Atitude Popular

Lula acusa Congresso de barrar “merrequinha a mais” de super-ricos e reforça embate entre Executivo e Legislativo

Da Redação

Durante evento de lançamento de um novo modelo de financiamento habitacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou o Congresso Nacional por negar ao país uma contribuição extra daqueles que têm renda elevada. Segundo ele, o Legislativo impediu que os mais ricos pagassem “uma merrequinha a mais” para que os recursos arrecadados pudessem ser canalizados para políticas sociais de inclusão.

“Mandamos um projeto para que quem ganha acima de R$ 600 mil, R$ 1 milhão pagasse uma merrequinha a mais, para que fintechs pagassem um pouquinho mais, para que apostas pagassem um pouco mais — e eles votaram contra”, disse Lula, em tom crítico, destacando que mais de 90 % da população brasileira ganha menos de R$ 5 mil por mês.

O presidente se referia à Medida Provisória do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que previa a taxação de fintechs, apostas e grandes rendas. A proposta caducou após ser retirada de pauta, numa votação em que o governo foi derrotado por ampla margem, revelando um novo momento de tensão entre o Executivo e o Legislativo.


Contexto da disputa tributária

A proposta do governo fazia parte de uma tentativa de tornar o sistema tributário mais progressivo, ou seja, fazer com que quem tem mais renda contribuísse proporcionalmente mais. As apostas e as fintechs estavam entre os setores mais visados pela nova MP.

Segundo o presidente, o governo chegou a negociar reduções de alíquotas para viabilizar a aprovação, mas a resistência foi total. Lula provocou: “Se um trabalhador paga 27,5 %, por que um ricaço não pode pagar 18 %? Fizemos acordo para 12 % e eles não aceitaram pagar.”

A derrota da medida expôs o poder de veto do Congresso em relação a políticas que enfrentam interesses de grupos econômicos poderosos e o desgaste do governo em construir uma base sólida para aprovar pautas sensíveis no campo fiscal.


Críticas e desafios ao discurso de Lula

O apelo simbólico

A fala de Lula tem forte apelo simbólico: reposiciona o governo como defensor do povo e desafia elites econômicas em nome da justiça social. Em um país com um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo, a proposta de taxar super-ricos soa justa à maioria da população e reforça a imagem de Lula como presidente dos pobres.

Mas a retórica encontra barreiras institucionais e políticas. O sistema tributário brasileiro é estruturado de modo a proteger grandes patrimônios, lucros e dividendos. Alterar essas bases exige não só maioria no Congresso, mas também capacidade de enfrentamento com setores que financiam campanhas e exercem influência direta sobre as bancadas.

Resistência de interesses estabelecidos

O Congresso atual reflete correlações de força históricas: agronegócio, sistema financeiro e corporações de alto capital estão fortemente representados. Essas bancadas resistem a qualquer avanço em taxações sobre fortunas, heranças, apostas e rendimentos de capital.

Por isso, o discurso de Lula, embora justo, encontra muro político sólido. Sem articulação estratégica e pressão social contínua, propostas de taxação progressiva tendem a morrer antes de chegar ao plenário.

Entre ideal e pragmatismo

Ao simplificar a discussão ao dizer que os ricos deveriam pagar “uma merrequinha a mais”, Lula transforma um tema estrutural em linguagem popular. A comunicação é eficaz, mas esconde o tamanho do desafio técnico e político envolvido. Reformar o sistema tributário brasileiro significa mexer em privilégios seculares, e isso exige mais do que vontade política — requer correlação de forças, mobilização social e pacto institucional.


Implicações políticas e eleitorais

A crítica pública de Lula ao Congresso cumpre papel estratégico. De um lado, reafirma o compromisso do governo com a justiça fiscal e ressoa com a base popular. De outro, pressiona o Legislativo e expõe a resistência das elites econômicas.

Mas também tem custos: o discurso tende a acirrar tensões com o centrão e partidos da base, que enxergam o ataque como tentativa de transferir responsabilidades e desgastar o Parlamento diante da opinião pública.

Para o governo, o dilema é equilibrar coerência política e viabilidade institucional: manter a bandeira de justiça fiscal sem romper pontes que inviabilizem a aprovação de pautas econômicas e sociais futuras.


Conclusão: justiça fiscal como campo de batalha

A frase de Lula sobre os “super-ricos” sintetiza um dos maiores impasses do Brasil contemporâneo: a desigualdade tributária. Enquanto trabalhadores assalariados pagam altos percentuais de imposto na fonte, os detentores de grandes fortunas e lucros financeiros seguem praticamente intocados.

A tentativa de corrigir essa distorção esbarra em um sistema político moldado para preservar privilégios. A fala de Lula, portanto, não é apenas um desabafo — é um chamado ao embate estrutural entre o poder econômico e o projeto de redistribuição social.

Se essa “merrequinha a mais” tivesse sido aprovada, talvez representasse pouco em números absolutos, mas muito em valor simbólico: a ideia de que justiça social começa quando os que mais têm passam a contribuir de forma justa.

O debate, porém, continua. E o que está em jogo é mais do que uma alíquota: é o modelo de país que o Brasil quer ser — o da concentração de renda ou o da solidariedade fiscal.