Da Redação
Em uma entrevista recente, Jared Kushner — genro do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e um dos negociadores principais do cessar-fogo entre Israel e Hamas — declarou que, segundo as informações que os mediadores internacionais lhe transmitiram, o Hamas “até agora está procurando honrar o acordo”, apesar de admitir que “isso pode se desfazer a qualquer minuto”. A entrevista acendeu alertas e esperanças: por um lado, abre caminho para uma possível estabilização na Faixa de Gaza; por outro, levanta dúvidas sobre a profundidade real do cumprimento e sobre os riscos de recaída.
O que Kushner afirmou exatamente
Kushner disse que, com base no que “tem sido transmitido pelos mediadores”, o Hamas está empenhado em cumprir os termos do acordo — especialmente no que diz respeito à localização e entrega dos corpos de reféns israelenses e ao respeito ao cessar-fogo. Ele acrescentou que “isso pode se desfazer a qualquer minuto, mas por enquanto temos visto sinais de boa-fé”.
Além disso, Kushner ressaltou que os esforços não se limitam à suspensão de combates: segundo ele, há um esforço em curso para que Israel e os países mediadores criem condições para que o povo palestino “prospere” — algo que ele vê como indispensável para um processo de paz duradouro.
Por que a declaração é relevante
Essa posição tem múltiplas implicações:
- Diplomática: é a primeira vez que um negociador de alto nível americano dá declaração pública de que considera que o Hamas está cooperando de fato. Isso legitima parte do processo de mediação e abre margem para negociar fases seguintes do acordo.
- Política: a afirmação alimenta a pressão para que Israel e os mediadores internacionais avancem com a reconstrução, liberação de reféns, assistência humanitária e intervenção de organismos internacionais, sob o pressuposto de que o cessar-fogo não é apenas uma pausa temporária, mas pode evoluir para um acordo mais amplo.
- Humanitária: se for verdade que o Hamas está tentando cumprir, isso cria a oportunidade de acelerar ajuda em Gaza, retirada de feridos, reconstrução de infraestrutura e maior mobilização de organismos de socorro — o que poderia aliviar a crise humanitária extrema vivida pela população civil.
- Estratégica: para os EUA, Israel e seus aliados, essa declaração reflete a compreensão de que a paz não se resume à vitória militar, mas exige construção de condições de estabilidade pós-guerra — e que ignorar esse fator pode levar a novo ciclo de conflito.
As dúvidas e riscos que persistem
Apesar da afirmação otimista, existem obstáculos significativos que colocam em xeque a sustentabilidade do processo:
- Mesmo com sinais de cooperação, o Hamas ainda detém corpos de reféns, e o entrave sobre esse ponto é simbólico e político: a demora ou falha pode alimentar nova onda de violência ou desconfiança.
- Israel e os mediadores relataram incidentes nos últimos dias — inclusive disparos, bombardeios ou violações percebidas do cessar-fogo — que poderiam gerar efeito dominó e pôr fim à trégua.
- A estrutura de governança de Gaza pós-acordo permanece incerta: quem assume a administração, como será garantida a segurança, qual será o papel militar e civil? Essa lacuna é terreno fértil para instabilidade.
- A reconstrução de Gaza exige bilhões de dólares e logística complexa — se a população continuar vivendo sob condições precárias, o ressentimento crescerá e o risco de retomada de hostilidades aumentará.
- A declaração de boa-fé pode ser interpretada como “balizadora” para os mediadores prosseguirem — mas, para os afetados diretamente, pode gerar frustração se as promessas não se concretizarem.
O que pode vir a seguir
Se o processo seguir conforme o discurso, os próximos passos provavelmente incluirão:
- A entrega gradual de corpos de reféns restantes — essa será uma medida simbólica de cumprimento real.
- Reentrada de ajuda humanitária em maior escala e abertura de pontos de entrada em Gaza com monitoramento internacional.
- Criação ou reforço de um mecanismo de supervisão internacional, envolvendo Qatar, Egito, Turquia e possivelmente as Nações Unidas, para garantir que o cessar-fogo seja mantido e os termos cumpridos.
- Negociações sobre o desarmamento parcial ou desmobilização de certas forças do Hamas, ou sua transformação em papel civilizado — embora esse ponto seja altamente controverso e sensível.
- Anúncio de planos de reconstrução e desenvolvimento socioeconômico para Gaza, em paralelo à normalização dos serviços básicos, educação, saúde e infraestrutura.
A importância para a conjuntura global
Esse desenvolvimento não é apenas regional — ele interfere em toda a geopolítica do Oriente Médio:
- Para os EUA, mostra que a diplomacia pode ainda ter papel ativo como facilitador de acordos, não apenas como potência militar.
- Para Israel, implica que sua segurança dependerá não apenas de força, mas de estabilidade dos vizinhos — enxergar os palestinos como parte da solução e não apenas do problema.
- Para o Sul Global, simboliza que conflitos prolongados podem entrar em fase de negociação exigente, e que atores não-estatais como o Hamas podem ser envolvidos em fóruns de mediação de alto nível (embora com controvérsias).
- Para o mundo, a evolução desse processo será teste de se é viável construir paz duradoura sem que a comunidade internacional se desligue depois de assinar o acordo — ou seja, o retoque está no “pós-cessar-fogo”.
Conclusão
A declaração de Kushner de que o Hamas está “atuando de boa-fé, por enquanto” representa tanto uma janela de esperança como uma zona de atenção. Esperança porque pode significar que o ciclo de violência poderá dar lugar a um processo de reconstrução e mediação. Zona de atenção porque o “por enquanto” é um aviso: se a cooperação se romper, tudo poderá regredir.
Se o compromisso for verdadeiro, o mundo poderá estar assistindo ao início de uma nova fase — em que Gaza, Israel e seus vizinhos percebem que a paz exige mais do que cessar-fogo momentâneo: exige reconstrução, diálogo e mudança estrutural. Se falhar, o risco é que a aparente trégua se transforme em prelúdio para nova escalada.


