Atitude Popular

Brasil gastou R$ 23 bilhões com tecnologia estrangeira em uma década, revela estudo

Pesquisadores da USP e da UnB apontam dependência das big techs e alertam para riscos à soberania informacional

Da Redação

Um levantamento conjunto da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) revelou que, entre 2014 e 2025, o Estado brasileiro desembolsou ao menos R$ 23 bilhões para contratar serviços e produtos de grandes empresas de tecnologia estrangeiras, as chamadas big techs. A pesquisa, intitulada Contratos, códigos e controle: a influência das big techs no Estado brasileiro, foi tema do programa Vozes pela Democracia, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), transmitido pela Rádio e TV Atitude Popular e apresentado por Souza Júnior.

De acordo com a engenheira mecânica e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Soberania Informacional (GEPSI/UnB), Camila Modanez, o valor foi obtido a partir da análise de quatro grandes portais de transparência pública e corresponde a um “piso” — ou seja, a quantia real pode ser ainda maior. “Só no último ano foram mais de R$ 10 bilhões. Esse montante seria suficiente para pagar bolsas reajustadas de mestrado e doutorado para todos os pós-graduandos do Brasil ou para manter a Universidade de Brasília funcionando, com todos os custos pagos, por quatro anos e meio”, destacou.

O estudo mostra que empresas como Microsoft, Oracle, Google e Red Hat concentram os contratos. A Microsoft, sozinha, responde por R$ 3,2 bilhões em negócios diretos ou via intermediários. Camila fez um comparativo para dimensionar o gasto: “Se gastássemos R$ 100 mil por dia, um bilhão levaria mais de 27 anos para acabar. Multiplique isso por 23 e se tem a dimensão do que foi pago nos últimos dez anos”.

O professor titular da USP e coordenador do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (Colab), Jorge Machado, reforçou que a dependência tecnológica afeta não apenas a economia, mas também a soberania nacional. Para ele, o dinheiro poderia ser direcionado à criação de data centers e softwares livres desenvolvidos por universidades e institutos públicos, reduzindo a vulnerabilidade do país. “O problema é que a administração pública não conversa entre si. Temos compras fragmentadas de softwares e serviços, muitas vezes monopolizados. Não existe nada da Microsoft que não possa ser substituído por software livre — falta é cultura e vontade política para isso”, criticou.

A vulnerabilidade, segundo Camila, já se mostrou evidente em casos recentes. Ela citou o episódio em que o ministro Alexandre de Moraes foi sancionado pelo governo Trump e precisou que a Microsoft confirmasse que continuaria a permitir seu acesso aos sistemas do Judiciário brasileiro. “Isso é uma afronta. Uma empresa estrangeira não pode ter o poder de decidir se um juiz brasileiro acessa ou não a infraestrutura tecnológica de um poder soberano”, alertou.

Entre as alternativas, Camila defende investir na capacidade já existente em universidades públicas e ampliar a atuação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que possui capilaridade em todo o território nacional. “Temos exemplos como o C3SL, da Universidade Federal do Paraná, que desenvolve e mantém softwares livres e infraestrutura própria. Poderíamos ter data centers distribuídos pelo país, operados por brasileiros e com tecnologia nacional, inclusive para desenvolver inteligência artificial com a nossa perspectiva, e não reproduzir visões hegemônicas estrangeiras”, explicou.

Jorge Machado propôs a criação de uma “lei de autonomia das comunicações”, nos moldes da Lei de Acesso à Informação, para permitir que entes públicos façam compras conjuntas e coordenadas de tecnologia, priorizando soluções nacionais. Ele lembrou que países do BRICS, como China e Índia, já avançaram nesse sentido, enquanto o Brasil manteve-se atrelado aos Estados Unidos. “Somos colonizados digitalmente e corremos o risco de sofrer retaliações ainda mais duras, especialmente sob governos hostis como o de Donald Trump”, afirmou.

O programa encerrou com Souza Júnior destacando que a disputa pela soberania informacional passa também pelo Congresso Nacional, e que mudanças legislativas serão cruciais nas eleições de 2026. “Não se trata apenas de tecnologia, mas de garantir que as decisões estratégicas sobre nossos dados e infraestrutura digital sejam tomadas no Brasil, para os brasileiros”, concluiu.

Para saber mais: https://jornalggn.com.br/crise/brasil-s-a-do-servidor-a-servidao-por-sara-goes/

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