Atitude Popular

A Tarifa da Discórdia

Por que os 50% de Trump ao Brasil não são sobre Bolsonaro — mas sobre o STF, o Marco Civil e o controle dos algoritmos globais

Por Reynaldo Argon

Eles não querem Bolsonaro. Querem os dados, os algoritmos e o controle do Brasil. As tarifas de Trump são a face visível de uma guerra invisível. Uma retaliação das Big Techs contra o STF, contra o Marco Civil, contra qualquer tentativa de soberania digital. Leia agora a análise que desmonta a farsa do “apoio a Bolsonaro” e revela a verdadeira ofensiva por trás dos 50%. O inimigo mostrou o rosto — e o cérebro está na nuvem.

No dia 8 de julho de 2025, Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre todas as importações brasileiras a partir de 1º de agosto. A imprensa internacional correu para atribuir o gesto a um gesto de “solidariedade” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, agora condenado por tentativa de golpe de Estado. Mas essa leitura é rasa, preguiçosa — e, sobretudo, cega ao verdadeiro conflito em curso. A tarifa não é sobre Bolsonaro. É sobre poder informacional. É sobre o STF. É sobre algoritmos. É sobre soberania digital. E, acima de tudo, é uma operação coordenada do complexo civil-militar do Vale do Silício — com Trump como instrumento, não como cérebro.

A narrativa oficial de retaliação geopolítica por “perseguição judicial” não resiste a dois parágrafos de análise séria. O Brasil tem superávit comercial com os EUA. Bolsonaro já é carta fora do baralho eleitoral, condenado em todas as instâncias possíveis. O momento do anúncio — uma semana após o STF decidir que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos ilegais sem ordem judicial — é a verdadeira pista. Ali, o Supremo rompeu com o dogma do “safe harbor”, pilar jurídico que protege as Big Techs globalmente. No Brasil, isso foi entendido por elas como uma declaração de guerra.

O Artigo 19 como estopim

O cerne da fúria digital transnacional atende por nome técnico: artigo 19 do Marco Civil da Internet. Nele, consagrou-se por anos a ideia de que plataformas só poderiam ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros mediante ordem judicial. Com a decisão de junho de 2025 do STF, essa blindagem caiu. As empresas agora têm dever de retirar conteúdos ilegais — como incitação ao ódio, ataques racistas ou fake news eleitorais — de forma imediata.

A decisão não surgiu do nada. Ela é fruto direto da radicalização digital e da instrumentalização das redes por milícias digitais. A extrema-direita no Brasil se organizou como uma guerrilha informacional. E as plataformas, mesmo alertadas, mantiveram seus algoritmos inalterados. Permitiram a propagação sistemática do caos. A decisão do STF, portanto, é um divisor de águas. Pela primeira vez, uma Corte do Sul Global desafia abertamente o modelo de negócios baseado em viralização sem responsabilidade.

A reação das Big Techs: silêncio tenso e lobby intenso

Meta, Google e outras empresas reagiram com comunicados diplomáticos, falando em “preocupação com a inovação e a liberdade de expressão” (FT, 2025). Mas o lobby de bastidor foi brutal. Em Washington, CEOs e lobistas acionaram Trump — que busca se reeleger com o apoio financeiro e político da elite tecnológica da Califórnia. A tarifa de 50% não foi decidida em Brasília nem em Palm Beach. Foi decidida nos salões da Andreessen Horowitz, nos cafés internos da Meta em Menlo Park e nas reuniões do Peter Thiel Fellowship. Trump é apenas o megafone de um establishment digital que está em pânico.

E por que o pânico? Porque o Brasil ousou tocar no núcleo da sua hegemonia: o controle dos fluxos informacionais sem regulação. A jurisprudência brasileira agora é um risco de contágio global. Como aponta Reynaldo Aragon em “Trump ataca, e não é apenas sobre Bolsonaro”, “o que está em jogo é o modelo de dominação algorítmica baseado em impunidade jurídica e captura institucional. O STF furou esse bloqueio. E a resposta veio como ataque comercial”.

