares, aos concursos públicos e à formação continuada de servidores, educadores, juristas e comunicadores;
  • Estruturação de zonas de soberania tecnológica, com produção nacional de chips, servidores, satélites, IA pública, redes comunitárias e datacenters federais.

4. Controle social e participação popular

  • Criação do Conselho Nacional Popular de Soberania Informacional, com representação de universidades, movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, juventudes, sindicatos, mulheres, desenvolvedores e comunicadores populares;
  • Implantação de comitês regionais e locais de soberania cognitiva, conectados por redes federadas, rádios comunitárias, redes mesh e plataformas livres;
  • Participação direta da população na auditoria de algoritmos, decisões de moderação e produção de dados públicos.

Rumo a uma nova razão estratégica brasileira

A Doutrina Nacional de Soberania Informacional não é apenas uma resposta ao caos. É uma proposta de refundação do projeto nacional brasileiro no século XXI. Um projeto que compreenda que sem controle sobre nossos dados, nossos meios, nossas redes e nossas subjetividades, não há democracia, não há desenvolvimento, não há liberdade.

É o momento de agir como nação. De pensar com autonomia. De nos proteger, nos organizar e nos projetar como potência informacional solidária, democrática e popular.

Do contrário, continuaremos sendo administrados por inteligência estrangeira, governados por algoritmos opacos e derrotados por forças que sequer se mostram.

A Monetização do Fascismo e os Mecanismos de Financiamento Coletivo da Guerrilha Digital

Um dos aspectos menos debatidos — porém absolutamente estratégicos — da guerra informacional contemporânea é a estrutura de financiamento que sustenta a máquina de ódio, a desinformação massiva e a guerrilha fascista digital. As plataformas digitais, ao priorizarem modelos de negócios baseados em engajamento e atenção, tornaram-se terrenos férteis para a monetização do fascismo, permitindo que influenciadores, parlamentares, blogueiros e youtubers convertam discurso extremista em lucro direto, por meio de publicidade, impulsionamento e doações.

A arquitetura algorítmica dessas plataformas, orientada para maximizar interações, cria um ecossistema perfeito para a viralização de conteúdos agressivos, conspiratórios e antidemocráticos. O ódio vende, o medo mobiliza, a indignação gera cliques — e cada clique se transforma em receita publicitária, repassada pelas próprias plataformas para aqueles que melhor performam nessa lógica destrutiva. Assim, a desinformação e o discurso fascista não são apenas tolerados: eles se transformam em produtos rentáveis, estimulados pela própria engenharia de recomendação algorítmica.

Além da monetização pelas plataformas, grupos de extrema-direita desenvolveram com alta eficiência redes de financiamento coletivo — através de “PIX do patriota”, campanhas em sites de crowdfunding, superchats em lives, assinaturas diretas e esquemas de doação mensal. Estes mecanismos permitem arrecadações milionárias, pulverizadas em milhares de microdoações, garantindo autonomia financeira para a operação da guerrilha informacional. Essa base de financiamento popular, aliada ao suporte de empresários simpáticos ao fascismo, cria uma rede de sustentação robusta, difícil de rastrear e muito ágil na mobilização de recursos para campanhas de ódio, sabotagens políticas e ataques coordenados.

Esse ciclo de monetização e financiamento do fascismo impõe desafios severos à soberania informacional do Brasil. Ao mesmo tempo, em que se organizam como “empreendedores da opinião”, esses operadores do caos constroem verdadeiros exércitos digitais sustentados por dinheiro de procedência opaca, sem qualquer regulação efetiva. O resultado é uma assimetria brutal: enquanto comunicadores progressistas enfrentam restrições, desmonetizações arbitrárias e vigilância constante, os produtores de ódio prosperam financeiramente, com respaldo de plataformas que se beneficiam do lucro gerado pela polarização.

