Atitude Popular

“O interregno é quando o velho não morre e o novo ainda não consegue nascer”

Boaventura Monjane analisa crise política em Moçambique e alerta para o futuro da democracia

O programa Café com Democracia, da TV e Rádio Atitude Popular, recebeu nesta semana o jornalista, pesquisador e doutor em Sociologia Boaventura Monjane para discutir seu livro O interregno moçambicano: a crise política e o futuro da democracia. A obra, lançada em Maputo e com previsão de chegada ao Brasil no final de setembro, traça uma radiografia da instabilidade política que atravessa Moçambique desde as eleições de 2024.

Inspirado no conceito de Antonio Gramsci, Monjane define o atual cenário como um “interregno”, período em que o regime histórico da Frelimo, partido no poder desde a independência em 1975, revela sinais de esgotamento sem que novas forças políticas consigam se consolidar. “O interregno é quando o velho não morre e o novo ainda não consegue nascer”, sintetizou o autor.

A juventude e o levante popular

O pesquisador destacou o protagonismo dos jovens na contestação ao regime, impulsionado pela falta de oportunidades e pela repressão estatal. O rapper Azagaia, morto em 2023, foi lembrado como símbolo de resistência cultural capaz de mobilizar multidões contra a corrupção e o neoliberalismo. Após sua morte, manifestações populares foram duramente reprimidas, resultando, segundo Monjane, em centenas de assassinatos cometidos pelas forças de segurança.

Nesse contexto, emergiu a candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, que conquistou apoio expressivo da juventude e reivindicou vitória nas eleições de outubro de 2024, oficialmente atribuídas novamente à Frelimo. A crise se agravou com denúncias de fraude, perseguições políticas e a fuga temporária de lideranças oposicionistas.

Da revolução ao neoliberalismo

Monjane lembrou que a Frelimo nasceu como movimento progressista de orientação marxista-leninista, responsável pela independência de Moçambique em 1975 e pela implantação de políticas socialistas. No entanto, guerras financiadas pela CIA, o regime do apartheid sul-africano e a pressão de organismos internacionais levaram o país a adotar o neoliberalismo a partir do fim dos anos 1980.

“O partido foi se transformando até se tornar uma força guiada pela bússola neoliberal, alinhada ao capital global e abrindo o país ao extrativismo mineral em larga escala”, explicou. Essa guinada, segundo ele, aprofundou desigualdades e usurpou terras camponesas, enfraquecendo ainda mais o tecido social.

O desafio democrático

O livro dedica capítulos à reflexão sobre o diálogo nacional e os riscos de sua cooptação pelo regime. Para Monjane, é preciso vigilância para que processos de negociação não resultem apenas no fortalecimento do poder estabelecido. Ele defende ainda a despartidarização dos órgãos eleitorais e a modernização do sistema de votação, hoje vulnerável a manipulações.

“O futuro da democracia moçambicana depende da refundação do processo democrático e da participação cidadã permanente, não apenas durante as eleições”, afirmou. O autor também ressaltou a necessidade de consciência ideológica entre os jovens: “A ocupação das ruas não basta. É preciso clareza política, engajamento progressista e organização para que as conquistas não sejam entregues ao populismo”.

Presença internacional e solidariedade

Embora a influência direta dos Estados Unidos em Moçambique não se compare à ofensiva contra países como Brasil e Venezuela, Monjane alerta para a pressão exercida pelo Banco Mundial e pelo FMI, além do interesse estratégico nos recursos minerais fundamentais para a transição energética.

Ao final da entrevista, o pesquisador fez questão de expressar solidariedade ao povo brasileiro diante do atual cenário de ataques à soberania nacional. “A união das forças progressistas é fundamental, porque se trata de defender o futuro conquistado com muita luta e sangue”, declarou

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