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Irã afirma: enriquecimento de urânio não será interrompido

Da Redação

O Irã reafirma sua determinação em manter o enriquecimento de urânio, apesar da pressão internacional. A afirmação aprofunda a crise nuclear e redesenha os desafios para o International Atomic Energy Agency (IAEA) e para a diplomacia em plena escalada no Oriente Médio.

O governo iraniano reafirmou neste fim de semana que não interromperá o processo de enriquecimento de urânio sob nenhuma circunstância, mesmo diante da pressão internacional e das advertências da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A declaração, feita pelo vice-ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, reforça o posicionamento de Teerã de que o programa nuclear é um direito soberano e não uma concessão negociável.

Araghchi afirmou que o Irã “nunca deixará de enriquecer urânio, não importa o que aconteça”, ao mesmo tempo em que denunciou o que chamou de “chantagem nuclear e política” por parte dos Estados Unidos e de aliados ocidentais. A fala ocorre em meio a um novo ciclo de inspeções da AIEA e após o anúncio de que o país atingiu a marca de 60% de pureza em algumas de suas reservas de urânio, um nível considerado tecnicamente próximo do necessário para a produção de armas nucleares.

Diplomatas europeus classificaram a posição iraniana como “a mais dura desde 2018”, quando Donald Trump retirou unilateralmente os Estados Unidos do acordo nuclear de Viena (JCPOA). Desde então, as negociações para restaurar o tratado fracassaram sucessivamente, sobretudo pela recusa de Washington em suspender sanções econômicas e pela resistência iraniana em aceitar inspeções mais amplas. O atual cenário é de impasse quase total.

No campo interno, o regime iraniano reforça a retórica de soberania e resistência. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, reiterou que o país “não se curvará à pressão ocidental” e que a tecnologia nuclear é parte essencial da independência científica e energética do Irã. Fontes ligadas ao Conselho de Segurança Nacional iraniano afirmam que as recentes ameaças militares de Israel e dos Estados Unidos apenas consolidaram a percepção de que recuar seria sinônimo de fraqueza.

Especialistas avaliam que a nova postura iraniana inaugura um momento crítico da crise nuclear. Ao afirmar que o enriquecimento “jamais será interrompido”, Teerã parece abandonar a linguagem ambígua de anos anteriores e adotar uma política de fato consumado. A mensagem é clara: o Irã considera o domínio do ciclo do combustível nuclear uma questão de honra nacional e de equilíbrio geopolítico frente às potências ocidentais e a Israel.

O contexto internacional agrava a situação. A tensão entre Teerã e Tel Aviv atinge níveis inéditos desde o ataque israelense a instalações nucleares iranianas em Isfahan, no primeiro semestre. O Irã respondeu com o lançamento de mísseis sobre o Golfo Pérsico e com o fortalecimento de seus vínculos militares com a Rússia e a China, que, por sua vez, têm apoiado o direito iraniano ao uso pacífico da energia nuclear.

Nos bastidores diplomáticos, cresce o temor de um colapso definitivo do sistema de verificação da AIEA. Relatórios recentes indicam que os inspetores da agência enfrentam restrições crescentes e não têm acesso integral às instalações subterrâneas de Fordow e Natanz, onde se concentra boa parte das centrífugas avançadas. Caso esse bloqueio se mantenha, analistas alertam que o programa iraniano poderá alcançar capacidade de produção de material físsil suficiente para uma bomba em poucos meses, caso essa decisão política seja tomada.

Para os Estados Unidos, a declaração iraniana representa mais um revés estratégico. O governo norte-americano vem tentando equilibrar dissuasão e diplomacia, mas enfrenta resistências internas e externas. Setores conservadores em Washington e Tel Aviv pressionam por uma resposta mais contundente, incluindo sanções adicionais e operações cibernéticas contra o complexo nuclear iraniano. Já a União Europeia tenta manter abertas as vias de negociação, mas admite em privado que a janela diplomática está se fechando rapidamente.

Do ponto de vista geopolítico, a decisão de Teerã também impacta o equilíbrio energético global. O Irã é peça central na arquitetura do Oriente Médio e membro ativo da Organização de Cooperação de Xangai, o que amplia o peso de sua postura frente ao bloco ocidental. O endurecimento iraniano ocorre num momento em que o Golfo Pérsico vive intensa militarização e em que os Estados Unidos aumentam sua presença naval para garantir o fluxo de petróleo e conter o avanço das alianças asiáticas.

Em paralelo, cresce a retórica ideológica do governo iraniano, que enquadra a questão nuclear como símbolo da resistência contra o “neocolonialismo científico”. A narrativa encontra eco interno, reforçando a legitimidade do regime diante de uma população exausta de sanções, inflação e isolamento, mas também desejosa de reconhecimento internacional.

Especialistas do Oriente Médio interpretam o movimento iraniano como parte de um fenômeno mais amplo de redefinição da soberania no século XXI. Assim como a corrida pela inteligência artificial e pelas infraestruturas de dados, a tecnologia nuclear é agora também uma arena simbólica de poder. Para o Irã, abdicar do enriquecimento equivaleria a aceitar um papel subalterno no sistema internacional.

O impasse nuclear iraniano, portanto, não é apenas uma disputa técnica, mas um capítulo da luta por autonomia estratégica e por um novo equilíbrio global. O país aposta que, num mundo multipolar em consolidação, o custo político de uma ação militar contra seu território seria altíssimo. O problema é que essa aposta também aumenta o risco de erro de cálculo, e qualquer movimento em falso pode transformar o atual impasse em uma conflagração aberta.

Enquanto isso, a AIEA tenta evitar o colapso do diálogo e advertiu que o risco de uma “crise irreversível” é real. O diretor-geral da agência, Rafael Grossi, afirmou que “o tempo da diplomacia está se esgotando”. Mas, em Teerã, a mensagem é outra: o tempo da submissão já acabou.