Cortes orçamentários, invasões políticas e militarização da educação revelam a ofensiva obscurantista que ameaça destruir o último bastião de pluralismo e soberania do Brasil: a universidade pública.
Por Reynaldo Aragon
A universidade pública brasileira vive sob cerco. Entre cortes de verbas, editais minguados, intervenções em reitorias e ataques orquestrados por políticos de extrema-direita, o país assiste a uma tentativa sistemática de desmonte da ciência, da cultura e da própria democracia. Este artigo é um chamado à resistência: dentro da lei, com todas as nossas forças, para impedir que fascistas e neonazistas transformem o Brasil em uma terra de ignorância e submissão.
A universidade sitiada
No coração do Brasil, as universidades públicas vivem sob cerco. Não é metáfora exagerada: é realidade. Portões de campi transformados em palcos de invasões políticas; laboratórios fechados porque a verba não chegou; reitores intimidados; estudantes e professores hostilizados em redes sociais e até nas salas de aula. Em nome de uma suposta “moralização”, a extrema-direita transformou a universidade, esse espaço plural de ciência e liberdade, em alvo central de sua guerra cultural.
Os ataques não vêm apenas de palavras ou de tweets inflamados. Eles se materializam em cortes brutais de orçamento, em editais minguados, em bloqueios que deixam restaurantes universitários sem comida, bibliotecas sem livros novos, prédios sem luz elétrica. Eles se materializam quando vereadores e deputados entram em campi filmando professores e alunos como se fossem criminosos, tentando produzir espetáculo para suas bases digitais. Eles se materializam quando a universidade, que deveria ser orgulho nacional, é retratada como antro de “balbúrdia”, “doutrinação” e “ideologia de gênero”.
Essa ofensiva não é espontânea. É um projeto. Um projeto de destruição da universidade pública brasileira, construído passo a passo desde o golpe de 2016, aprofundado no governo Bolsonaro e agora reeditado com novas roupagens por políticos, think tanks e redes internacionais da extrema-direita. Um projeto que quer minar a credibilidade da ciência, sufocar a cultura, humilhar a educação e transformar o Brasil em colônia cognitiva, produtora de dados brutos e mão de obra barata, incapaz de pensar por si mesmo.
É diante desse cenário que este artigo se levanta. Não como um mero diagnóstico, mas como uma denúncia e um chamado. Porque o que está em jogo não é apenas a sobrevivência das universidades. É a sobrevivência da democracia brasileira. É a possibilidade de o país continuar sendo produtor de conhecimento, de arte, de diversidade, de soberania.
Defender a universidade pública hoje é defender o Brasil. E, dentro da Constituição, dentro da lei, dentro de todas as nossas possibilidades, é preciso reagir. É preciso transformar indignação em trincheira, e trincheira em resistência. Porque se deixarmos que o fascismo avance sobre o campus, amanhã ele avançará sobre toda a sociedade.
O laboratório da guerra cultural
A guerra contra a universidade brasileira não começou de um dia para o outro. Ela foi sendo preparada com paciência, com narrativas repetidas até a exaustão, com doses calculadas de pânico moral. Primeiro, vieram iniciativas como o “Escola sem Partido”, que se vendia como neutralidade, mas tinha como objetivo explícito impor uma mordaça. Sob o disfarce de “defesa da família” e “proteção dos estudantes”, a proposta colocava o professor sob suspeita permanente, transformando o ato de ensinar em atividade criminalizada. Foi a primeira trincheira erguida para desmoralizar a educação como espaço de pensamento crítico.
A partir daí, o repertório da extrema-direita se expandiu. As universidades passaram a ser retratadas como “antro de balbúrdia”, “lugar de drogas”, “reduto de comunistas” e “espaço de promiscuidade”. Não havia dado, não havia pesquisa, não havia perícia que sustentasse essas acusações. Mas isso pouco importava: o objetivo era corroer, na opinião pública, a legitimidade da universidade. Criar um imaginário negativo, onde cortar verbas, fechar laboratórios e intervir em reitorias parecesse não apenas aceitável, mas necessário.
