Da Redação
Dois anos após os ataques de 2023, Gaza vive sob ruínas, fome e cerco total. O Estado de Israel, sustentado por potências ocidentais, é acusado por especialistas e organismos internacionais de conduzir uma campanha sistemática de extermínio e limpeza étnica contra o povo palestino
Introdução
Dois anos após o início da ofensiva intensificada entre Israel e o Hamas – e da escalada do confronto mais amplo na Faixa de Gaza, Cisjordânia e territórios ocupados – a situação humanitária da população palestina se deteriorou dramaticamente. Mortes, deslocamentos, destruição de infraestrutura, colapso dos sistemas de saúde, cortes de suprimentos essenciais e violência sistemática transformaram o território numa “zona de guerra permanente”. Para muitos observadores, o padrão de ação israelense já ultrapassa a linha da guerra convencional: configura-se uma política de extermínio, limpeza étnica ou genocídio, ao menos em tese e sob investigação por organismos internacionais.
Nesta reportagem, examino o quadro histórico, o direito internacional aplicável, os dados mais recentes, os mecanismos de responsabilização e os obstáculos — tanto operacionais quanto políticos — à condenação e à intervenção efetiva. Não é um apanhado neutro: é uma denúncia apaixonada, embasada e crítica, dirigida à consciência global.
Contexto histórico: ocupação, Nakba e estrutura de dominação
Para entender o cenário atual, é fundamental retomar os marcos históricos que moldam a relação entre Israel e a Palestina:
- Nakba (catástrofe palestina de 1948): com a criação do Estado de Israel, centenas de milhares de palestinos foram expulsos ou fugiram de suas terras, e propriedades foram ocupadas. Muitas das injustiças daquela época permanecem sem reparação.
- Ocupação de 1967: após a Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou formalmente a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental, impondo assentamentos, fragmentando território palestino e controlando rotas, entradas, saídas, recursos hídricos, rede elétrica, etc.
- Bloqueio e restrições sistêmicas: desde então, a Faixa de Gaza está sob bloqueio israelense (com apoio egípcio em pontos), com controles rígidos sobre importações, exportações, matérias-primas, combustível, alimentos e assistência humanitária. As restrições tornaram quase impossível a reconstrução de infraestruturas após cada escalada de conflito.
- Assentamentos e descaracterização: nas últimas décadas, Israel expandiu assentamentos em Cisjordânia, alterando demografia e o contorno administrativo do território palestino, dificultando a viabilidade de um Estado palestino contíguo.
Esses vetores históricos compõem uma estrutura de dominação, que muitos especialistas classificam como apartheid ou “regime colonial de assentamento”. Ou seja: militarização persistente, discriminação legal e econômica, deslocamentos forçados e controle excessivo sobre a vida das pessoas sob ocupação.
Esse pano de fundo dá forma ao que hoje se manifesta como violência aberta, uso de força letal, cerco e ação sistemática contra civis.
O padrão atual de ofensiva: evidências de genocídio
Para que se configure genocídio, segundo a Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948), é necessário que, com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, sejam praticados atos como matar membros desse grupo, causar danos graves, subjugar condições de vida, medidas para impedir nascimentos ou transferir crianças à força.
Vejamos como algumas dessas tipologias se aplicam — embora seja objeto de debate jurídico — à campanha israelense:
1. Mortes civis em massa
Relatórios de organizações como Human Rights Watch, Anistia Internacional e Oxfam apontam que, em cada ofensiva israelense em Gaza, uma proporção significativa de vítimas é civil — mulheres, crianças, idosos — muitas em zonas residenciais densas convertidas em alvos. Bombardeios de bairros inteiros, uso de armas pesadas em áreas urbanas e ataques sobre infraestruturas essenciais deixam um rastro de destruição e mortalidade que ultrapassa a “dança trágica da guerra”.
Diversos hospitais foram atingidos ou ficaram sem condições de funcionar. A escassez de oxigênio, medicamentos e energia elétrica agravou o número de mortes por causas indiretas — pessoas que poderiam ser salvas em outros tempos morrem por colapso do sistema de saúde.
2. Dano intencional às condições de vida
Essa é uma faceta crucial. Ao bombardear fontes de água, redes de saneamento, sistema elétrico, distribuição de alimentos, acesso a energia e combustíveis, restrições à importação de materiais de construção, Israel intensifica a vulnerabilidade da população civil. É difícil reconstruir, cultivar, transportar ajuda ou operar hospitais quando cada bloco de concreto ou tubo importa e é controlado.
Relatórios indicam que a população vive sob racionamento severo de água potável, comida insuficiente, interrupções no sistema de esgoto, falta de saneamento básico e desabastecimento de remédios essenciais. Tudo isso gera doenças, mortalidade indireta e sofrimento.
3. Deslocamentos forçados e limpezas territoriais
Bombardeios e operações terrestres obrigam populações inteiras a fugir para áreas mais seguras — mas não há “áreas seguras” definitivas em Gaza. Com frequência, deslocamentos são repetidos, retornos são barrados ou destruídos. Há denúncias de que comunidades sejam deliberadamente empurradas, com imposição de zonas interditadas ou expulsão indireta.
Quando a população é privada de suas habitações, de sua capacidade de subsistência e de retornar, isso tem o aspecto de limpeza étnica.
4. Obstrução ao nascimento e à reprodução
Para caracterizar genocídio, haveria necessidade de prova de intenção de impedir nascimentos ou agir contra as crianças. Há relatos de destruição de infraestrutura materno-infantil, dificuldades no parto, falta de insumos obstétricos e mortalidade gravemente alta. Também se apontam relatos (ainda em investigação) de remoção forçada de crianças palestinas para adoção ou adoção sob condições coercitivas — ainda que tais denúncias devam ser objeto de rigorosa averiguação.
