Atitude Popular

Milei em xeque: mídia brasileira e mercados reconhecem fracasso parcial do plano econômico

Da Redação

Derrota eleitoral, fuga de investidores e denúncias políticas transformaram o teste inicial do “remédio de choque” econômico argentino em crise política e desafio para aliados externos; analistas avaliam consequências sociais e riscos de reviravolta nas políticas de austeridade.

O que parecia, para apoiadores fervorosos, um laboratório de “choque de mercado” capaz de recolocar a Argentina nos trilhos, hoje se transformou em uma tempestade política: a mídia brasileira — entre outros veículos internacionais — já aponta para sinais de fracasso parcial do plano econômico do presidente Javier Milei. Em pouco tempo, as medidas que prometiam domar a inflação, abrir a economia e reduzir o Estado têm gerado mais custos políticos do que ganhos eleitorais, numa encruzilhada que mistura economia, legitimidade democrática e geopolítica.

O recuo de apoio materializou-se nas urnas. Em pleito recente na província de Buenos Aires, considerado termômetro do humor nacional, a coalizão ligada a Milei sofreu revés contundente — um sintoma de que o eleitorado não aceita integralmente a agenda de choque sem amortecedores sociais mais robustos. A derrota nas urnas reverberou imediatamente nos mercados: índices acionários e ativos argentinos registraram forte volatilidade, reflexo da perda de confiança e do temor de que reformas sejam travadas por um Congresso hostil.

A política econômica de Milei — marcada por cortes profundos, privatizações e mensagens radicalmente antissindicais e antipolíticas — teve resultados mistos. Houve desempenho macroeconômico que animou setores financeiros: inflação em queda em relação aos picos hiperinflacionários do passado recente e sinais de ajuste nas contas públicas. Mas esses ganhos foram, para muitos observadores, insuficientes para compensar o choque social imediato: desemprego setorial, perda de renda real para parcelas vulneráveis e sensação de desproteção que alimentou protestos e perda de capital político. A tensão entre ganhos macro e custos sociais tornou-se o nó central do diagnóstico.

Do ponto de vista externo, a sobrevivência do plano passou a depender de apoios diplomáticos e financeiros que transcendem Buenos Aires. Relatos recentes sobre negociações com atores internacionais — inclusive diálogos de alto nível com autoridades dos Estados Unidos e propostas de linhas de liquidez ou swap cambial — indicam que a dimensão econômica virou também uma disputa geopolítica, com implicações para a autonomia política argentina. O anúncio de possíveis mecanismos de socorro surge como tentativa de estabilizar os mercados e dar fôlego político à administração, ainda que gere críticas internas sobre soberania e dependência.

A credibilidade do projeto liberal de Milei sofreu outro desgaste: denúncias políticas e escândalos que atingem pessoas próximas ao Palácio somaram-se ao revés eleitoral, ampliando a narrativa adversária de que a agenda de “arrumação” foi conduzida sem transparência e com custos distributivos desiguais. Isso facilita o discurso opositor, capaz de consolidar bloqueios no Congresso e de articular respostas que neutralizem medidas presidenciais por meio de instrumentos institucionais. Enquanto o Executivo tenta manter o rumo, a capacidade de governar em paz social e com estabilidade política ficou fragilizada.

Os analistas econômicos que seguem a Argentina destacam que há três vetores que explicam a atual erosão do consenso pró-reforma: a velocidade e brutalidade dos cortes, que geram perdas reais de renda em serviços públicos essenciais; a dependência do país em capital externo e em expectativas favoráveis para que reformas produzam retornos rápidos; e a politização de medidas tecnocráticas, que exigiam amarras negociadas com atores sociais e que, na prática, receberam resistência institucional. Sem uma agenda de compensação social e política, reformas técnicas se transformam em catalisadores de crise.

Há, entretanto, nuances importantes que complicam leituras simplistas de “fracasso total”. Alguns indicadores macroeconômicos mostram avanços que não podem ser imediatamente descartados: inflação em queda relativa ao período de hiperinflação, redução de déficits em linha com cortes fiscais e sinais de abertura para certos fluxos de investimento. Esses números sustentam a tese governista de que o ajuste está funcionando, apenas dependendo de paciência e de um quadro político menos adverso para produzir efeitos distributivos positivos de médio prazo. O dilema é que a paciência eleitoral raramente acompanha os calendários da estabilização macro.

As opções à disposição do governo são limitadas e politicamente custosas. Uma guinada para políticas mais mitigadoras exigiria recursos que contrariam o diagnóstico liberal estrito e poderia alienar mercados; manter o curso sem concessões pode aprofundar o isolamento político e ampliar protestos sociais. Em termos práticos, a administração pode optar por negociar com o Congresso pacotes compensatórios, aceitar condicionalidades mais explícitas em trocas com credores externos ou acelerar privatizações como forma de angariar receitas — cada escolha traz seus riscos e custos eleitorais.

Para a região, o caso argentino tem efeitos demonstráveis. Instabilidade econômica em Buenos Aires repercute nos mercados regionais, afeta fluxos comerciais e reabre debates sobre modelos de desenvolvimento em países da América Latina. A polarização interna argentina também reordena alinhamentos externos: apoios e reprovações internacionais ganham peso na narrativa doméstica, e decisões sobre ajuda ou intervenções financeiras passam a ser interpretadas em chave geopolítica. Além disso, lições práticas são extraídas por governos vizinhos sobre como combinar reformas com blindagens sociais para evitar desgaste político.

Em síntese, a manchete que hoje circula nas redações de que o plano econômico de Milei já mostra sinais de fracasso é uma síntese parcial e plausível: há ganhos macroeconômicos que convivem com fragilidade política grave, retrocessos eleitorais e críticas sociais que minam a governabilidade. O resultado imediato é uma administração que precisa ganhar fôlego político, ajustar rota de comunicação e, talvez, calibrar medidas para reduzir custos sociais sem perder a confiança dos mercados. Se não o fizer, o risco é que o experimento liberal se traduza em instabilidade prolongada e em reversões que comprometam o legado do atual governo.