Esse manual de guerra cultural não nasceu aqui. Ele foi importado, principalmente dos Estados Unidos. Lá, organizações como a Turning Point USA, liderada por Charlie Kirk, construíram um roteiro que transformou as universidades em campos de batalha ideológica. Kirk percorria campi pregando supremacia branca, fundamentalismo religioso e ódio ao pluralismo, ao mesmo tempo em que organizava redes de estudantes treinados para filmar professores, vigiar aulas, produzir dossiês e humilhar intelectuais. Cada sala de aula virava trincheira, cada professor um inimigo, cada universidade um território a ser conquistado.
A morte violenta de Kirk em setembro de 2025 não enfraqueceu esse movimento — ao contrário, o radicalizou. A extrema-direita americana passou a tratá-lo como mártir e multiplicou os capítulos estudantis da Turning Point. Em vez de recuo, houve expansão. No Brasil, esse roteiro foi rapidamente assimilado. Políticos como Nikolas Ferreira, Gustavo Gayer e militantes ligados ao MBL começaram a reproduzir o modelo: invadiram campi, filmaram professores e alunos, gritaram contra a “doutrinação”, encenaram a “fiscalização moral” para suas bases digitais. Vereadores e deputados locais aderiram à mesma estratégia, tentando forçar a entrada em universidades para criar clipes virais que alimentam o ciclo de ódio.
E não é só imitação. Esse ecossistema está conectado a redes transnacionais de financiamento e treinamento. Think tanks como a Atlas Network, ONGs ultraconservadoras e eventos como o CPAC servem como usinas de formação, de dinheiro e de repertório para esses atores. O Brasil se tornou um dos principais laboratórios dessa guerra cultural no mundo, exportando e importando métodos de intimidação acadêmica.
Se nada for feito, o próximo passo já está desenhado. Assim como nos Estados Unidos, veremos o surgimento de uma rede organizada de células estudantis de extrema-direita dentro das universidades brasileiras, financiadas e orientadas de fora, prontas para vigiar professores, gravar cada palavra dita em sala de aula, criminalizar ideias e transformar o espaço universitário em território policialesco. O que está em curso não é um debate. É uma tentativa de silenciamento. E quando a ciência é silenciada, o que avança é o obscurantismo.
A arma orçamentária
Se a invasão física dos campi é o espetáculo visível da guerra cultural, o corte de verbas é a sua bala silenciosa. É por meio do orçamento que a extrema-direita e o centrão conservador vêm estrangulando as universidades públicas brasileiras, ano após ano, até reduzi-las à beira da asfixia. Não é preciso mandar tanques para fechar um campus: basta cortar a energia, fechar o restaurante universitário, suspender bolsas, atrasar editais e congelar pesquisas. A fome e a penúria fazem o serviço que a violência aberta ainda não ousou completar.
O contraste histórico é gritante. Nos governos Lula e Dilma, entre 2003 e 2016, o país viveu um ciclo de expansão universitária sem precedentes. O REUNI levou universidades ao interior, novos campi surgiram, milhares de jovens pobres, negros e indígenas tiveram acesso ao ensino superior público. A ciência brasileira floresceu, com aumento de bolsas, laboratórios equipados e editais robustos para pesquisa. Pela primeira vez, o Brasil parecia caminhar para se tornar protagonista científico, e não apenas fornecedor de commodities.
Tudo mudou com o golpe de 2016. A Emenda Constitucional 95, o chamado Teto de Gastos, congelou por vinte anos os investimentos sociais e impôs uma camisa de força às universidades. Foi a primeira pá de cal: a partir dali, qualquer governo progressista teria de disputar centavos com o Congresso para manter as portas abertas. No governo Bolsonaro, a guerra se tornou aberta. Em 2019, o MEC anunciou cortes de 30% nas federais, sob a justificativa de combater a “balbúrdia”. Weintraub, ministro da Educação à época, acusou as universidades de serem centros de tráfico de drogas e até de plantar maconha em laboratórios — sem jamais apresentar uma prova. O corte de verbas virou política de Estado e o insulto virou método de governo.