Desestabilizar para reconquistar

Mas a tarifa não é apenas uma retaliação. É, sobretudo, um instrumento de desestabilização. A meta das Big Techs e da ultradireita americana é simples: criar uma crise interna no Brasil que enfraqueça o governo Lula e torne viável, em 2026, a eleição de um novo operador político digitalmente submisso aos interesses do Vale.

Estamos diante de uma nova versão do que Aragon denominou “complexo civil-militar da guerra híbrida”. Como analisado em seu artigo no GGN, as empresas que controlam nuvem, redes e inteligência artificial hoje atuam como braço de política externa informal dos Estados Unidos. O ataque tarifário é uma operação de guerra híbrida: não envolve tanques nem soldados, mas tarifas, mídia, bots e lawfare.

As consequências internas são imediatas: inflação, pressão sobre o agronegócio, ataques à credibilidade do STF, reacendimento do discurso antipetista. A intenção é clara: fomentar o caos. E, a partir do caos, vender a narrativa de que Lula falhou e que é preciso “um novo rumo”.

Código de guerra, versão 2025

Em outro artigo fundamental — “Código de guerra: como o algoritmo substituiu a farda” — Aragon mostra como a guerra híbrida se consolidou como nova doutrina de intervenção nas democracias frágeis. Em vez de tropas, usa-se “a manipulação cognitiva, a desmoralização institucional e a sabotagem informacional como método de corrosão sistêmica”. O que se vê agora é uma aplicação literal desse manual.

A ofensiva tarifária cumpre todas as etapas:

  • 1. Choque econômico via tarifa
  • 2. Amplificação do medo e da crise nas redes
  • 3. Deslegitimação do STF como “autoritário”
  • 4. Mobilização do antipetismo emocional
  • 5. Preparação do terreno para um novo candidato “libertário” ou “moderado pró-mercado” em 2026

Não é só Brasil — é geopolítica da informação

A grande imprensa insiste em tratar tudo como caso isolado. Mas o ataque ao Brasil faz parte de um movimento coordenado. Em junho, Trump já havia proposto tarifas ao México e à China. Mas com o Brasil, o recado foi mais profundo: “não mexam com nossos algoritmos”.

Essa reação mostra o que está em jogo na disputa geopolítica atual: não mais apenas o petróleo, os minérios ou a soja, mas a soberania cognitiva. O que o STF fez foi dar um primeiro passo em direção à soberania informacional brasileira. E como toda nação do Sul Global que tenta escapar da dependência, o Brasil está sendo punido.

O levante democrático como resposta

A resposta, como defende Aragon em seu artigo “Soberania Já”, deve ser ampla, profunda e estrutural. É preciso mobilizar o campo democrático para uma defesa incondicional da soberania informacional, cognitiva e tecnológica do Brasil. Isso passa por:

  • Regulamentar urgentemente as plataformas com base na decisão do STF
  • Impulsionar o letramento digital e a educação midiática crítica
  • Criar alternativas públicas de infraestrutura digital
  • Adotar o conceito de nuvem soberana para dados estratégicos
  • Incentivar o ecossistema nacional de IA com investimento público e responsabilidade social

Não se trata de censura, como gritam os libertários siliconados. Trata-se de autodeterminação. De democracia. De futuro.

O nome do inimigo

Trump mostrou o rosto. Mas o cérebro está na nuvem. A guerra do futuro não é entre países, mas entre blocos informacionais. A batalha não é por território físico, mas por território cognitivo. O Brasil — mais uma vez — virou campo de batalha de um conflito entre soberania e dominação. E agora, mais do que nunca, não se pode recuar.

Como conclui Aragon em seu artigo “Thank You, Trump” — “quando o inimigo revela sua verdadeira face, ele nos oferece uma oportunidade: a de preparar o levante. A hora é agora.”