Romper essa engrenagem exige medidas urgentes. Propomos:

  • Auditorias independentes e públicas sobre os fluxos de financiamento coletivo que sustentam a desinformação e os discursos antidemocráticos, com quebra de sigilos bancários e fiscais quando necessário;
  • Regulação clara sobre a monetização de conteúdos em plataformas, proibindo publicidade e repasses financeiros a perfis que disseminem discurso de ódio, ataque à democracia ou desinformação comprovada;
  • Campanhas massivas de conscientização, para reduzir o apoio popular a essas redes de financiamento coletivo fascistas, desmascarando sua função política e seus laços com projetos autoritários;

Parcerias entre Ministério Público, Receita Federal e plataformas para rastrear operações suspeitas, identificar redes de financiamento ilícito e aplicar sanções proporcionais aos danos causados à sociedade.

Enquanto a guerra informacional for lucrativa, ela continuará se expandindo. É preciso quebrar o ciclo econômico que alimenta o fascismo digital, atacando suas fontes de receita, seus mecanismos de captação de recursos e a cumplicidade das plataformas. Somente assim será possível desidratar financeiramente o projeto de ódio e abrir espaço para reconstruir uma esfera pública democrática, saudável e livre.

Reuniões Periódicas de Coordenação Militante para Estratégias de Contra-Narrativa

A disputa informacional não se vence apenas com diagnósticos profundos ou boas intenções. Ela exige organização contínua, disciplina estratégica e atualização constante das práticas de comunicação e mobilização popular. A extrema-direita, ao longo dos últimos anos, demonstrou enorme capacidade de coordenação semanal, quase militarizada, para definir agendas, testar narrativas e impulsionar conteúdos de forma massiva e sincronizada.

O campo progressista, por outro lado, costuma se articular de maneira dispersa, pontual e fragmentada, sem mecanismos regulares de alinhamento tático. Para superar essa limitação, propomos a implementação de reuniões quinzenais ou mensais com a militância digital, que tenham como foco a definição coletiva de estratégias de enfrentamento, a análise do ecossistema informacional adversário e o planejamento de conteúdos coordenados.

Essas reuniões devem ser abertas, plurais e territorializadas sempre que possível, incorporando juventudes, movimentos sociais, coletivos culturais, comunicadores populares, educadores e técnicos. O objetivo é construir um calendário unificado de ações, identificar narrativas fascistas que estejam em circulação e planejar contranarrativas com linguagem, estética e formatos ajustados às dinâmicas das plataformas.

As reuniões devem ainda:

  • Capacitar militantes para atuar de forma segura, coordenada e estratégica nos ambientes digitais;
  • Analisar tendências algorítmicas e vulnerabilidades informacionais, prevendo possíveis ofensivas da extrema-direita;
  • Fortalecer vínculos comunitários, gerando sensação de pertencimento e engajamento de base para sustentar mobilizações de médio e longo prazo;
  • Monitorar resultados de campanhas, identificando pontos de melhoria e adaptando táticas em tempo real.

Em tempos de guerra híbrida e ataques coordenados à democracia, a improvisação é um luxo que o campo democrático não pode mais se permitir. A criação de rotinas periódicas de organização militante, com análise crítica e planejamento de ações, será essencial para recuperar a iniciativa, disputar a narrativa pública e proteger a soberania cognitiva do povo brasileiro.

Guerrilha Informacional: Comunicação Popular e Contra-ataque nas Redes

As guerras do nosso tempo não se vencem apenas com tanques, leis ou plataformas — se vencem com narrativas. E toda narrativa é disputa de sentido, de afeto, de presente e de futuro. A extrema-direita entendeu isso antes de nós. Criou sua estética, sua linguagem, seus territórios de rede, seus símbolos, seus memes, seus influenciadores, suas máquinas de produção simbólica. E a esquerda, por muito tempo, resistiu sem estética, sem humor, sem desejo, sem internet.