5. Intenção — o ponto mais difícil
O nó jurídico central é demonstrar que há intenção genocida: que as ações são deliberadas para destruir, no todo ou em parte, o grupo palestino como tal. Israel nega que seu objetivo seja eliminar palestinos como grupo, afirma que as ações visam “terroristas” e “redes do Hamas”. Porém, críticos afirmam que o modo de ação — indiscriminado, prolongado, sem distinção efetiva entre combatentes e civis, com bloqueio total — revela que não se trata meramente de segurança, mas de punição coletiva.
O padrão de repetidas ofensivas, a ausência de responsabilização, o tom retórico do governo israelense e o apoio de aliados poderosos dificultam qualquer investigação internacional séria com consequências severas.
Dados recentes e escala da tragédia
Embora não tenha sido possível abrir diretamente o link do G1, diversos relatórios e fontes internacionais (ONGs, agências da ONU, observatórios de direitos humanos) documentam:
- Milhares de mortes nos últimos dois anos, com um alto percentual de mulheres e crianças.
- Deslocamento de centenas de milhares — muitos vivendo em campos de refugiados ou sob condições emergenciais.
- Colapso quase total da rede hospitalar de Gaza: falta de leitos, remédios, equipes, eletrodomésticos essenciais, oxigênio e energia elétrica irregular.
- A destruição de infraestrutura pública: escolas, postos de saúde, redes de água, estradas, portos, faz com que a reconstrução seja quase impossível sem escala maciça de entrada de materiais.
- Restrições drásticas à importação de materiais de construção, combustíveis e matérias-primas — tudo sob rigoroso bloqueio ou inspeção israelense.
- Escassez de alimentos e racionamento: grande parte da população vive em estado de insegurança alimentar severa.
- Ações de colonos israelenses na Cisjordânia com violência, demolição de casas palestinas, expropriação de terras e restrições de mobilidade.
- A falta de accountability: Israel retém o direito de se autodefender, tem poder de veto diplomático, e facilita que aliados (especialmente EUA) bloqueiem sanções ou intervenções externas.
Esses são elementos concretos de uma tragédia em curso.
Resistência, diplomacia e limitações humanitárias
Apesar do cenário sombrio, há resistência ativa palestina — não só militar, mas civil, jurídica, informativa. ONGs palestinas documentam casos de desaparecimento, violência de gênero, terra arrasada, apelo internacional. No âmbito diplomático, muitos países e blocos (União Europeia, grupos da África, América Latina, países muçulmanos) pressionam por cessar-fogo, ação humanitária e investigação internacional.
Organismos como o Tribunal Penal Internacional (TPI), Corte Internacional de Justiça e comissões de inquérito da ONU tentam abrir caminhos jurídicos, embora esbarrando em obstáculos: Israel não reconhece a jurisdição plena do TPI em todos os casos, há vetos diplomáticos no Conselho de Segurança da ONU, e a proteção dos EUA a Israel na arena internacional é robusta.
A UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina) e outras agências de ajuda operam sob risco extremo, frequentemente tendo seus escritórios bombardeados ou limitados por restrições, o que reduz a capacidade de socorro no momento em que mais se precisa.
Críticas contundentes — o que isso revela de falhas globais
- Dupla narrativa e isenção seletiva
Grande parte da mídia internacional evita usar termos como “genocídio” ou “limpeza étnica”. Em muitos casos, fala-se em “conflito” como se fosse simétrico, o que suaviza a assimetria de poder entre ocupador e ocupado. Essa neutralidade disfarça o genocídio em curso. - Impunidade habitual
Apesar de constantes denúncias e laudos, não há condenações efetivas que atinjam o alto escalão político israelense ou os arquitetos estratégicos. Pouquíssimos casos de responsabilização. Isso reforça a sensação de que Israel atua como Estado-acima-da-lei. - Cúmplice externo: política internacional e armas
Países poderosos, em especial os EUA, continuam fornecendo apoio militar, diplomático e armamentístico a Israel, mesmo diante de evidências de violações massivas. Há uma responsabilidade externa nesse genocídio. - Inação do direito internacional
Apesar da existência de tratados, convenções e organismos internacionais, o sistema falha em aplicar sanções efetivas, evitar bloqueios ou interromper a cadeia de financiamento e armas. A burocracia, os vetos e o poder de dissuasão político tornam a justiça internacional frágil. - Desumanização e narrativa de segurança
O Estado de Israel e seus simpatizantes frequentemente usam a narrativa de “segurança nacional” ou “terrorismo do Hamas” para justificar ações indiscriminadas. Essa retórica desumaniza o povo palestino, apresenta-os como inimigos coletivos ao invés de vítimas ou sujeitos de direitos.
Conclusão e apelo moral
A tragédia palestina não é um desvio de rota: é, para muitos, uma política deliberada de destruição e controle reforçado por décadas de impunidade e apoio externo. A acusação de genocídio não é dramatização retórica, mas uma hipótese jurídica que exige investigação séria, coral e internacional.
Enquanto a comunidade internacional permanecer passiva, mantendo agendas de poder e relações estratégicas que protegem Estados fortes contra responsabilização, o povo palestino seguirá pagando com vidas, moradia, dignidade e futuro.
Neste momento, o que resta é denunciar – e mobilizar — para que jamais o sofrimento se torne rotina. Que o mundo reconheça: não é “conflito”; é crime sistemático contra um povo subjugado. E que sejam acionados os instrumentos jurídicos, diplomáticos e morais necessários para interromper essa barbárie.
Se quiser, posso produzir uma versão adaptada para público geral, um artigo de opinião ou uma linha do tempo histórica para acompanhar — você prefere qual?