Atitude Popular

Amazônia é soberania ou não será

No programa Bancos da Democracia, lideranças destacam que desenvolvimento só é possível com autonomia dos povos amazônidas, valorização da sociobiodiversidade e fortalecimento da economia solidária

Na semana em que se celebra o Dia da Amazônia, em 5 de setembro, a Rádio e TV Atitude Popular trouxe ao ar uma discussão que vai além da visão folclórica ou exótica da floresta. No programa Bancos da Democracia, apresentado por Sara Goes, três convidados com atuação direta na região expuseram a relação entre soberania e desenvolvimento: Joel Gomes, coordenador do Banco Comunitário Farol em Laranjal do Jari (AP), João Arroyo, pró-reitor de Pesquisa e Extensão da Universidade da Amazônia e coordenador do Comitê da COP30 em Belém (PA), e Tatiana Valente, presidenta da Unicafes Amazonas e integrante da Comissão Executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária.

“Pensar a Amazônia é pensar a soberania do Brasil”, resumiu Tatiana. A entrevista foi marcada pela crítica à lógica colonial que insiste em enxergar a floresta apenas como “pulmão do mundo” ou como fonte de recursos a serem explorados, e pela defesa de alternativas econômicas ancoradas na cooperação, no saber tradicional e no protagonismo das populações locais.

Desconstruindo mitos

Professor João Arroyo abriu o debate lembrando que a Amazônia não pode ser reduzida a um território global a ser gerido de fora. “Nós não somos só floresta. Temos Amazônias com diversos biomas, mas quando se procura imagens no Google só aparecem árvores e onças, raramente pessoas”, destacou. Para ele, essa visão exótica fragiliza a soberania nacional. “A principal contribuição da Amazônia para o mundo é o seu desenvolvimento a partir de nós mesmos, respeitando nossa natureza e não tratando o território como recurso a ser saqueado”, afirmou.

Arroyo lembrou ainda que quando os colonizadores chegaram havia entre 5 e 10 milhões de habitantes no território, mais do que na Europa da época. “Essas civilizações mantiveram a floresta em pé. Foi só a partir da colonização que conhecemos devastação e miséria”, concluiu.

Vozes da resistência

Joel Gomes trouxe a experiência do Banco Comunitário Farol, criado no Amapá como instrumento de identidade cultural e autonomia econômica. Poeta e escritor, ele contou como a iniciativa se tornou um farol para a comunidade de Laranjal do Jari, resgatando tradições e criando novas formas de circulação da riqueza. “De cada dez reais que circulam no Amapá, sete vêm do contracheque de servidores. O Banco Farol nasceu como provocação: mostrar que podemos criar soluções próprias, sem depender da lógica imposta de fora”, explicou.

Ele lembrou que grandes projetos, como a fábrica de celulose instalada na região, nunca ouviram os amazônidas. “Sempre tem alguém querendo resolver nossos problemas sem nos ouvir. É como falar de parto sem nunca ter parido”, ironizou, ao destacar que preservar sem considerar os povos locais serve mais ao capital externo do que à vida das comunidades.

Economia solidária como futuro

Tatiana Valente destacou o contraste entre o Polo Industrial de Manaus e as experiências comunitárias. “Na nossa capital, em pouco mais de dois anos a população saltou de 1,2 milhão para 2 milhões de habitantes, com aumento da criminalidade e da pobreza. Esse é o efeito colateral do modelo concentrado na indústria”, disse.

Para ela, a economia solidária oferece uma saída real. “É uma mudança de sociedade. É buscar um bem viver coletivo, horizontal. Nossas cooperativas mostram que é possível produzir riqueza de forma justa e sustentável, respeitando o território e os saberes tradicionais”, afirmou. Tatiana também fez questão de ligar soberania à autonomia efetiva. “Soberania não é só proteger fronteira. É valorizar povos, cultura, biodiversidade e garantir que as riquezas geradas fiquem aqui.”

COP30 e o risco da invisibilidade

A realização da COP30 em Belém foi apontada como oportunidade e desafio. Joel e Tatiana criticaram o fato de o debate sobre o evento ser conduzido muitas vezes sem a presença dos amazônidas. “É sintomático: discutem se a região tem ou não condições de receber a conferência, mas não perguntam a quem vive aqui quais são as reais necessidades”, observou Sara Goes durante o programa. Arroyo completou: “Se a Amazônia não for compreendida no cenário global como natureza humana, e não apenas como natureza recurso, não caminharemos para a sustentabilidade.”

Soberania como prática cotidiana

Os três convidados convergiram em um ponto: soberania não é discurso vazio, mas prática cotidiana. Joel relatou iniciativas culturais criadas pelo Banco Farol, como o ritmo e a dança “ourriçada”, que narram a vida do castanheiro. Tatiana lembrou da comunidade de Nova Airão, que movimenta milhões com produção agrícola organizada de forma cooperativa. Arroyo defendeu que universidades e movimentos sociais precisam trabalhar juntos para reconstruir a educação popular e enfrentar a guerra de informação.

“Sem recuperar nossa identidade e sem valorizar a diversidade que somos, não há soberania possível”, concluiu Arroyo.

O debate deixou claro que desenvolvimento sem soberania é apenas reprodução do modelo colonial. E que a Amazônia, longe de ser o pulmão do mundo, é coração pulsante da luta por um Brasil que se reconhece a partir de seus povos.


https://www.youtube.com/watch?v=aQ6TDPgA0Ag


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