Em entrevista ao Café com Democracia, Adalberto Alencar explica como Fortaleza pretende enfrentar adensamento, mobilidade, risco climático e saneamento no novo marco urbanístico
Fortaleza corre para atualizar o seu plano diretor, vigente desde 2009, e levar uma nova proposta à Câmara Municipal até o início de novembro. A definição foi apresentada por Adalberto Alencar, diretor de Planejamento do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza, em conversa com Luiz Regadas no programa Café com Democracia, da Rádio e TV Atitude Popular, que tem mobilizado audiências públicas temáticas, oficinas e escutas setoriais para consolidar diretrizes para a próxima década
“O plano diretor pode muito, mas não pode tudo”, resumiu Alencar, ao explicar que o instrumento define zoneamento, indicadores e ações estratégicas, além de orientar leis complementares, mas convive com contratos e competências de outras esferas, como no saneamento básico, hoje sob responsabilidade da companhia estadual e de parcerias firmadas por ela. Segundo o diretor, a proposta será construída com base em dois ciclos de audiências públicas, uma conferência com cerca de 600 delegados e a sistematização técnica do material coletado
Calendário e temas em debate
O processo participativo já discutiu áreas de risco e mudanças climáticas, ambiente natural, cidade construída e centralidades, além de patrimônio cultural. “É a primeira vez que Fortaleza incorpora áreas de risco ao plano diretor”, destacou. A Defesa Civil municipal, em reestruturação, mapeou vulnerabilidades como inundações, desabamentos, riscos tecnológicos e de abastecimento, com apoio de universidades e fundações de pesquisa. A etapa seguinte prevê ampliar o diagnóstico e propor medidas de mitigação com base comunitária
A pauta do patrimônio cultural ganhou força com a presença de moradores, como os da Vila Vicentina, que reivindicam reconhecimento formal do território. A proposta em elaboração encaminha a consolidação da área como bem cultural, com preservação e regras de ocupação compatíveis
Saneamento, o nó que exige coordenação
Questionado sobre a baixa cobertura nas periferias e os lançamentos irregulares que mancham de esgoto a orla durante as chuvas, Alencar foi direto: “A prefeitura fiscaliza e acompanha, mas a expansão da rede está sob contrato com a companhia estadual”. Ele informou que o município cobrará metas e cronogramas, inclusive porque cobertura de rede não significa ligação efetiva do domicílio ao sistema, um gargalo que precisa de políticas de indução e tarifa social
Mobilidade, adensamento e a cidade dos corredores
A mobilidade aparece como eixo estruturante do novo desenho urbano. Corredores como Zé Bastos, João Pessoa, Leste-Oeste, Washington Soares e o eixo Parangaba concentram a diretriz central: “adensar onde já existe infraestrutura de transporte e serviços”, aproximando moradia, trabalho e equipamentos públicos. O objetivo é reduzir deslocamentos longos, ampliar a eficiência do transporte coletivo e viabilizar financeiramente os sistemas de média e alta capacidade
O diretor chamou atenção para uma transformação em curso: “Houve queda de 40 a 50 por cento no número de usuários de ônibus nos últimos anos”, associada à explosão de aplicativos de carros e motos, o que asfixia empresas de ônibus e torna urgente uma nova política tarifária. Entre as ideias em debate, tarifa zero em fins de semana, reconfiguração de linhas para integração real com metrô e VLT, e priorização de corredores de ônibus sem concorrência nas mesmas avenidas dos trilhos. “Metrô e ônibus não podem se canibalizar”, alertou
Trilhos, bicicletas e segurança viária
Sobre os trilhos, o recado foi pragmático. Metrôs são obras caras e lentas, por isso a cidade precisa concluir o que está em execução, expandir VLTs elétricos e, sobretudo, adensar os eixos já servidos para aumentar a demanda. “Nos horários fora do pico, boa parte da linha é subutilizada”, disse, defendendo estímulos à moradia e a atividades econômicas nos entornos das estações
As bicicletas ganharam capítulo próprio. Em doze anos, Fortaleza construiu rede cicloviária e um sistema de compartilhamento incorporado ao hábito de deslocamento. “Centenas de milhares de pessoas já pedalam, inclusive com bicicletas públicas”, afirmou, ao defender arborização, conexões seguras e expansão da malha. Para motos, a gestão estuda faixas azuis, buscando reduzir colisões e conflitos com ciclistas e pedestres
Centralidades e cidade de curtas distâncias
O novo plano reforça centralidades como Parangaba e Benfica, onde comércio, serviços e equipamentos formam subcentros capazes de reduzir a dependência do deslocamento diário ao Centro. A orientação é estimular usos mistos, qualificar calçadas, ordenar o uso do solo e densificar com habitação de interesse social, evitando expulsão de moradores e especulação
Agroecologia urbana e segurança alimentar
Uma inovação anunciada por Alencar é a criação de um Sistema de Agroecologia Urbana, com oficina pública já agendada e incorporação das propostas no texto do plano. A iniciativa articula agricultura urbana, hortas comunitárias, feiras locais e políticas de segurança alimentar, integrando combate à fome, cadeias curtas de abastecimento e valorização de saberes alimentares tradicionais. “Fortaleza vai reconhecer e ampliar a agricultura urbana sustentável como política pública”, afirmou
Próximos passos e decisão política
Após o segundo ciclo de audiências e a conferência com delegados, o texto final segue para a Câmara Municipal, onde poderá receber ajustes e emendas antes da votação. A intenção do Executivo é sancionar ainda este ano. “Cabe à prefeitura consolidar tecnicamente, à Câmara deliberar e ao prefeito sancionar”, resumiu Alencar, frisando que a implementação exigirá novas leis, pactos com o governo do Estado e contratos revisados com operadores de serviços essenciais
O desafio, segundo o diretor, é casar ambição e viabilidade. Um plano diretor não substitui políticas setoriais, mas pode reorganizar prioridades, proteger territórios vulneráveis, orientar investimentos e colocar a vida das pessoas no centro da cidade que se quer construir nos próximos dez anos
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