Entre 2019 e 2022, a estratégia se repetiu: bloqueios orçamentários, atrasos em bolsas, redução drástica dos editais do CNPq e da Capes. Pesquisas foram paralisadas, estudantes abandonaram cursos por falta de apoio, laboratórios desligaram máquinas por não conseguir pagar a conta de luz. Para completar, Bolsonaro desrespeitou sistematicamente a escolha democrática das comunidades universitárias, nomeando reitores que não eram os mais votados nas listas tríplices. Era uma dupla ofensiva: financeira e política, para enfraquecer a universidade e colocá-la sob tutela ideológica.
Com a volta de Lula em 2023, houve recomposição parcial: reajuste das bolsas da Capes e do CNPq após dez anos de congelamento, retomada de editais, ampliação de oportunidades. Mas o estrago acumulado era imenso, e o cerco fiscal do Congresso manteve a universidade no fio da navalha. Em 2024 e 2025, bloqueios, liberações parciais e limitações mensais voltaram a colocar a sobrevivência cotidiana das instituições em risco. Cada reitor transformou-se em malabarista, tentando decidir se pagava a conta de energia ou o contrato da limpeza, se mantinha o restaurante estudantil aberto ou se preservava bolsas de iniciação científica.
O que se desenha é um processo de sucateamento seletivo. Sem recursos, laboratórios de ponta deixam de funcionar, pesquisadores jovens abandonam o país em busca de oportunidades, a evasão cresce entre estudantes pobres. A universidade pública, que deveria ser o coração da ciência brasileira, é empurrada ao colapso por um Congresso que se nega a aprovar orçamento digno e por uma extrema-direita que transforma o estrangulamento financeiro em arma política.
E aqui está a verdade incômoda: sem orçamento, não há universidade. Sem universidade, não há ciência. E sem ciência, não há futuro soberano. Essa é a aposta dos inimigos da educação — transformar o Brasil em colônia cognitiva, dependente do que se produz no Norte global, incapaz de desenvolver suas próprias soluções, eternamente ajoelhado diante do imperialismo tecnológico.
A militarização da educação
Quando a extrema-direita fala em “ordem” e “disciplina” nas escolas, não está preocupada com o aprendizado ou com a qualidade do ensino. Está preocupada em impor obediência, medo e silêncio. Foi assim que nasceu, em 2019, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, o PECIM. A promessa era simples: colocar policiais e militares dentro das escolas para “combater a violência” e “melhorar o desempenho”. Na prática, o que se viu foi a transferência de recursos públicos para a lógica da farda, a substituição do diálogo por hierarquia e a tentativa de moldar jovens à imagem de um projeto autoritário de sociedade.
Enquanto professores eram desmoralizados e alunos intimidados, o MEC de Bolsonaro cortava verbas da educação básica e superior. A militarização servia como cortina de fumaça para esconder o desmonte. A escola pública deixava de ser espaço de diversidade, de pluralidade e de formação cidadã para virar quartel. Não se investia em laboratório, em biblioteca, em cultura. Investia-se em farda, em continência e em disciplina cega.
Com a mudança de governo em 2023, o PECIM foi extinto em nível federal. Mas a semente já tinha sido plantada, e estados como Goiás, Paraná e São Paulo passaram a expandir seus próprios modelos cívico-militares, financiando a lógica da obediência em detrimento da lógica do pensamento crítico. O recado é claro: onde o Estado deveria investir em ciência e cultura, investe em vigilância e repressão.
Essa lógica não se restringe à escola básica. Ela atravessa a política cultural. O Ministério da Cultura foi extinto em 2019, rebaixado a uma secretaria sem recursos e sem prestígio. Artistas e produtores culturais foram perseguidos, editais cancelados, projetos censurados. A mensagem era a mesma que se aplicava às universidades: o conhecimento, a arte e a diversidade são inimigos a serem combatidos. No lugar deles, a extrema-direita promoveu uma cultura vazia, baseada no ressentimento, no negacionismo e na glorificação de um passado autoritário.
A militarização da educação e da cultura é, na verdade, a militarização da mente. É a tentativa de transformar jovens em soldados da ignorância, disciplinados para obedecer e incapazes de questionar. É a destruição de tudo o que a escola e a universidade deveriam representar: liberdade, curiosidade, espírito crítico, diversidade.
Se não reagirmos, esse modelo tende a se espalhar. O risco não é apenas termos escolas administradas por policiais. O risco é termos uma geração inteira treinada para não pensar, para não criar, para não questionar. Uma geração que aceitará a censura como natural, a desigualdade como inevitável e o fascismo como destino.
