Experiências do Equador e de Nuestra América recolocam a vida, a comunidade e a natureza no centro do desenvolvimento
A Economia Popular Solidária latino-americana oferece caminhos concretos para enfrentar crises sociais, ambientais e produtivas, integrando trabalho digno, finanças comunitárias e gestão coletiva dos bens comuns. Esse foi o eixo da conversa com Juan Carlos Urgiles, coordenador geral da cooperativa de poupança e crédito Jardín Azuayo, do Equador, e com a professora Lia Tiriba, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. A entrevista foi ao ar nesta segunda-feira, 29 de setembro, no programa Bancos da Democracia, da TV Atitude Popular, apresentado por Sara Goes.
Logo no início, Lia Tiriba propôs uma chave política e pedagógica para ler o tema, lembrando Paulo Freire e Paul Singer, e defendendo que a economia solidária não nasce como apêndice do mercado, mas como prática social de outro tipo de sociabilidade. Nas palavras dela, “a economia solidária é uma economia não capitalista”. A partir dessa premissa, a professora destacou que experiências andinas como a minca, prática comunitária de trabalho coletivo, e a cosmovisão do bem viver, o Sumak Kawsay, ajudam a recolocar a economia como mediação entre culturas, territórios e natureza.
Do lado equatoriano, Juan Carlos apresentou a trajetória do Jardín Azuayo, cooperativa enraizada em comunidades que enfrentaram desastres socioambientais e que encontraram na autogestão um caminho para reconstrução econômica com laços solidários. Ele sintetizou a filosofia institucional ao afirmar que “a economia solidária é uma economia para a vida”, não para o enriquecimento de poucos, e descreveu um arranjo financeiro que recicla a poupança local para girar crédito produtivo, incentivar emprego e fortalecer cadeias territoriais.
As perguntas do público puxaram o debate para temas sensíveis, como tributação e marcos legais. Urgiles foi direto, defendendo progressividade fiscal e compromisso das cooperativas com o financiamento do Estado, combinado com exigência cidadã por políticas públicas específicas, inclusive educativas. “Devemos pagar impostos, e exigir que o Estado incorpore a economia solidária no sistema educativo”, disse. Ao tratar dos riscos institucionais, ele lembrou que projetos populares atravessam ciclos de ventos a favor e contra, por isso a independência estratégica e a identidade comunitária são vitais para não transformar cooperativas em meras réplicas de bancos privados.
Lia Tiriba retomou o fio político do continente, ressaltando que a Constituição equatoriana de 2008 reconhece direitos da natureza e o caráter plurinacional do Estado, referência para políticas que integram cultura, território e economia. Para ela, o aprendizado brasileiro passa pela articulação com movimentos sociais, como assentamentos rurais, quilombos e povos indígenas, onde a cooperação não é retórica, é prática cotidiana, e onde a economia volta a ser tratada como ciência humana, centrada em valores. “Não queremos a exploração da força de trabalho”, explicou, sublinhando que o campo solidário é educativo por definição.
A partir das realidades locais, o programa costurou questões que atravessam Nuestra América, como o tensionamento entre finanças comunitárias e financeirização, a pressão de agendas extrativas sobre territórios, a necessidade de políticas anticíclicas em redes de cooperativas e associações e a urgência de qualificação técnica sem perder o sentido cultural do trabalho. Urgiles alertou para a banalização institucional, quando organizações solidárias perdem bússola, e propôs redes com governança compartilhada para ganhar escala sem abrir mão do propósito. Tiriba insistiu na dimensão formativa, lembrando que sem projeto, a esperança vira frustração, e que a disputa por marcos legais precisa caminhar junto com processos pedagógicos, comunicação popular e enraizamento territorial.
Ao encerrar, o programa reforçou o papel das finanças solidárias como infraestrutura de cidadania. Recursos que nascem do território e retornam ao território, vinculados a metas de geração de renda, proteção ambiental e fortalecimento comunitário. Em um continente onde as conjunturas oscilam, a estratégia é construir autonomia com vínculos, gerir poupança com propósito e praticar democracia econômica no cotidiano, nas compras coletivas, nos fundos rotativos, nas cooperativas de crédito, nas feiras e nos bancos comunitários. É disso que trata a economia popular solidária, uma economia organizada para que a vida floresça.
📺 Programa Bancos da Democracia
📅 De segunda à sexta
🕙 Das 8h30 às 9h30
📺 Ao vivo em: https://www.youtube.com/TVAtitudePopular
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