Da Redação
Durante discurso na ONU, Lula acusa “genocídio” em Gaza, afirma que “o povo palestino corre o risco de desaparecer” e denuncia a “cumplicidade” dos EUA com o conflito — gesto que eleva ao ápice a deterioração das relações entre Brasil e Israel.
O discurso proferido por Luiz Inácio Lula da Silva nas Nações Unidas nesta semana marca uma guinada firme e explícita na postura brasileira em relação ao conflito Israel-Palestina — uma mudança que muitos analistas definem como o momento mais grave das relações diplomáticas entre Brasil e Israel em décadas. Lula denunciou que “o povo palestino corre o risco de desaparecer”, acusou Israel de “genocídio” e responsabilizou os Estados Unidos pela “cumplicidade” no conflito.
Em um tom mais agressivo do que o adotado até então, o presidente afirmou que a ofensiva sobre Gaza não pode ser vista apenas como uma guerra convencional, mas um evento de proporções quase “históricas”. Ao mesmo tempo, pediu solidariedade internacional e defesa da população civil contra destruição massiva. O gesto sinaliza que o Brasil não pretende mais adotar uma postura comedida ou neutra, mas sim situar-se como voz ativa contra o que considera violações graves de direitos humanos.
O impacto diplomático já se desenha — desde 2024, a relação vinha se deteriorando por episódios de críticas, comparações com o nazismo e recusa a reaproximação formal. A Israel, Lula já foi declarado “persona non grata”. A retirada do embaixador brasileiro e a recusa do Brasil em conceder agrément ao novo representante israelense intensificaram o impasse. Essa escalada culmina agora num momento em que o choque retórico ultrapassa os limites tolerados do jogo diplomático tradicional.
Dentro do Itamaraty, militares da diplomacia prepararam notas duras de protesto e instruções para interlocuções externas em tom de contingência. Países do mundo árabe já manifestaram apoio à declaração do presidente, posicionando o Brasil como aliado visível da causa palestina em fóruns multilaterais. Por outro lado, em reuniões reservadas, diplomatas expressam apreensão: o risco de retaliação em acordos econômicos e em cooperação tecnológica é concreto, sobretudo se Israel e seus aliados interpretarem o gesto como rompimento da linha histórica de equilíbrio brasileira.
Para atores externos, a mensagem é clara: Lula quer reposicionar o Brasil no tabuleiro geopolítico global como uma potência de discurso moral, disposto a cobrar sanções e responsabilizações. Há potencial simbólico de efeito para fortalecer alianças latino-africanas, firmar pontes com nações islâmicas e reforçar o protagonismo nas instâncias da ONU, como Conselho de Direitos Humanos e debates sobre crimes de guerra.
No cenário interno, o discurso tende a provocar divisões: apoiadores do governo veem a fala como coerente com uma política externa mais assertiva e com valores de solidariedade; opositores acusam exagero, risco de retaliação diplomática e prejuízo à segurança nacional. Parlamentares favoráveis a acordos comerciais com Israel já manifestaram desconforto, defendendo que o Brasil preserve canais de interlocução pragmáticos.
No plano prático, o governo brasileiro ainda controla as pontes diplomáticas. A embaixada brasileira em Israel permanece aberta, ainda que sem um embaixador titular. O Brasil não formalizou ruptura completa de relações, preferindo manter a possibilidade de diálogo — ainda que no limite da tensão. Isso dá margem para manobras de reversão ou escalada, dependendo dos próximos passos de ambas as partes.
Cabe monitorar três frentes decisivas: primeiro, o posicionamento do parlamento israelense e do governo Netanyahu, que já reagiram duramente a declarações anteriores; segundo, se aliados internacionais intervirão para mediar ou aumentar a pressão (como União Europeia, países árabes e os EUA); terceiro, qual será a resposta brasileira em fóruns internacionais, especialmente se for proposta investigação sobre crimes de guerra ou sanções unilaterais.
O momento, portanto, pode ser lido como um divisor de águas: ou a relação bilateral será empurrada para um impasse institucional irreversível, ou o recuo diplomático ocorrerá com cálculo para preservar canais estratégicos. Mas é inegável que Lula lançou um novo patamar na disputa simbólica do conflito — e que os ecos disso ainda serão sentidos nas arenas de poder global e no tabuleiro doméstico brasileiro.