Pesquisadora detalha a estação de dados dos EUA em Noronha, o controle militar na ilha e a atual batalha por soberania informacional e memória, defendendo que o arquipélago seja visto como território de geopolítica, não só de turismo
Noronha não é só um cartão-postal, é uma peça de geopolítica. A avaliação é da pesquisadora e escritora Grazielle Rodrigues, autora de Fernando de Noronha e os ventos da Guerra Fria. Em entrevista ao programa Café com Democracia, apresentado por Luiz Regadas, ela reconstruiu a presença estratégica dos Estados Unidos no arquipélago entre a Segunda Guerra e a década de 1960 e relacionou esse passado aos dilemas atuais de soberania informacional. Esta reportagem se baseia nas declarações da convidada durante a edição dedicada ao tema
A autora descreve como uma parte da ilha foi oficialmente cedida, entre 1957 e 1965, para integrar um cinturão de doze pontos de observação de testes balísticos e apoiar o programa espacial norte-americano. “Noronha está vinculada à história da Guerra Fria”, disse, ao lembrar a instalação da chamada basinha, estação de captação de dados que retransmitia informações de mísseis e foguetes em direção a Cabo Canaveral. Segundo ela, o acesso brasileiro à área era proibido, reflexo de um período em que, nas palavras da pesquisadora, “informação valia ouro e espionagem definia vantagem”
A dimensão logística ajuda a entender o sigilo. Grazielle recordou que o arquipélago tem 23 quilômetros quadrados, dos quais 70 por cento são parque nacional, o que tornava qualquer cessão um debate sensível sobre soberania. A base militar estadunidense na Segunda Guerra e, depois, a estação de telecomunicações dos anos 50 operaram em território federal sob administração das Forças Armadas. “Ninguém entrava, nem comandante brasileiro”, resumiu, ressaltando o controle de entradas e saídas em um tempo em que até Recife aparecia como nó de espionagem no país
O eco desse passado no presente surge quando a autora comenta tentativas de reaquecer mitos sobre reativação de acordos antigos por parte de políticos norte-americanos. Ela afirma que o contrato de cessão expirou em 1965 e que qualquer hipótese de retorno exigiria um novo pacto internacional. Em paralelo, relatou um episódio recente, quando uma peça informativa publicada por ela sobre soberania, hospedada em rede social, teve impulsionamento barrado pela plataforma. “Se hoje quem tem informação é rei, imagine naquela época”, disse, para em seguida atualizar a imagem, “hoje o espião é a internet”
O livro e a pesquisa apontam para outro apagamento, o patrimonial. “Noronha guarda estruturas da Guerra Fria, e o Brasil abandonou esse legado”, afirmou. A autora defende a recuperação das antigas instalações como centro cultural e educativo, com trilhas de memória que dialoguem com a paisagem natural. “Noronha não é só a praia mais bonita do mundo, é espaço de disputa política e de história”, disse, ao criticar o modelo de divulgação turística centrado apenas em sol e mar
Os dilemas contemporâneos de infraestrutura completam o quadro, energia termoelétrica movida a diesel, água dessalinizada, restrições à eólica por rotas de aves migratórias, regras de licenciamento que exigem geração fotovoltaica em novas obras, além do saneamento com tratamento antes de descarte no mar. Para Grazielle, soberania ambiental e soberania digital caminham juntas em ilhas e continentes, com políticas públicas que reduzam dependências e ampliem capacidade própria de produzir, armazenar e interpretar dados
Ao fim, a pesquisadora confirmou que a terceira edição do livro será relançada pela editora pública de Pernambuco, com perspectivas de incorporar capítulos futuros. “Não dei conta de tudo, há muita documentação a explorar”, disse. Entre as frentes, memória social, educação patrimonial e conexões entre Guerra Fria, ditadura e censura algorítmica. A proposta é que o circuito de debates viaje o país, em feiras e encontros, para recolocar Noronha no mapa político do Brasil
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