Da Redação
Do sertão à serra, passando pelo litoral, o 1º Encontro de Rádios Comunitárias da Região de Sobral reafirmou a potência transformadora das emissoras populares que sustentam, com garra e paixão, a comunicação democrática no Ceará.
Em um tempo em que o rádio tradicional sofre com o avanço das plataformas digitais e a centralização da mídia nas mãos de conglomerados empresariais, as rádios comunitárias seguem firmes, reinventando-se e fazendo da escuta local um ato político. Durante os dias 28 e 29 de junho de 2025, mais de quarenta representantes de emissoras populares se reuniram no campus da Universidade Federal do Ceará, em Sobral, para o 1º Encontro de Rádios Comunitárias da Região de Sobral, da Serra da Ibiapaba e do Litoral Norte e Oeste do Ceará. Mas por trás da programação oficial, o que pulsava era algo mais profundo: uma celebração da resistência popular e do direito de comunicar.
Este encontro não apenas debateu os desafios enfrentados pelas rádios comunitárias, mas evidenciou a riqueza, pluralidade e compromisso social das emissoras presentes — muitas das quais atuam há décadas, com equipes reduzidas, sem patrocínio, e enfrentando diariamente a precariedade de equipamentos e a burocracia estatal. Ainda assim, continuam no ar, levando informação, cultura, música e cidadania às comunidades mais afastadas dos centros urbanos.
Diversidade de vozes e territórios
Foram registradas mais de 40 participações de rádios das mais diversas localidades: de Sobral à Serra da Ibiapaba, de Canindé a Coreaú, de Camocim à pequena Forquilha. Emissoras como a Rádio Princesa do Vale FM 98,7, com seus comunicadores veteranos como Mário Portela e Francisco Jaques, marcaram presença com histórias de décadas de atuação e com um compromisso claro com a educação e a formação política dos ouvintes. Há 27 anos no ar, a rádio é um símbolo da persistência da comunicação popular.
Já a CPA FM 105,9, representada por Geremias dos Santos, trouxe para o debate a dificuldade de manutenção de pessoal, um problema comum a muitas das emissoras. “Falta gente para atuar, mas seguimos porque acreditamos que a rádio é uma ferramenta de transformação social”, destacou o comunicador.
A Rádio Líder FM de Canindé — presente em mais de uma edição no formulário — tem sido uma referência na região, com nomes como José Azevedo Lima, Jonas Silva Araújo e José Almir Abreu, todos trabalhando com afinco na construção de uma grade que mistura jornalismo, música e participação popular.
Também se destacou a Rádio Brisa FM, com seu diretor Humberto Elery Davi, enfrentando os velhos desafios do financiamento com criatividade e redes de solidariedade. Assim como a Rádio Forquilha FM 98,7, sob direção de José Aristides, que luta para ampliar o alcance do sinal e dar visibilidade às pautas locais.
A força das associações comunitárias
Grande parte das rádios presentes está vinculada a associações populares, o que demonstra a organicidade dessas iniciativas. Associações como a Maria Pinto, da Luar FM 87,7, a Renacer dos Moradores das Goiabeiras, da Fortaleza FM 87,9, ou a Associação de Proteção ao Idoso e Adolescente, da Rádio Pinto Martins FM, são exemplos de como a rádio comunitária não é apenas um canal de comunicação — é um braço da organização comunitária.
“Somos mais que uma rádio, somos uma trincheira”, afirmou Gilberto Fonseca, diretor da Rádio Pinto Martins, que há 9 anos se dedica à emissora. Essa declaração ecoa com a fala de vários outros representantes que enxergam a rádio como um instrumento de combate à desinformação, valorização da cultura local e construção de uma consciência crítica.
Vídeo produzido pela TV Canindé | Registro especial do 1º Encontro de Rádios Comunitárias da Região de Sobral, da Serra da Ibiapaba e do Litoral Norte
Desafios comuns, sonhos compartilhados
Entre as principais dificuldades relatadas pelos radialistas, destacam-se a falta de apoio financeiro, a burocracia para renovar licenças, a dificuldade em manter os equipamentos funcionando e a ausência de políticas públicas permanentes voltadas à comunicação comunitária. Muitos destacaram que não recebem nenhum apoio estatal ou institucional e dependem exclusivamente de doações, rifas e eventos comunitários para manter as atividades no ar.
Ainda assim, a programação é intensa: rádios como a Rádio Matriz FM 104,9, de Cícero Marcony, e a Rádio Voz do Povo 104,9, presidida por Raimundo Oliveira, mantêm programações que começam às 5h da manhã e só encerram à noite, com jornalismo, programas musicais, debates e prestação de serviço.
Há também a presença de rádios exclusivamente musicais, como a Fortaleza FM, ou voltadas à memória afetiva e à música de saudade, como a Princesa do Vale, com seus programas voltados à escuta nostálgica de sucessos regionais.
Esperança e mobilização
O evento mostrou que, apesar das dificuldades, o espírito das rádios comunitárias está longe de se apagar. Pelo contrário: há um desejo coletivo de se organizar em rede, pressionar por leis mais justas e construir um novo ciclo de valorização da comunicação popular.
Entidades como a ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias) e a ACERTCOM (Associação Cearense das Rádios Comunitárias) também foram lembradas como importantes articuladoras desse movimento, mas muitos comunicadores pedem mais capilaridade, formação técnica e assessoria jurídica.
“Precisamos de menos burocracia e mais incentivo. A rádio é uma aliada do povo e do Estado, mas seguimos sendo ignorados pelas políticas públicas”, pontuou Antonio Fábio Uchoa, da Rádio Líder FM 97,8.
Uma constelação em expansão
Cada rádio presente no encontro representa mais que uma frequência no dial — são verdadeiros polos de resistência, cultura, memória e informação. Com formatos diversos, estilos múltiplos e realidades diferentes, todas compartilham um mesmo compromisso: ser a voz daqueles que raramente têm voz.
O encontro de Sobral foi mais que um evento. Foi um respiro, um reencontro entre pares, uma reafirmação de que a comunicação popular pulsa forte no interior do Ceará. Que venham os próximos encontros — porque essas rádios ainda têm muita história para contar.