Chegou a hora de mudar esse quadro. A guerrilha informacional é a forma tática e radical de retomarmos o controle sobre os circuitos simbólicos da sociedade, de territorializar o ciberespaço, de falar com o povo na linguagem do povo — sem perder a profundidade, a política, o projeto.

Ela não é feita apenas com técnica — mas com criatividade, coragem e conexão afetiva. É comunicação de combate. Comunicação de base. Comunicação para disputa do imaginário coletivo.

Princípios da guerrilha informacional

  1. Ser afetiva e combativa ao mesmo tempo.
  2. Ser radical sem ser sectária.
  3. Falar com o povo, não apenas com os convertidos.
  4. Usar a linguagem da rede sem perder o projeto de país.
  5. Combinar o meme com o manifesto, o rap com a tese, o podcast com o panfleto.

Linhas de ação estratégica

1. Comunicação popular reestruturada: voltar às bases, ocupar os feeds

  • Fortalecer rádios comunitárias, podcasts de base, webTVs populares, canais de bairro, veículos periféricos e indígenas, com financiamento, infraestrutura e apoio técnico;
  • Criar editorias populares nas periferias, formadas por jovens comunicadores, lideranças culturais, artistas e educadores;
  • Implementar redes locais de combate à desinformação com base em vínculos comunitários (escolas, igrejas, coletivos culturais, quilombos, associações de bairro).

2. Estéticas da resistência: comunicar com o corpo, com a música, com a imagem

  • Fomentar batalhas de rima, festivais de música, vídeos curtos, performances e grafites com mensagens de resistência à guerra híbrida;
  • Produzir memes politizados, sátiras criativas, remixes insurgentes e humor combativo com potencial de viralização;
  • Criar narrativas épicas e simbólicas sobre soberania, democracia, dignidade, justiça e futuro — contra o niilismo e o medo.

3. Tomada de redes: ocupar o território inimigo com inteligência

  • Formar frentes digitais de guerrilha informacional, com atuação coordenada em momentos-chave (eleições, crises, ofensivas da extrema-direita);
  • Capacitar militantes para análise de redes, inserção estratégica em bolhas adversárias, ocupação de hashtags e sabotagem narrativa;
  • Criar influenciadores populares orgânicos, com linguagem própria, independência estética e conexão com as massas.

4. Infraestrutura autônoma e distribuição soberana

  • Desenvolver plataformas próprias, redes sociais descentralizadas, agregadores de conteúdo livre, fóruns de formação e redes federadas;
  • Criar kits de guerrilha digital (servidores, manuais, apps, plugins, protocolos de segurança e comunicação off-line);
  • Utilizar redes mesh, intranets populares, distribuição P2P e canais seguros de contra-informação em contextos de repressão ou censura.

5. Mobilização simultânea nos territórios físicos e simbólicos

  • Articular ações de rua, trancaços, ocupações, assembleias e manifestações com campanhas coordenadas nas redes;
  • Criar frentes narrativas conjuntas entre movimentos, centrais, sindicatos, juventudes, povos originários e artistas;
  • Utilizar momentos simbólicos (datas históricas, atos de violência estatal, eleições, mobilizações internacionais) como pontos de inflexão narrativa.

Por uma frente ampla da contra-informação popular

A guerrilha informacional precisa ser parte de uma Frente Nacional pela Soberania Comunicacional, que una:

  • Rádios comunitárias e TVs populares;
  • Sindicatos e juventudes periféricas;
  • Artistas, músicos, educadores e comunicadores progressistas;
  • Desenvolvedores, pesquisadores e hackers democráticos;
  • Grupos de mídias alternativas, observatórios de redes e coletivos culturais.

Essa frente deve atuar de forma permanente, articulada, estratégica e com financiamento público e popular. Não se trata de improvisar respostas. Trata-se de construir poder informacional popular.

O povo armado de consciência, linguagem e conexão é o maior pesadelo das elites coloniais. A comunicação é o nosso fuzil simbólico. O algoritmo, nosso campo de batalha. A arte, nossa bandeira. E o meme, nossa bala de prata.

