Da Redação
A safra de grãos 2024/25 alcançou a impressionante marca de 350,2 milhões de toneladas colhidas, segundo levantamento da Conab. Um salto de 16,3% em relação à temporada anterior, puxado por soja, milho, arroz e algodão. Mas o que esse crescimento grandioso revela — e quanto custa, de fato, para o país?
O Brasil terminou a safra 2024/25 com uma cifra jamais vista em sua história: 350,2 milhões de toneladas de grãos produzidos. Este número não apenas supera em muito os 324,36 milhões de toneladas da safra 2022/23, mas representa um acréscimo de 49,1 milhões de toneladas sobre o ano anterior — um salto de produtividade e escala que impressiona.
Boa parte desse crescimento se deve à expansão da área cultivada: foram adicionados 1,9 milhão de hectares, saindo de 79,9 milhões para 81,7 milhões. As condições climáticas também colaboraram, especialmente nas lavouras do Centro-Oeste, onde a chuva e a temperatura permitiram uma recuperação considerável da produtividade nacional, estimada em agora 4.284 quilos por hectare, contra 3.769 kg/ha da safra 2023/24.
As culturas que mais impulsionaram esse recorde incluem a soja — líder absoluta — com estimativa de 171,5 milhões de toneladas, que cresceu cerca de 20,2 milhões sobre o ano anterior. O milho também atingiu números inéditos: somando as três safras (primavera, tradicional/fall & safra de sequeiro), atingiu-se cerca de 139,7 milhões de toneladas, com produtividade média recorde. Outras culturas tradicionalmente importantes, como arroz e algodão, também contribuíram para elevar o total, tanto pela produtividade quanto pelo aumento de área plantada.
Análise crítica
Apesar de celebrar o avanço, é urgente olhar para o outro lado da moeda. Produzir mais grãos em maior escala pode parecer uma vitória incontestável — mas há impactos negativos e custos sociais, ambientais e estruturais que nem sempre entram na conta final.
- Pressão sobre o meio ambiente
A expansão de hectares cultivados frequentemente ronda áreas de fronteira agrícola — muitas vezes próximas de biomas sensíveis, terras indígenas e florestas remanescentes. Mesmo que nesta safra tenham ocorrido condições climáticas melhores, isso não apaga o fato de que desmatamento, perda de biodiversidade, uso intensivo de fertilizantes e agroquímicos continuam sendo uma preocupação real. - Desigualdade e concentração
O agronegócio segue concentrando terra, tecnologia e apoio logístico em mãos relativamente poucas. Produtores grandes têm acesso a maquinário, crédito, assistência técnica e escoamento eficiente; pequenos produtores rurais enfrentam desafios estruturais como infraestrutura precária, custos de transporte altos, acesso desigual a crédito e assistência. Esse recorde pode intensificar essas disparidades. - Vulnerabilidade climática e dependência de commodities
Embora o clima tenha ajudado neste ciclo, fenômenos extremos se intensificam (seca, geadas, inundações, chuvas irregulares). A produtividade média pode regredir rapidamente. Além disso, depender fortemente de soja, milho e commodities cuja demanda e preço são voláteis no mercado internacional coloca o país sob risco em momentos de crise global ou sanções externas. - Impactos sociais locais
Regiões que produzem intensivamente — especialmente no Centro-Oeste — convivem com desafios como conflitos fundiários, trabalho rural com condições precárias, pressões sobre recursos hídricos, deslocamento de populações, e impacto sobre comunidades tradicionais. O crescimento da safra não é automaticamente crescimento do bem-estar social. - Soberania e política agrícola
Com este recorde, torna-se ainda mais clara a urgência de políticas públicas que protejam o produtor nacional, regulem preços de insumos, promovam logística eficiente, valorizem pequenas e médias propriedades e garantam justiça territorial. Também evidencia a necessidade de preservar a soberania alimentar — não apenas produzir para exportação, mas garantir que a comida chegue em todas as mesas.
Conclusão
Esse recorde expressa algo que muitos ignoram: há poder real no solo brasileiro, nos agricultores, no suor, na ciência e na persistência. O Brasil mostrou que pode alimentar o mundo — ou boa parte dele — quando há investimento, clima favorável e capacidade produtiva.
Mas que fique claro: progresso não se mede só em toneladas. É soberania quando o país protege seu meio ambiente, quando valoriza quem produz, quando ninguém é deixado para trás. É dignidade quando pequenas cidades, comunidades distantes, mulheres do campo, indígenas sentem nos resultados melhorias de vida — estradas melhores, escolas, acesso à água, saúde.
Este momento recorde é motivo de orgulho — mas também de responsabilidade. O Brasil não pode apenas colher mais: precisa semear justiça, sustentabilidade e soberania.