Atitude Popular

Um alerta necessário ao governo Lula

Da Redação

O Brasil fala em soberania, mas entrega seus dados ao império: está na hora de parar de diversionismo. Em nome da modernização, o governo federal terceiriza infraestrutura crítica, opera em nuvens coloniais e abandona qualquer projeto real de autonomia informacional

Introdução: Um alerta necessário aos aliados

O Brasil está numa encruzilhada histórica. E embora a esquerda esteja novamente no governo, continua longe de ter conquistado o poder real, sobretudo no campo estratégico mais sensível do século XXI: a soberania informacional e digital. Este artigo não se insurge contra o governo Lula. Pelo contrário: é um apelo urgente e fraterno a quem está no comando do Estado brasileiro para que compreenda, com clareza e sem autoengano, o grau de submissão estrutural a que o país está exposto no que diz respeito à infraestrutura digital e ao controle dos fluxos informacionais.

Não se trata de alarmismo. Trata-se de realidade crua, concreta e verificável: o Brasil não detém soberania sobre seus dados, sobre seus sistemas críticos, sobre sua inteligência artificial, nem sobre os meios pelos quais o conhecimento, a verdade e a desinformação circulam em seu território. O que se vende como soberania é, na melhor das hipóteses, ilusão técnica. Na pior, é maquiagem colonialista com verniz desenvolvimentista.

Hoje, a estrutura digital do Estado brasileiro é operada majoritariamente por corporações estrangeiras. O armazenamento de dados sensíveis da União é feito em datacenters privados, controlados por Big Techs com sedes nos Estados Unidos, submetidas ao marco legal norte-americano e à sua máquina de inteligência. Enquanto isso, o governo Lula, um governo que defende a soberania, que tem uma história marcada por enfrentamentos com o imperialismo, emite declarações públicas afirmando que contratos com Amazon Web Services, Microsoft ou Google Cloud são expressões de “nuvem soberana”.

É preciso dizer com todas as letras: isso é falso. E mais grave ainda, isso é perigoso. Porque não há soberania sem infraestrutura nacional. Não há soberania se o poder de deletar, vazar, espionar, manipular e bloquear está nas mãos de atores transnacionais. Não há soberania se a inteligência brasileira depende da autorização do estrangeiro para funcionar. Não há soberania se a máquina pública do país é apenas uma interface decorativa de servidores e softwares que não domina, não entende e não controla.

Este texto é um grito. Um grito crítico, mas leal. Um grito que parte do campo progressista, de quem acredita no projeto de país que este governo pode e deve representar. Mas é também um chamado à responsabilidade. Porque o mundo está em guerra. Uma guerra de dados, de narrativas, de algoritmos e de ocupação silenciosa dos cérebros e das redes. E quem não entende a natureza dessa guerra está, objetivamente, do lado de quem a vence.

É hora de parar de repetir slogans e encarar os fatos. Não basta dizer que se defende a soberania. É preciso exercê-la. E no campo da informação, do digital, do ciberespaço e da inteligência, o Brasil está sendo entregue, passo a passo, plataforma por plataforma, contrato por contrato, à lógica colonial do século XXI.

É preciso compreender que soberania digital não é um contrato com criptografia. Não é o acesso administrativo a uma plataforma proprietária. Não é o armazenamento em solo nacional se o código, o hardware e a lógica de funcionamento são de domínio estrangeiro. A soberania digital é composta por quatro dimensões complementares que, juntas, definem o verdadeiro controle sobre o ambiente informacional.

A primeira é a soberania jurídica: a capacidade de criar e aplicar leis próprias sobre dados e sistemas digitais, blindando o país contra interferências extraterritoriais, como as do governo norte-americano. A segunda é a soberania infraestrutural: o domínio sobre os centros de dados, redes, servidores, satélites, cabos e demais componentes físicos e lógicos da comunicação digital. A terceira é a soberania algorítmica e cognitiva: o controle sobre os sistemas que organizam e decidem o que circula, o que aparece, o que é verdade, o que é mentira e o que será priorizado nas plataformas de informação e decisão. E a quarta é a soberania epistêmica: a capacidade de produzir, validar e disseminar conhecimento de acordo com os interesses nacionais, sem depender de intermediários digitais que impõem filtros invisíveis, lógicas de censura, vigilância e manipulação.