FrenCyber: A Frente que Consolida a Captura das Big Techs

A FrenCyber — Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e Defesa Cibernética — nasceu como suposta resposta aos desafios digitais. No entanto, tornou-se um instrumento de captura das grandes plataformas, encabeçada pela extrema-direita e aliados conservadores com apoio das Big Techs. Sua existência aponta para uma tendência perigosa: transformar o Estado em facilitador da operação digital das corporações, não da sociedade.

1. A FrenCyber como plataforma de poder corporativo

Embora se apresente como um grupo técnico, sua composição majoritária de parlamentares ultraconservadores (como Esperidião Amin, Damares Alves, Hamilton Mourão, Sergio Moro), indica um claro alinhamento com interesses antidemocráticos e neoliberais brasil247.com. Sob a retórica da “cibersegurança”, opera para:

  • Proteger as plataformas de qualquer responsabilização legislativa;
  • Bloquear iniciativas de transparência algorítmica, contenção de coleta de dados e moderação responsável cdi.mecon.gob.ar+4brasil247.com+4repositorio.ulisboa.pt+4;
  • Articular leis à imagem da Seção 230 dos EUA, que eximem plataformas de responsabilidade por conteúdo brasil247.com.

2. A invisibilidade estratégica da captura

A FrenCyber opera de forma sorrateira. Disfarçando interesses como projetos de segurança, ela atua para:

  • Impor parcerias tecnológicas com Big Techs, abrindo caminho para vigilância em massa, coleta massiva de dados e influência estrangeira sobre eleições brasil247.com+3brasil247.com+3x.com+3.
  • Deslegitimar o CGI.br, que representa governança plural da internet, deixando-o subordinado à ANATEL — agência com histórico mais técnica e capturada por lobbies — em claro enfraquecimento do controle social brasil247.com.

3. Riscos concretos: manipulação e intervenção nas eleições de 2026

A FrenCyber atua diretamente na preparação das eleições de 2026:

  • Legaliza ferramentas de manipulação em larga escala em redes;
  • Permite que bolsões de desinformação sejam protegidos legalmente sob a retórica da liberdade de expressão brasil247.com+1x.com+1;
  • Facilita uso de microdirecionamento político (data-driven campaigning) semelhante ao escândalo Cambridge Analytica, com base na coleta e cruzamento massivo de dados pessoais brasil247.com.

4. Como enfrentar a FrenCyber?

Para restaurar a soberania informacional, é urgente:

a) Denúncia e Exposição

  • Realizar campanhas públicas para revelar a composição e os pactos desta frente, demonstrando que sob o pretexto de segurança, atua contra a democracia.

b) Defesa e Fortalecimento da Governança Plural

  • Defender o CGI.br como instância multissetorial essencial;
  • Impedir que a governança digital seja coagida por parcerias com grandes plataformas ou interpretada de forma restritiva e centralizada.

c) Regulamentação progressista

  • Avançar com propostas de transparência algorítmica, controle de coleta de dados, moderação responsável;
  • Promover comitês mistos de auditoria civil e científica dos fluxos digitais que interferem na esfera pública.

d) Criação de contraponto institucional

  • Fomentar e articular Frentes populares em defesa da soberania digital, formadas por movimentos, universidades, coletivos tecnológicos e legisladores comprometidos, de modo a contrapor o avanço da FrenCyber.

A FrenCyber não é aliado, é perigo

A FrenCyber não é resposta — é parte do problema. Seu avanço corporativo ameaça inserir o Brasil de forma irreversível na colônia digital das Big Techs, minando nossa capacidade de regulação, inclusão democrática e controle da narrativa.

É urgente que esse diagnóstico se transforme em mobilização legislativa, pressão pública e organização política. Apenas assim poderemos reagir a essa ofensiva e criar trincheiras reais de soberania e autonomia informacional.

