Da Redação
Recém-filiado ao PSDB, Ciro Gomes volta a flertar com a candidatura presidencial de 2026 — como quem acende o fósforo em meio ao incêndio que ele próprio ajudou a provocar.
Ciro Gomes é aquele tipo de personagem da política brasileira que parece existir para nos lembrar que o tempo é, sim, um círculo vicioso. Depois de romper com o PDT, brigar com o mundo, se afastar da esquerda e acusar o PT de todos os males do cosmos, o autoproclamado profeta do “nem Lula nem Bolsonaro” agora tenta renascer das próprias cinzas — ou melhor, das brasas frias da sua credibilidade — sob o ninho tucano.
Recém-filiado ao PSDB, o ex-governador do Ceará já deixou escapar, com seu habitual entusiasmo de palestrante sem plateia, que não descarta disputar a Presidência em 2026. A frase soou mais como ameaça que como promessa. Afinal, há décadas Ciro não perde a oportunidade de transformar o debate político em uma sessão de terapia coletiva, com insultos intercalados por citações de Keynes e arroubos de autossuficiência moral.
Nos bastidores, tucanos mais pragmáticos receberam a filiação com aquele misto de espanto e resignação de quem vê um furacão entrando pela janela da sala. O PSDB, que mal terminou de juntar os cacos após anos de colapso identitário, agora precisa abrigar um político que carrega o temperamento de uma usina em sobrecarga. Um dirigente do partido, sob anonimato, resumiu: “Ciro é um ótimo quadro — quando está dormindo.”
O novo lar de Ciro parece um experimento sociológico. De um lado, o partido que se tornou símbolo do centrismo cansado, com sua base diluída entre Doria, Tasso e Eduardo Leite. Do outro, um homem que transforma cada entrevista em uma batalha homérica contra inimigos imaginários. O casamento tem tudo para dar certo — se o objetivo for gerar manchetes e memes.
Há, claro, um elemento de tragédia cômica nisso tudo. Ciro ainda fala em “refundar a política brasileira”, como se não tivesse sido ele mesmo a dinamitar as pontes com a esquerda, o centro e até com seu próprio espelho. É o eterno Don Quixote da política nacional, empunhando a lança do ressentimento contra moinhos de vento que ele chama de “hegemonia petista”.
Fontes próximas ao novo tucano afirmam que ele pretende “ajudar o PSDB a se reposicionar nacionalmente”. Em tradução simultânea: quer o palco, o microfone e o holofote, enquanto o partido tenta não desabar sob o peso das suas contradições.
A hipótese de uma candidatura presidencial em 2026 é tratada no Planalto como uma anedota política de humor involuntário. Entre aliados de Lula, a avaliação é simples: “Ciro será candidato a alguma coisa — nem que seja a ele mesmo.” Já entre antigos aliados, predomina o sentimento de déjà vu.
Ciro é, afinal, um personagem fascinante pela insistência em brigar com o próprio tempo. Enquanto o Brasil tenta discutir inteligência artificial, soberania digital e política industrial, ele segue orbitando na década de 1990, citando Harvard e Keynes como se fossem hashtags de campanha. Sua retórica inflamável e seu temperamento explosivo continuam sendo seu maior capital — e seu maior fracasso.
No fundo, há algo de tragicômico nesse retorno: o homem que se julgava acima das paixões partidárias agora veste o paletó do partido que virou metáfora do neoliberalismo domesticado. É o enésimo recomeço de um político que nunca começa nada de fato — apenas reencena o mesmo espetáculo, esperando um público que já foi embora.
Em 2026, se o PSDB realmente lhe der legenda, será mais um capítulo da ópera cômica da política brasileira: Ciro, o eterno candidato de si mesmo, marchando rumo ao nada com a convicção de quem acredita estar fundando o futuro.