Nenhuma dessas dimensões pode ser terceirizada. Nenhuma pode ser reduzida a cláusulas contratuais com empresas privadas que respondem a potências estrangeiras. Todas elas exigem infraestrutura pública, política industrial, regulação firme, ciência soberana e, acima de tudo, uma visão estratégica de longo prazo que compreenda a informação como um ativo geopolítico de altíssimo valor. A ausência dessa visão ou pior, sua substituição por ilusões discursivas, apenas reafirma o papel do Brasil como colônia digital.

Hoje, o país opera como um satélite informacional dos interesses do Norte Global. Suas universidades, repartições públicas, agências de Estado e estruturas de inteligência utilizam sistemas e armazenam dados em plataformas que não controlam, não auditam e não compreendem plenamente. Essa realidade não apenas nos expõe a riscos sistêmicos, como nos torna dependentes em um cenário de conflito geopolítico crescente. Em tempos de guerra híbrida e disputa algorítmica global, estar tecnicamente dependente é estar politicamente vulnerável.

O falso discurso da “nuvem soberana

É necessário encarar os fatos com honestidade brutal: o discurso da “nuvem soberana” promovido pelo governo federal, especialmente por meio do SERPRO e outros órgãos, é uma fraude conceitual. Uma construção retórica que tenta maquiar, com tintas nacionalistas, uma infraestrutura profundamente dependente, vulnerável e subordinada aos interesses das Big Techs transnacionais. Trata-se de um estelionato cognitivo, não porque haja má-fé explícita, mas porque há, no mínimo, ignorância estratégica e irresponsabilidade institucional num campo em que o Brasil não pode se dar ao luxo de errar.

O caso do SERPRO é exemplar. O Serviço Federal de Processamento de Dados, criado durante o regime militar como guardião da inteligência tecnológica do Estado, hoje opera parte de suas soluções em parceria com gigantes do mercado estrangeiro, como a Amazon Web Services (AWS). Na prática, o que se tem são estruturas hospedadas em datacenters de propriedade privada, utilizando infraestruturas cujo controle operacional, jurídico e tecnológico não pertence ao Brasil. O argumento utilizado pelo governo para sustentar a ideia de soberania é que o “governo detém a chave” de acesso aos dados. Mas essa afirmação, além de tecnicamente imprecisa, é politicamente desastrosa. Ter a chave de um cofre não torna o cofre seu. Muito menos se o cofre está dentro da casa de quem tem poder para cortar a energia, abrir o teto, mudar as regras ou simplesmente revogar unilateralmente o contrato.

Além disso, a dependência de nuvens estrangeiras não é uma exceção pontual: é uma política sistêmica que atravessa ministérios, autarquias, universidades, tribunais e até setores estratégicos da Defesa e da Segurança Pública. Todos esses ambientes operam com soluções fornecidas por corporações como Microsoft, Oracle, Google e AWS, as mesmas envolvidas em acordos de cooperação com agências de inteligência dos EUA e inseridas em um ecossistema regulado por legislações extraterritoriais como o Patriot Act e o Cloud Act. O governo brasileiro, ao aderir a essas plataformas, ainda que sob contratos aparentemente “seguros”, está abrindo a porta dos fundos do Estado para que interesses externos o monitorem, manipulem e, se necessário, silenciem.