O colonialismo científico
Há um tipo de ataque à universidade que é mais sutil do que os cortes orçamentários e mais invisível do que as invasões de vereadores em campi. É o ataque que não precisa de bombas nem de polícia: o colonialismo científico. Ele funciona pela lógica da exclusão, da dependência e da subordinação intelectual. É a guerra silenciosa que impede o Brasil de pensar por si mesmo.
Esse colonialismo se expressa nas métricas impostas pelo Norte global. O pesquisador brasileiro é obrigado a publicar em inglês, em revistas controladas por conglomerados como Elsevier, Springer e Wiley, que cobram caro para dar visibilidade ao conhecimento produzido aqui. As bases de indexação privilegiam temas que interessam aos Estados Unidos e à Europa, relegando a segundo plano pesquisas voltadas às necessidades da Amazônia, das periferias urbanas ou dos povos indígenas. Quem insiste em publicar em português, quem tenta dialogar com sua própria sociedade, é invisibilizado.
É uma lógica perversa: enquanto a universidade brasileira forma cientistas brilhantes, suas vozes só são consideradas legítimas quando repetem a gramática do colonizador. Não importa a relevância social da pesquisa. Importa se ela encaixa no filtro imposto por métricas internacionais que decidem o que vale como ciência. A consequência é trágica: trabalhos fundamentais para a soberania nacional ficam fora dos grandes periódicos, e a ciência brasileira se torna dependente, sempre correndo atrás de agendas estrangeiras.
Essa dependência não é acidente. É projeto. O colonialismo científico é a continuação da velha dominação colonial por outros meios. Se no passado o Brasil exportava ouro e café, hoje exporta dados brutos, amostras genéticas, biodiversidade e até cérebros. Os países centrais ficam com a teoria, com a patente, com o prestígio. Ao Brasil, sobra a função subalterna de fornecedor.
Há, no entanto, resistências. Plataformas como a SciELO, a RedALyC e a AmeliCA demonstram que é possível criar redes de publicação em português e espanhol, abertas e acessíveis, que valorizam a produção do Sul global. Mas essas iniciativas vivem sob ameaça constante de corte de verbas, de desprestígio, de boicote simbólico. A cada edital reduzido, a cada bolsa cancelada, a cada ataque à universidade pública, quem perde é também esse esforço de romper com a lógica colonial do conhecimento.
O que está em jogo, portanto, é a soberania epistêmica. Um país que não controla sua própria produção de saber, que não valoriza a pesquisa voltada para suas realidades, que não financia suas universidades, está condenado a ser colônia — colônia digital, colônia científica, colônia cultural. O colonialismo científico é a arma invisível do imperialismo do século XXI. E combatê-lo é tão urgente quanto resistir às invasões físicas ou aos cortes orçamentários.
O mapa da extrema-direita
Para entender a guerra contra a universidade, é preciso olhar para quem está por trás dela. Não se trata de episódios isolados de vereadores ou deputados que decidem aparecer em campi para gerar polêmica. É um ecossistema articulado, com rostos conhecidos, redes de financiamento e conexões transnacionais.
No Brasil, os principais nomes dessa ofensiva são rostos já populares nas redes da extrema-direita. Nikolas Ferreira, eleito com milhões de votos e transformado em símbolo da “juventude conservadora”, é uma das vozes mais estridentes contra a universidade pública. Gustavo Gayer, seu aliado, segue a mesma cartilha: acusa professores de “doutrinação”, propaga vídeos de confronto em escolas e posa como paladino da moralidade. Ao lado deles, ex-integrantes do MBL, como Lucas Pavanato, reproduzem fielmente a tática do espetáculo, invadindo campi, filmando estudantes e tentando constranger professores para alimentar seus seguidores digitais.
Mas esses não são atores isolados. Eles fazem parte de uma rede maior, que inclui vereadores e deputados estaduais espalhados pelo país, todos replicando o mesmo script. Tentam entrar em universidades sem autorização, fazem “fiscalizações” encenadas, gritam contra a “ideologia de gênero” e depois editam os vídeos para viralizar nas redes. O objetivo não é resolver problema algum, mas criar pânico moral, desestabilizar o ambiente acadêmico e reforçar a narrativa de que a universidade é inimiga da sociedade.