Tecnologias Soberanas e Infraestruturas Autônomas

A soberania informacional não será conquistada apenas com leis ou formação política. Ela exige também autonomia material, ou seja, o controle soberano sobre as máquinas, códigos, servidores, redes e plataformas que estruturam o nosso presente e moldarão o futuro.

No Brasil de 2025, a quase totalidade da infraestrutura digital estratégica está nas mãos de corporações estrangeiras. Dados do SUS, do governo federal, dos tribunais, das universidades e da população circulam por nuvens privadas como AWS (Amazon), Google Cloud, Oracle e Microsoft Azure. Estamos entregando o cérebro do Estado ao inimigo histórico do povo latino-americano.

Essa dependência não é apenas técnica — é colonial. Cada linha de código proprietária que utilizamos sem controle, cada serviço em nuvem que contratamos sem regulação, cada dado que enviamos para fora do país é uma microderrota da soberania nacional.

Chegou a hora de inverter essa equação. E isso começa com um plano nacional de reconstrução tecnológica soberana.

Fundamentos de uma infraestrutura autônoma e democrática

  1. Controle público dos fluxos informacionais
  2. Plataformas tecnológicas abertas, auditáveis e interoperáveis
  3. Autonomia territorial na produção, circulação e armazenamento de dados
  4. Governança democrática sobre tecnologias críticas
  5. Participação popular na definição de prioridades técnicas

Propostas para construção de tecnologias soberanas

1. Nuvem Pública Nacional

  • Criação da Nuvem Soberana Brasileira, com servidores públicos distribuídos, hospedagem de dados governamentais e serviços críticos sob gestão do Estado e com controle social.
  • Proibição da hospedagem de dados sensíveis do Estado e da população em servidores estrangeiros.
  • Desenvolvimento de uma interface interoperável entre os entes federativos, garantindo proteção de dados e soberania federativa digital.

2. Sistema Nacional de Plataformas Livres

  • Substituição gradual do uso de plataformas privadas em instituições públicas por soluções de código aberto, com suporte local e governança distribuída.
  • Criação de um repositório público de softwares livres auditados, certificados por universidades e institutos federais.
  • Investimento em redes federadas para comunicação institucional: e-mail, repositórios, mensageria, reuniões, ensino e publicação científica.

3. Datacenters descentralizados e públicos

  • Construção de datacenters federais, estaduais e regionais, com prioridade para regiões periféricas e interiorizadas.
  • Conexão dos datacenters com redes comunitárias e coletivos técnicos populares, criando um sistema de armazenamento e processamento popular e democrático.
  • Articulação com projetos como o dos BRICS para compartilhamento seguro de infraestrutura entre países do Sul Global.

4. Inteligência Artificial Pública e Auditável

  • Criação de modelos de IA desenvolvidos por universidades públicas, com bases de dados nacionais e sem viés comercial.
  • Auditoria dos modelos existentes utilizados em políticas públicas ou serviços essenciais.
  • Formação de comitês populares de ética algorítmica, com capacidade deliberativa sobre o uso e os impactos sociais da IA no país.

5. Redes descentralizadas e tecnologias comunitárias

  • Fomento a redes mesh autogeridas, servidores de bairro, clouds locais, rádios digitais, redes indígenas e quilombolas de informação.
  • Criação de laboratórios populares de tecnologia, em parceria com IFs, escolas técnicas e coletivos de periferia.
  • Apoio institucional a desenvolvedores, makers, hackers populares e comunidades tecnológicas livres, como política pública.

6. Soberania em hardware crítico

  • Desenvolvimento de programas nacionais de produção de chips, roteadores, satélites e dispositivos de comunicação locais, em parceria com universidades, BRICS e centros de pesquisa.
  • Criação de um Instituto Nacional de Engenharia Informacional Popular, voltado para a formação técnica e produção de hardware sob controle público.
  • Financiamento público à microeletrônica livre e soberana, com foco em tecnologias de baixo custo, alto impacto social e segurança nacional.

