Em entrevista ao Democracia no Ar, o professor Thiago Esteves critica a plataformização do ensino, alerta para riscos de data centers sem transparência e defende uma política de tecnoeducação orientada por soberania, ciência e participação social
O programa Democracia no Ar, da Rede Cearense de Comunicação Popular, discutiu nesta quarta, 24 de setembro, o que está em jogo quando tecnologia e educação se encontram, além do fetiche por gadgets. A entrevista com Thiago Esteves, professor titular de Sociologia do CEFET-RJ, doutor em Educação e coordenador do GTEPP, serviu de base para esta matéria.
Logo no início, Thiago relacionou a agenda da tecnoeducação ao tabuleiro geopolítico pós-ONU, ao comentar o discurso do presidente Lula. “O presidente Lula me surpreendeu no discurso”, disse, ao destacar a firmeza do Brasil na defesa da multipolaridade e o contraste com “um discurso desconexo, cheio de mentiras” de Donald Trump. Para o pesquisador, o debate sobre plataformas digitais, dados e minerais críticos precisa ser coerente com essa postura soberana.
Plataformização e perda de autonomia docente
Thiago foi categórico ao avaliar a expansão de plataformas educacionais contratadas por redes estaduais e municipais, muitas vezes sem diálogo com escolas, conselhos e universidades. “O que a gente vem observando hoje é o puro uso da tecnologia para desprofissionalizar. A desprofissionalização da profissão docente se intensificou com a plataformização.” Segundo ele, formações têm sido terceirizadas aos próprios fornecedores dos aplicativos, que “não dominam as realidades da sala de aula”, não respondem a questões sobre acessibilidade, saúde mental, conectividade limitada e adequação pedagógica.
Ele criticou a substituição de política pública por catálogos tecnológicos. “Não adianta encher escolas de equipamentos sem plano pedagógico, sem manutenção e sem formação continuada.” Ao exemplificar, lembrou laboratórios e impressoras 3D adquiridos a custos elevados, sem reposição de insumos, sem técnicos e sem projetos integradores, o que leva à subutilização. Para Thiago, “a tecnologia tem de ser meio para produção coletiva de conhecimento, não atalho para reduzir o trabalho docente a executor de aplicativo”.
Soberania digital, dados e educação
O pesquisador defendeu que decisões sobre infraestrutura digital, big techs e data centers passem por governança interministerial e participação social, com protagonismo da ciência pública. Ele chamou atenção para projetos industriais sem transparência hídrica e energética, citando o Ceará como exemplo de território pressionado por instalações de grande porte. “Não estamos vendo previsão de transferência tecnológica nem avaliação ambiental e educacional robusta”, alertou.
Na avaliação de Thiago, o Ministério da Educação precisa liderar normas para compras, uso e avaliação de tecnologias educacionais, com controle público dos dados estudantis, metas de acessibilidade, código aberto quando possível e exigência de evidências independentes de impacto pedagógico. “Não é aceitável que o diálogo se concentre em fundações privadas e fornecedores, deixando redes, universidades e sindicatos à margem.”
O que muda na escola quando a técnica serve à pedagogia
O professor propôs uma agenda prática para virar o jogo, com formação docente em serviço, laboratórios vivos que integrem matemática, linguagens e ciências por meio de projetos, uso crítico de IA generativa e critérios de compra que priorizem interoperabilidade, privacidade e manutenção. “Tecnofobia não resolve, tecnolatria também não. A disputa é pela apropriação social da técnica”, resumiu. Ele defendeu que o país conecte a pauta de regulação de plataformas à política de tecnoeducação, para que o orçamento da educação não financie “caixas-pretas” e para que a inovação nasça de problemas reais da escola, avaliados com rigor acadêmico.
ONU, economia política da tecnologia e coerência de governo
Ao comentar a conjuntura, Thiago insistiu na coerência entre discurso e prática. “Se o Brasil defende soberania e multipolaridade, a governança de dados, a regulação de big techs e a política de minerais críticos não podem ser desenhadas só pela lógica do investidor. É ciência, educação e participação que garantem inovação com inclusão.” Segundo ele, negociar é legítimo, mas termos e salvaguardas precisam proteger o interesse público, inclusive com cláusulas de transferência tecnológica e exigências ambientais claras.
No encerramento, um chamado simples, porém estratégico, “tecnologia na educação não é perfumaria, é projeto de país. Sem política, transparência e ciência, ela vira atalho para controle e precarização. Com direção pedagógica e soberania, vira ferramenta de cidadania crítica.”
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