Essa rede não nasce apenas da política nacional. Ela é alimentada por conexões internacionais. A Atlas Network, uma das maiores teias de think tanks liberais-conservadores do mundo, financia e treina lideranças na América Latina, oferecendo repertórios ideológicos e manuais de ação. O Students for Liberty, braço jovem do mesmo ecossistema, forma militantes que depois ocupam cargos políticos ou viram influenciadores. O CPAC, congresso global da direita radical, já realizou edições no Brasil, conectando parlamentares locais a figuras do trumpismo e do bolsonarismo.
Do outro lado, há também as conexões subterrâneas com grupos extremistas. Pesquisas acadêmicas e investigações apontam para a expansão de células neonazistas no Sul e Sudeste do Brasil, muitas vezes orbitando em torno do mesmo discurso de ódio contra diversidade, ciência e universidades. Embora nem todo político conservador esteja diretamente ligado a esses grupos, o terreno simbólico é o mesmo: demonizar o pensamento crítico, criminalizar a pluralidade e impor a lógica da obediência cega.
É assim que se constrói o mapa da guerra cultural: parlamentares jovens com forte apelo digital, think tanks internacionais fornecendo recursos e treinamento, redes sociais amplificando cada episódio e células extremistas funcionando como tropa de choque simbólica. O resultado é uma ofensiva coordenada, com alcance global, que usa o Brasil como laboratório.
Se olharmos para os próximos anos, a tendência é clara. Essa rede buscará consolidar capítulos estudantis dentro das universidades, reproduzindo o modelo da Turning Point USA. Vão recrutar alunos para vigiar professores, filmar aulas e criminalizar ideias. Vão tentar aprovar CPIs e projetos de lei que abram brechas para censura e perseguição acadêmica. E vão usar cada corte orçamentário, cada crise financeira, para empurrar a universidade pública mais perto do abismo.
As consequências do obscurantismo
O que está em jogo não é apenas a universidade como instituição: é o próprio futuro do Brasil. Uma nação que abandona a ciência está condenada ao atraso, à dependência e à submissão. Cada corte de verba, cada invasão encenada por políticos oportunistas, cada laboratório fechado, cada professor intimidado representa um passo em direção ao abismo do obscurantismo.
Quando a pesquisa científica para, o país perde muito mais do que artigos acadêmicos. Perde vacinas produzidas localmente, perde tecnologias de energia limpa, perde descobertas capazes de salvar vidas e impulsionar a economia. Sem financiamento, cientistas jovens migram para o exterior em busca de condições mínimas para trabalhar. É a fuga de cérebros que empobrece o país e enriquece as potências estrangeiras, consolidando nossa posição de colônia científica.
Na cultura, o impacto é igualmente devastador. Universidades sem recursos fecham grupos de extensão, projetos artísticos e iniciativas comunitárias que levam teatro, cinema, música e literatura às periferias. A diversidade cultural é sufocada pelo silêncio, e no lugar dela floresce um vazio preenchido por ódio, ressentimento e nostalgia de um passado autoritário. O Brasil, que deveria ser celebrado por sua pluralidade e criatividade, passa a ser caricaturado como um país incapaz de produzir pensamento crítico.
As consequências se estendem à democracia. Sem universidades fortes, a sociedade perde seus centros de debate, de crítica e de resistência. A ciência é substituída por fake news, o pensamento crítico é trocado por slogans e a política se torna refém do fanatismo. A extrema-direita sabe disso. Sabe que enfraquecer a universidade é enfraquecer o último espaço onde ainda se resiste à maré de ignorância.
Se permitirmos que esse processo avance, veremos o Brasil reduzido a uma colônia cognitiva, exportadora de dados brutos, biodiversidade e mão de obra barata, incapaz de produzir sua própria tecnologia, sua própria cultura, sua própria narrativa. Veremos uma geração inteira de jovens treinada não para pensar, mas para obedecer. E uma sociedade que não pensa é uma sociedade pronta para ser dominada.
É isso o que o obscurantismo nos oferece: atraso, submissão e perda de futuro. Resistir a ele não é opção. É questão de sobrevivência nacional.