Um novo modelo de desenvolvimento informacional

O investimento em tecnologias soberanas não deve ser visto como gasto — mas como garantia da existência soberana do país. Isso significa que cada centavo destinado a desenvolver uma alternativa pública ao Gmail, ao Zoom, ao WhatsApp, ao Google Drive ou à Meta é um investimento direto em liberdade, segurança, justiça e democracia.

A disputa geopolítica do século XXI se dará entre os que dominam suas infraestruturas e os que serão dominados por elas.

Cabe ao Brasil decidir de que lado quer estar.

Mobilização Popular e Chamado à Ação

Todo diagnóstico sem ação é paralisia. Toda crítica sem organização é ruído. E toda ameaça, se não enfrentada, vira norma. A guerra híbrida que nos atinge já não é uma previsão — é uma realidade diária. A soberania informacional brasileira está sob ataque, e não haverá vitória possível sem mobilização ampla, profunda e popular.

O que propomos neste report não é apenas um plano técnico ou institucional. É um chamado. Um alerta. Um levante. Uma convocatória de trincheira. Uma guerra foi declarada contra o Brasil — e ela é travada com dados, plataformas, algoritmos, memes, vídeos virais, sabotagens judiciais, campanhas de ódio, doutrinas imperiais e vigilância de massas. O que está em jogo não é só a política — é a própria possibilidade de existir como povo soberano.

O momento exige três movimentos simultâneos:

1. Organizar as trincheiras nas redes

  • Não podemos mais deixar a comunicação política nas mãos do improviso ou das agências. Precisamos de redes militantes organizadas, com formação, coordenação e estratégia.
  • Cada perfil progressista nas redes é uma célula da resistência. Mas precisa estar conectado a uma frente maior, articulado em rede, com inteligência coletiva e ação coordenada.
  • Devemos criar fluxos permanentes de formação e ação digital, com táticas de inserção em bolhas, monitoramento de desinformação, viralização de conteúdos contra-hegemônicos, e produção estética de alto impacto popular.

2. Reorganizar os territórios da luta

  • Os bairros, vilas, comunidades, periferias, escolas, sindicatos, igrejas, centros culturais e universidades são territórios da guerra híbrida.
  • Precisamos retomar esses espaços com formação política, oficinas de mídia, rodas de conversa, rádios comunitárias, exibições de vídeos, mutirões digitais, redes locais de proteção e ciberdefesa popular.
  • As lutas concretas — moradia, educação, saúde, segurança, renda — precisam ser traduzidas como parte da luta pela soberania informacional. Porque quem não controla a informação, não consegue nem gritar por seus direitos.

3. Pressionar o Estado e disputar o futuro

  • As instituições precisam ser pressionadas com propostas, mobilizações, campanhas, denúncias e alianças. Devemos exigir:
    • Regulação das plataformas;
    • Nuvem pública;
    • Financiamento de rádios comunitárias e plataformas livres;
    • Proteção de dados;
    • Formação digital para todos os agentes públicos;
    • Criação imediata de políticas nacionais de defesa da soberania informacional.
  • Precisamos de legisladores que compreendam o conflito e atuem com coragem, enfrentando a bancada do Like, os lobbies das big techs e os sabotadores do Estado.
  • E devemos disputar as eleições como trincheira da soberania cognitiva. Não basta ganhar votos — é preciso reorganizar o poder a partir da soberania sobre os meios de comunicação e sobre os circuitos da consciência coletiva.

Um plano nacional de trincheiras

Este report será apenas um documento se não for incorporado por cada militante como um manual de guerra para o nosso tempo. Por isso, propomos:

  • A criação de brigadas informacionais populares, em escolas, bairros, sindicatos, universidades e coletivos;
  • A multiplicação de centros populares de soberania digital, com apoio técnico, pedagógico e cultural;
  • A convocação de um Fórum Nacional de Soberania Informacional, unindo entidades, lideranças, técnicos, ativistas e movimentos para transformar propostas em ação coordenada;
  • A organização de uma Jornada Nacional de Formação e Ação pela Soberania Informacional, com ciclos de debates, oficinas, produção de materiais e mobilização nas redes e ruas;
  • A articulação de redes internacionais de solidariedade informacional, especialmente com países do Sul Global e experiências latino-americanas de resistência digital.

