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BRICS prepara resposta ao tarifaço de Trump: Lula articula videoconferência e ofensiva multilateral

Da Redação

Após os EUA elevarem para 50% as tarifas sobre exportações brasileiras, Lula coordena uma reunião virtual dos BRICS para alinhar reação diplomática, econômica e jurídica — com foco em multilateralismo, diversificação de mercados e defesa de regras da OMC.

O governo brasileiro articulou, para os próximos dias, uma videoconferência entre líderes dos BRICS com o objetivo de coordenar uma resposta ao aumento de tarifas imposto por Washington sobre bens brasileiros. A prioridade de Brasília é converter a indignação em estratégia: falar com uma só voz nas instâncias multilaterais, organizar instrumentos financeiros e logísticos que amortizem o choque no curto prazo e consolidar, no médio prazo, rotas comerciais e monetárias menos expostas a decisões unilaterais dos Estados Unidos. A orientação é clara: não transformar o encontro numa cúpula “antiamericana”, mas reafirmar regras e mecanismos de solução de controvérsias — e ampliar alternativas concretas para exportadores.

A escalada tarifária começou no início de abril com a alíquota “recíproca” de 10% aplicada a todos os parceiros e atingiu o ápice no fim de julho, quando a Casa Branca publicou ordem executiva adicionando 40 pontos percentuais sobre produtos de origem brasileira, levando o total a 50% e com vigência a partir de agosto. Em paralelo, o governo americano associou, no discurso oficial, a medida a temas internos da política brasileira — um gesto lido em Brasília como tentativa de pressão política e de subversão do canal adequado para litígios comerciais, que é a Organização Mundial do Comércio.

A reação brasileira avançou em três frentes. A primeira foi jurídica, com o pedido formal de consultas na OMC — etapa obrigatória para um eventual painel — e a sinalização de questionamentos também em cortes americanas, caso necessário. A segunda é diplomática: conversas de alto nível com China, Índia e África do Sul para construir posicionamento comum e, ao mesmo tempo, manter abertos os canais de diálogo com Washington. A terceira é econômica: ativação de um pacote de contingência com crédito público, seguro de crédito à exportação e compras governamentais pontuais de itens impactados, a fim de sustentar liquidez às cadeias produtivas e ganhar tempo para redirecionar embarques.

No comércio, os efeitos são heterogêneos. O decreto americano preservou dezenas de exceções setoriais — como aeronáutica, parte de minérios, celulose, energia e sucos — mas ampliou substancialmente o custo de venda de bens intensivos em trabalho e agroindústria, com destaque para carnes, café, têxteis, calçados, máquinas e pesca. Mesmo com exceções, associações empresariais relataram queda de confiança e incerteza nos embarques para o mercado norte-americano desde que o tarifaço entrou em vigor, o que reforçou a necessidade de medidas de caixa e de abertura de canais em novos destinos.

Do ponto de vista político, a reunião virtual dos BRICS pretende produzir três resultados práticos. Primeiro, um respaldo explícito às regras da OMC e à crítica às medidas unilaterais que distorcem o comércio, mantendo a porta aberta para negociações. Segundo, uma coordenação de instrumentos financeiros — incluindo linhas do banco do bloco e soluções de crédito à exportação — para apoiar empresas impactadas e facilitar o desvio de cargas a mercados alternativos. Terceiro, um roteiro para ampliar o uso de moedas locais em liquidações comerciais e reduzir custos de transação, sem, contudo, anunciar soluções improvisadas ou simbólicas que possam gerar mais fricção do que alívio.

Internamente, a diretriz de Brasília combina firmeza institucional com pragmatismo econômico. O governo não pretende “correr” para retaliar; prefere calibrar a aplicação da Lei de Reciprocidade e usá-la como alavanca de negociação. Enquanto isso, ministérios econômicos e bancos públicos priorizam operações para empresas cujo faturamento tem parcela relevante exposta ao mercado dos EUA. Estados e federações setoriais, por sua vez, organizam roadshows e missões para captar demanda em Ásia, Oriente Médio e Europa, aproveitando a janela aberta por juros em queda e câmbio competitivo para renegociar contratos e logística.

No cenário externo, a pressão tarifária contra emergentes tem gerado efeitos colaterais opostos aos pretendidos por Washington: acelera articulações regionais e fortalece agendas de “redução de risco” de dependência. A coordenação BRICS/Sul Global avança passo a passo, com diferenças internas e graus diversos de exposição aos EUA — e é justamente por isso que a diplomacia brasileira insiste em construir consensos mínimos operacionais (comércio, crédito, regras) em vez de textos retóricos. A aposta é que uma resposta coordenada, previsível e aderente às normas multilaterais aumente o custo político de novas rodadas de sanções e, ao mesmo tempo, reduza a incerteza para produtores e compradores.

Por fim, a leitura no Planalto é que há espaço para uma saída negociada. O Brasil reiterou que litígios comerciais devem ficar na mesa do comércio — não da política doméstica. Ao mesmo tempo, sinalizou que medidas transitórias para dar fôlego às empresas não significam acomodação: é, sim, estratégia para atravessar a turbulência, manter empregos e preservar capacidade exportadora. O teste imediato dessa estratégia será a videoconferência dos BRICS: se dela saírem diretrizes claras — de financiamento, facilitação de comércio e cooperação regulatória —, o país ganha margem para transformar crise em rearranjo duradouro de rotas e regras.