Jornalista e escritor Francisco Bezerra apresenta obra de 504 páginas sobre a trajetória do santo do povo, do suposto milagre de 1889 ao atual processo de beatificação
Padre Cícero 180 Anos, O Santo do Povo é o ponto de partida de uma conversa sobre fé, história e política na região do Cariri. A entrevista, concedida por Francisco Bezerra no Café com Democracia e apresentada por Luiz Regadas na TV Atitude Popular, é a base desta reportagem. O autor, conhecido como Bezerrinha, revisita a vida do sacerdote cearense e o significado de Juazeiro do Norte para milhões de romeiros no Nordeste e no Brasil
Bezerra sustenta que a consagração popular de Padre Cícero não se explica apenas por um episódio sobrenatural. Ao rememorar a polêmica da hóstia que teria se transformado em sangue em 1889 e as comissões eclesiásticas que dividiram opiniões, ele reforça o papel social do sacerdote, que, impedido de exercer plenamente o ministério, passou a atuar como conselheiro e articulador político. “O grande milagre do Padre Cícero foi ter construído o Juazeiro”, resume o escritor, ao destacar a centralidade da cidade para as romarias, para a economia local e para a identidade religiosa nordestina
A entrevista sublinha marcos do reconhecimento eclesiástico. Segundo Bezerra, o processo foi reaberto em 2001 e culminou na reabilitação do sacerdote em 2015. Agora, a etapa é a beatificação, com uma comissão ligada à Diocese do Crato responsável por reunir documentação histórica e relatos que embasem o procedimento no Vaticano. Para o autor, o caminho reflete tanto a força do catolicismo popular quanto as tensões com a hierarquia, em um período em que a Igreja busca dialogar com mudanças culturais e a expansão de outras denominações
A obra apresentada por Bezerra tem 504 páginas, 18 capítulos e é bilíngue em português e inglês. O livro combina narrativa histórica, cordel de Geraldo Amanso e uma peça teatral de Ricardo Guilherme, além de material complementar acessado por QR codes, com músicas, imagens de romarias e registros audiovisuais. O volume inclui ainda cadernos sobre penitentes e um conjunto de “mandamentos” atribuídos a Padre Cícero voltados à preservação ambiental, evidenciando a antecipação de pautas que hoje ganham centralidade no debate público
O autor situa Juazeiro como polo religioso e social. São quatro grandes romarias anuais, com destaque para a de Nossa Senhora das Dores em setembro, que atrai multidões. Ao narrar a história da cidade e sua emancipação em 1911, Bezerra recorda a habilidade conciliadora de Padre Cícero e a frase em que sintetiza pertencimento e missão. A leitura proposta pelo escritor costura a devoção popular, as transformações urbanas e os fluxos de peregrinos, oferecendo uma narrativa que ultrapassa a controvérsia do milagre e alcança a construção de um território de fé
O livro também recupera o contexto político e eclesial do fim do século XIX e início do XX, quando posições ultramontanas se chocaram com expressões de religiosidade sertaneja, muitas vezes rotuladas a partir de preconceitos regionais. Ao mesmo tempo, o texto realça o diálogo do sacerdote com práticas de organização comunitária e assistência aos pobres, traço que ajudou a fixar sua imagem como santo do povo, independentemente do reconhecimento formal
Na entrevista, Bezerra abre o bastidor editorial, explica a colaboração de pesquisadores e artistas e defende ampla difusão do conteúdo, inclusive em formato digital, para alcançar escolas, romeiros e estudiosos. A proposta é que o livro sirva de referência para novas gerações, preservando memória e interpretando a atual fase do processo canônico
Ao final, a mensagem é de continuidade. A beatificação depende de critérios e trâmites próprios, mas a santidade já se manifesta no afeto popular e na obra concreta de Juazeiro. Entre história, fé e política, a figura de Padre Cícero segue mobilizando cultura, economia e devoção no Nordeste, tema que o Café com Democracia trouxe ao centro do debate e que a obra de Francisco Bezerra organiza com fôlego, documentação e cuidado editorial
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