Conclusão deste chamado

O que está em jogo não é o futuro — é o presente. E não há mais tempo para hesitar. A história nos convocou. As máquinas estão ligadas. Os dados já estão sendo extraídos. As guerras já estão em curso. Os algoritmos já estão operando sobre os afetos, os votos, as crenças e os corpos.

Este report é uma convocatória para construir, com urgência e método, um levante informacional popular.

Porque o Brasil não será livre enquanto depender de máquinas estrangeiras para pensar.
Porque o povo não será soberano enquanto não dominar os códigos que o dominam.
E porque a liberdade não é um valor — é um sistema técnico, político e popular de resistência.

A trincheira começa agora. E começa com você.

Vivemos um tempo em que os códigos falam mais alto que as leis. Um tempo em que a política não é apenas disputada nas urnas, mas programada nas plataformas. Um tempo em que a soberania deixou de ser uma abstração geopolítica e passou a ser uma batalha diária pela posse da palavra, da rede, do dado, da atenção e da imaginação.

Este report parte de uma convicção clara e irredutível: não há soberania possível sem soberania informacional. Nenhum projeto popular poderá florescer se for moldado por algoritmos coloniais, esvaziado por desinformação industrial, sabotado por plataformas capturadas e combatido por sistemas de vigilância e manipulação invisíveis. Não há futuro democrático sem infraestrutura digital livre, sem organização popular conectada, sem tecnologias enraizadas no interesse do povo e controladas pelo próprio povo.

Ao longo destas páginas, diagnosticamos com rigor os mecanismos da guerra híbrida em curso — suas camadas psicológicas, jurídicas, culturais, tecnológicas, econômicas e institucionais. Denunciamos o papel das Big Techs como operadores de uma nova forma de colonialismo silencioso. Exibimos as omissões e capturas do Estado brasileiro. Analisamos as fraquezas do campo progressista e suas ausências estratégicas. E, principalmente, apresentamos caminhos viáveis, ousados e concretos de reconstrução da soberania informacional brasileira.

Mas este documento não vale nada se for lido como um fim em si mesmo. Ele é uma ferramenta, um guia, um mapa de trincheira. Cada seção é uma convocação. Cada parágrafo é uma proposta. Cada linha é um convite à ação, à organização, à formação, à criação de redes de resistência e contra-informação.

O desafio é imenso. Mas há uma certeza que nos acompanha: nunca houve dominação que não pudesse ser enfrentada — quando um povo decide se levantar.

A dominação algorítmica, o colonialismo digital e a guerra psicológica contra o Brasil não são naturais. Foram construídos — e podem ser desmontados.

Essa desconstrução exige:

  • Formação massiva e contínua da base;
  • Regulação firme e democrática das plataformas;
  • Criação e uso de tecnologias livres e soberanas;
  • Mobilização popular territorializada e digital;
  • Doutrina de Estado orientada à soberania cognitiva;
  • E um pacto coletivo entre movimentos, ciência, cultura e política para reorganizar o país a partir da informação como direito e não como mercadoria.

O tempo da neutralidade acabou. O tempo da hesitação passou. Estamos diante da escolha fundamental de nossa geração: ou reconquistamos a soberania informacional do Brasil, ou aceitaremos viver num simulacro de país governado por máquinas estrangeiras, narrativas compradas e algoritmos de submissão.

E nós não aceitaremos.

Este é o tempo da insubordinação informacional.
Este é o tempo da reconstrução da soberania.
Este é o tempo do levante digital popular.

E ele começa aqui.

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