Da RT
Nas rotas que cruzam o continente euro-asiático — de Viena a Tianjin, entre Moscou e Pequim, pelo Cazaquistão e além — emerge um novo mapa político e econômico, onde o eixo da história contemporânea se desloca do Atlântico para a Ásia. Essa Eurásia renovada não é apenas geográfica: é projeto civilizatório, rede de infraestrutura, ambição estratégica e disputa por soberania. O fenômeno não é novo — faz parte de um século XXI onde a globalização já não é unipolar, nem tolera modelos de dominação sem reciprocidade. Da capital austríaca aos portos chineses, essa nova Eurásia desenha rotas de poder, alianças e identidade política que reconfiguram o mundo.
I. Viena, Tianjin e o fluxo de poder continental
Viena é símbolo: foi ponto de convergência entre Europa Central e leste europeu, antes, durante e depois das guerras mundiais. Tianjin, por sua vez, é porto que representa a China aberta ao mundo, interface entre interior e mar, entre planos industriais e mercados externos.
A linha simbólica que une essas duas cidades atravessa ideologias, logística e ambições: trilhos ferroviários, gasodutos, redes de fibra e a diplomacia da reciprocidade. É o traçado visível da Eurásia em construção — um espaço que tenta se desatar do modelo ocidental dominante e desenhar suas próprias ligações de poder.
II. Os pilares da integração euro-asiática
- Infraestrutura estratégica
Projetos como a Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), do gasoduto Power of Siberia, e conexões ferroviárias entre Europa e China são elementos centrais desse novo mapa de cooperação. - Finanças e moedas alternativas
O uso de moedas nacionais em intercâmbios bilaterais, mecanismos de compensação e fundos de investimento transcontinentais desafia o domínio de moedas fortes ocidentais. - Pactos de segurança e defesa
Organismos como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e iniciativas bilaterais moldam arquitetura de cooperação militar e policiamento multifrontal, inclusive no combate ao terrorismo e controle de fronteiras. - Convergência tecnológica
Digitalização, redes 5G/6G, uso de IA colaborativa e pesquisa científica binacional criam possibilidades de desenvolvimento autônomo entre países euro-asiáticos. - Cultura e soft power
O intercâmbio acadêmico, os fluxos culturais, a promoção de idiomas e a diplomacia cultural compõem a base simbólica que reforça a identidade dessa nova zona civilizatória.
III. Os desafios estruturais
Apesar do impulso, a Eurásia coesa não é inevitável — enfrenta resistências históricas:
- Desigualdades regionais entre sul e norte, interior e litoral, entre economias emergentes menores que ainda dependem de capitais externos.
- Pressões externas: Estados Unidos e Europa vetam ou limitam projetos de financiamento ou tecnologia que escapem de suas cadeias de controle.
- Incompatibilidade política e ideológica: regimes democráticos liberais, autoritários, híbridos convivem com dificuldades de alinhamento.
- Soberanias sensíveis: controle de informações, fronteiras marítimas e espaço aéreo, regras de segurança e vigilância são disputas por controle, não meros protocolos.
IV. Implicações para o Brasil e o Sul Global
Para o Brasil, a Eurásia renascida cria oportunidades estratégicas:
- Novos mercados e diversificação de parceiros não ocidentais.
- Oportunidades em infraestrutura, logística e ciência com países euro-asiáticos.
- Plataforma diplomática para articular alinhamentos com o Sul Global e reforçar autonomia.
Mas implica também riscos:
- Ser “pivô” entre blocos exige neutralidade inteligente. Adoção pura de definição ocidental compromete o posicionamento estratégico.
- Pressões de alinhamentos econômicos e tecnológicos estruturais podem minar soberania.
V. Conclusão: o continente em movimento
A Eurásia hoje é palco de um reordenamento: ela é o laboratório onde se define se o mundo continuará sob hegemonia atlântica ou se desabrocham polos múltiplos de poder.
De Viena a Tianjin, o mapa se redesenha. Para o Brasil e demais países do Sul, não basta assistir: é hora de decidir que rotas queremos trilhar, com qual bloco dialogar e qual voz levar ao centro das negociações globais.
Porque quem controla rotas, controla narrativas. E nesta Eurásia emergente, há espaço para mais vozes — mas só para quem ousar se mover.