Atitude Popular

A vida começa pela boca

Roberta da Horta, formanda de nutrição, defende que prazer, cultura e política pública caminhem juntos para garantir comida de verdade no prato, com agroecologia, diversidade alimentar e combate ao veneno

O Café com Democracia desta semana abriu espaço para uma conversa direta sobre o direito de sentir prazer em comer, a partir de uma nutrição que respeita a história dos alimentos e a saúde coletiva. A entrevista foi concedida por Roberta da Horta ao apresentador Luiz Regadas, na Rádio e TV Atitude Popular, em edição dedicada a nutrição ancestral, arte e gastronomia.

Logo no início, Roberta propôs deslocar o debate da culpa para o cuidado. “Prazer em se nutrir”, resumiu, ao relacionar fome, escolhas alimentares e políticas estruturais. Amparada em Josué de Castro, ela lembrou quatro dimensões que ainda afetam milhões de brasileiros, monotonia alimentar, fome de proteínas, carências de minerais e de vitaminas. Acrescentou um quinto eixo, a deficiência de lipídios de qualidade, com destaque para ômega 3.

A convidada sustentou que a porta de entrada para mudar esse quadro está no campo e nas cozinhas domésticas. “A diversidade vem das hortas”, disse, ao defender a agroecologia como sistema capaz de devolver sabores, nutrientes e autonomia aos territórios. O exemplo mais simples, segundo ela, é recolocar tubérculos e temperos nativos no centro do cardápio. “O inhame é excelente, gente. Consuma o inhame”, afirmou, citando propriedades funcionais e o desconhecimento que ainda faz a batata inglesa predominar na mesa.

Ao passar dos princípios às escolhas cotidianas, Roberta foi direta sobre ultraprocessados. Sódio e gorduras em excesso, disse, comprometem o coração e encobrem carências. A rotulagem frontal recente ajuda, mas não substitui a regra prática, evitar consumo frequente. Sobre transgênicos, preferiu prudência, “são conformidades biomoleculares diferentes do que o nosso corpo conhece”, o que reforça a orientação por alimentos in natura sempre que possível. No caso do leite, indicou avaliar perfil individual e necessidades, já que intolerâncias existem, embora o alimento siga sendo boa fonte de cálcio e proteína para quem tolera.

Quando o tema foi açúcar, a crítica ganhou contorno social. Roberta citou estudos sobre marketing dirigido a crianças do Sul Global e descreveu o doce como um vício historicamente estimulado pela indústria. A recomendação é reduzir gradualmente e, quando necessário, trocar por adoçantes naturais, como a estévia, acompanhando tudo por uma rotina ativa. “O exercício físico é como uma vacina que a gente toma todo dia”, disse.

A dimensão cultural atravessa a sua proposta. Música, feira, cozinha e afeto funcionam como dispositivos de saúde. “A gastronomia tem um poder muito grande de fazer com que as pessoas fiquem felizes”, afirmou, defendendo que viagens e encontros priorizem a comida da terra e a sociabilidade em torno da mesa. No mesmo sentido, ela definiu nutrição ancestral como o resgate da culinária indígena e africana que moldou o Brasil, contra a colonização do paladar nos currículos e na indústria.

A conversa também tocou nas fronteiras entre alimentação e direitos humanos. Roberta denunciou o racismo alimentar, prática de governantes que restringem deliberadamente o acesso a calorias e nutrientes de populações vulneráveis. Relembrou episódios recentes de insegurança alimentar no Brasil e relacionou o uso intensivo de agrotóxicos à lógica de dependência. A saída, para ela, combina reformas agrária e urbana com iniciativas monetárias locais, caso do Banco Palmas, a fim de fortalecer circuitos curtos e ampliar o poder de compra de comida saudável.

No plano municipal, a entrevistada celebrou avanços na agenda de agricultura urbana em Fortaleza, com articulação de coletivos, universidades e prefeitura. “A gente vota querendo que as coisas aconteçam, e quando acontecem a gente fica feliz”, disse, ao convidar a audiência a participar de encontros e experimentar novas receitas, como o inhame frito com tempero artesanal, sem pimenta, que desenvolveu em feiras agroecológicas.

Ao final, Roberta voltou ao ponto de partida, prazer com responsabilidade, acesso com soberania. “A vida começa pela boca, então a nutrição também começa pela boca”, resumiu, chamando atenção para o percurso de cada alimento até a geladeira, da origem ao modo de preparo. Na sua visão, é assim, com informação, cultura e política pública, que se reabre a cozinha como espaço de saúde, alegria e autonomia.

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