Termos como “soberania híbrida”, “chave criptográfica nacional” e “instâncias dedicadas” são usados para disfarçar o óbvio: o Brasil terceirizou sua inteligência digital. Terceirizou o armazenamento de seus dados, o processamento de suas informações, o gerenciamento de suas infraestruturas. Terceirizou, em última instância, o controle sobre sua própria capacidade de operar enquanto Estado. E não se trata apenas de risco futuro. Trata-se de vulnerabilidade atual. Em um cenário de tensão geopolítica com os Estados Unidos, qualquer instabilidade diplomática ou desvio de alinhamento ideológico pode resultar em pressões diretas sobre essas plataformas. Uma suspensão de serviço, uma retaliação comercial, um vazamento de dados estratégicos, tudo isso é possível e previsível. Ao manter estruturas críticas operando sob lógica de dependência, o Brasil está renunciando a sua autonomia mais elementar: a de continuar funcionando mesmo diante de uma crise internacional.

O mais grave, no entanto, é que essa dependência está sendo celebrada como soberania. E isso, sim, é o sintoma terminal de uma política digital colonizada.

O que fazer: por uma doutrina nacional de soberania digital e informacional.

A resposta não pode ser genérica, nem conciliatória. O tempo dos diagnósticos já passou, é hora de ação estratégica. E essa ação começa com a formulação urgente de uma doutrina nacional de soberania digital e informacional, capaz de reorganizar o Estado, mobilizar a sociedade e romper com o modelo colonial de gestão dos dados, das infraestruturas e da inteligência estratégica do país.

A primeira medida urgente é revogar toda e qualquer dependência contratual com plataformas estrangeiras em setores críticos do Estado. Isso inclui dados da saúde, educação, defesa, segurança, justiça, previdência, ciência e políticas sociais. Esses dados precisam ser armazenados e processados exclusivamente em datacenters públicos, com software livre, em arquitetura auditável, operados por servidores federais e sob jurisdição exclusivamente nacional.

Em segundo lugar, é necessário instituir uma autoridade nacional de infraestrutura crítica da informação, com status constitucional e independência técnica, responsável por elaborar, aplicar e fiscalizar políticas de soberania digital em todas as esferas da administração pública. Essa autoridade deve articular universidades, institutos federais, forças armadas, setores estratégicos da indústria e organizações da sociedade civil para formar um ecossistema soberano de ciência, tecnologia e inovação digital.

Além disso, é fundamental retomar imediatamente os investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento de hardware, software, redes, inteligência artificial e supercomputação nacional. A dependência das big techs se aprofundou justamente porque o Estado brasileiro abandonou sua capacidade de produzir tecnologia de forma autônoma. Sem política industrial, sem financiamento soberano e sem vontade política, a colonização digital avança sem resistência. É preciso reconstruir um sistema nacional de tecnologia da informação, com base em empresas públicas, universidades fortalecidas e marcos regulatórios duros contra a captura transnacional.

Outra medida urgente é a criação de uma nuvem estatal verdadeiramente soberana, com redundância técnica, distribuição geográfica e arquitetura federada. Essa nuvem não pode operar com plataformas proprietárias, nem estar submetida a contratos opacos. Deve ser construída com base em código aberto, com infraestrutura física de propriedade nacional, auditada periodicamente e protegida por mecanismos avançados de segurança cibernética. E deve ter, acima de tudo, comando político claro, com critérios estratégicos que respondam aos interesses do povo brasileiro, e não do mercado global.

Por fim, é essencial que o governo Lula compreenda o momento histórico que vivemos. Não basta se dizer desenvolvimentista. Não basta afirmar compromisso com a soberania se, na prática, entregamos nossos sistemas aos mesmos interesses que promovem golpes, desinformação, lawfare e sabotagem institucional no país. É preciso coragem para romper. E essa coragem só florescerá se houver clareza política, pressão social e lucidez estratégica.

O povo brasileiro precisa exigir uma doutrina nacional de soberania digital. Uma doutrina que não seja técnica, mas profundamente política. Que não se limite à regulação do uso de dados, mas enfrente a questão de fundo: quem controla os meios informacionais no Brasil?. Porque soberania não é discurso — é enfrentamento. E nenhum projeto progressista sobreviverá sem enfrentar a arquitetura do novo colonialismo digital.