As trincheiras da resistência
Diante de um ataque tão amplo e sistemático, não basta denunciar: é preciso resistir. E a resistência tem que ser feita em todas as frentes, dentro da Constituição, dentro da lei, mas com a força de quem sabe que está defendendo muito mais que uma instituição. Defender a universidade pública é defender o Brasil.
A primeira trincheira é a jurídica. A Constituição é clara no artigo 207: as universidades têm autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Essa autonomia não é detalhe técnico, é escudo democrático. Foi reforçada pela ADPF 548, em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal barrou ações de censura e intimidação em universidades durante o período eleitoral. Toda tentativa de invasão, de censura ou de patrulhamento ideológico deve ser denunciada, registrada e contestada com base nesse arsenal jurídico. O fascismo não pode se apropriar do que a Constituição garante.
A segunda trincheira é a mobilização social. Estudantes, professores, técnicos e sociedade precisam transformar a defesa da universidade em causa coletiva. Movimentos estudantis e sindicais têm que se reerguer, ocupar as ruas, fazer barulho, denunciar cada corte, cada ameaça, cada ataque. Não é apenas uma luta corporativa. É a luta de todo cidadão que deseja viver em um país soberano, capaz de produzir ciência, cultura e pensamento livre.
A terceira trincheira é a comunicação. É preciso romper o cerco midiático que deslegitima a universidade. Mídias progressistas, redes independentes, coletivos culturais e veículos alternativos têm o papel de mostrar à sociedade o que está acontecendo dentro dos campi: laboratórios fechando, estudantes passando fome, projetos de extensão abandonados. Mostrar que defender a universidade não é “coisa de professor esquerdista”, mas questão de sobrevivência para o país inteiro.
E há ainda a trincheira política. O Congresso, que hoje sufoca a educação com cortes e bloqueios, precisa ser pressionado, precisa sentir o peso da sociedade. O orçamento não pode ser tratado como moeda de troca. A universidade não pode ser jogada nas mãos de emendas parlamentares que viram barganha. É preciso lutar por mais verbas, por políticas de fomento estáveis, por editais robustos. Não há soberania sem investimento em ciência e cultura.
Essas trincheiras não são abstratas. São caminhos reais, ao alcance da sociedade, para resistir ao avanço do obscurantismo. Não se trata apenas de salvar universidades, mas de salvar a democracia, a soberania e o futuro do Brasil. Cada ato de resistência, cada manifestação, cada ação judicial, cada reportagem que desmascara o ataque é parte dessa guerra democrática.
A extrema-direita tem suas armas: cortes, invasões, fake news, pânico moral. Nós temos as nossas: a lei, a rua, a voz e a verdade. E é hora de usá-las.
Conclusão – Um chamado à guerra democrática
O que enfrentamos hoje não é uma disputa de narrativas, é uma batalha pela sobrevivência do Brasil enquanto nação soberana. A universidade pública é a última linha de defesa contra o obscurantismo que avança em ondas: cortes orçamentários, militarização das escolas, invasões de campi, colonialismo científico, redes internacionais de extrema-direita testando métodos de destruição da ciência e da cultura. Deixar que isso aconteça é aceitar que o país seja reduzido a colônia, produtor de dados brutos e mão de obra barata, incapaz de pensar por si mesmo.
Não se trata apenas de defender professores ou estudantes. Trata-se de defender a democracia, a liberdade de pensamento, a cultura nacional, a diversidade que nos constitui como povo. Se a universidade cair, cai junto com ela a possibilidade de um futuro em que o Brasil seja protagonista de sua própria história.
Por isso este artigo é, acima de tudo, um chamado. Um chamado à guerra democrática, dentro da Constituição e da lei, mas com a urgência de quem sabe que está lutando pela própria sobrevivência. Um chamado para que estudantes ocupem suas trincheiras, para que professores não se calem, para que a sociedade inteira compreenda que não há soberania sem ciência, não há democracia sem pensamento crítico, não há futuro sem universidade pública.
A extrema-direita aposta no medo, no silêncio e no cansaço. Nós precisamos responder com coragem, com barulho e com resistência. Defender a universidade pública hoje é defender o Brasil. E essa é uma luta que não podemos perder.
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