Eduardo Bolsonaro quer transformar o pai em mártir e assumir dos EUA o papel de líder da extrema-direita latino-americana exilado nos EUA e sob a proteção de Trump
Por Reynaldo Aragon
Enquanto Jair Bolsonaro se afunda em processos e vigilância permanente, Eduardo articula em Washington um plano ousado: posar de exilado político, manter direitos eleitorais e disputar a Presidência em 2026 com o apoio direto de Donald Trump e da máquina de guerra híbrida norte-americana.
O novo tabuleiro
O bolsonarismo entrou em sua fase terminal. Jair Bolsonaro, outrora centro da engrenagem de desestabilização política no Brasil, hoje vive sob vigilância policial 24 horas por dia, considerado risco de fuga pela Justiça e cada vez mais isolado. O homem que se projetou como mito para as massas conservadoras tornou-se um cadáver político em vida: cercado por processos, desacreditado por aliados e visto até por seus filhos como um fardo disfuncional. Nesse cenário de decadência, emerge um novo eixo de poder: Eduardo Bolsonaro, que opera de Washington a engenharia política para transformar a derrocada do pai em capital estratégico.
Não se trata de mera sucessão familiar. O projeto é claro e calculado: com o pai preso e convertido em mártir, Eduardo se posiciona como o herdeiro legítimo e o operador externo de um plano que combina narrativa de perseguição, articulação internacional e guerra híbrida. Ele veste o figurino de exilado político para manter viva a chama do bolsonarismo e, ao mesmo tempo, abrir caminho para disputar a Presidência de 2026. O novo tabuleiro não tem Bolsonaro no comando, mas sim o filho que aposta tudo em se tornar o “Guaidó brasileiro” sob tutela direta dos Estados Unidos.
O projeto do mártir-exilado
A engrenagem de Eduardo Bolsonaro gira em torno de um cálculo frio: o pai condenado e preso é mais útil politicamente do que solto. Jair Bolsonaro no cárcere, humilhado e transformado em símbolo de “perseguição”, alimenta a narrativa de vitimização que sustenta a extrema-direita. Para que essa dramaturgia funcione, Eduardo precisa preservar os próprios direitos políticos — não pode ser cassado. Afastado da Câmara por faltas, mas sem processo de cassação, ele mantém a prerrogativa de concorrer à Presidência em 2026, mesmo vivendo nos Estados Unidos.
É esse o desenho: Jair, o mártir encarcerado no Brasil; Eduardo, o “exilado perseguido” nos EUA, erguendo-se como líder legítimo da resistência conservadora. O roteiro se apoia no modelo exportado por Washington em experiências anteriores, como a tentativa de transformar Juan Guaidó em presidente paralelo da Venezuela. A diferença é que, no caso brasileiro, Eduardo não se coloca como uma sombra: ele busca assumir diretamente o papel de sucessor, projetando-se como estadista internacional enquanto mobiliza, à distância, sua base interna.
Ao manter viva a chama do bolsonarismo sob a roupagem do sacrifício, Eduardo aposta em duas frentes: consolidar-se como figura central da extrema-direita latino-americana e, ao mesmo tempo, oferecer aos Estados Unidos um ativo estratégico para frear o Brasil soberano, regulador e próximo dos BRICS. O mártir, portanto, não é Jair — é o projeto de poder que Eduardo ergue sobre a decadência do pai.
Washington como quartel-general
Desde março de 2025, Eduardo Bolsonaro fez dos Estados Unidos o centro de sua operação política. De licença do Congresso brasileiro, transferiu-se para Washington não como um parlamentar ausente, mas como um lobista ativo contra o próprio país. Ali construiu um bunker de articulações com Donald Trump, Steve Bannon e a rede ultraconservadora global que conecta think tanks, igrejas e plataformas digitais. Seu discurso é sempre o mesmo: o Brasil estaria vivendo uma “ditadura judicial”, e somente a pressão internacional poderia restaurar a “liberdade” no país.
A tática é clara: pressionar o sistema político e econômico americano a agir contra o Brasil. Eduardo já defendeu abertamente sanções via Lei Magnitsky contra ministros do Supremo, tarifas comerciais de até 50% e medidas punitivas contra setores estratégicos brasileiros. Esse lobby não é apenas retórico — encontra ressonância direta no trumpismo e em parte do Congresso republicano, que abraçam a narrativa de que a derrota de Jair Bolsonaro em 2022 teria sido resultado de fraude.
É nesse espaço que Eduardo ensaia seu papel de “presidente no exílio”. Assim como Guaidó na Venezuela, ele aposta em ser reconhecido como o líder legítimo de uma “nação sequestrada pelo globalismo”. A diferença é que, no caso brasileiro, Eduardo carrega a máquina de comunicação da família, os laços com redes internacionais da extrema-direita e a promessa de alinhar o Brasil a Washington em troca de apoio irrestrito. Washington não é apenas o refúgio de Eduardo — é o quartel-general de uma guerra híbrida em andamento.
A engrenagem da guerra híbrida
O método é simples e brutal: pressão externa para enquadrar instituições brasileiras, combinada à narrativa de vitimização e a uma economia do caos. Em Washington, Eduardo Bolsonaro opera para acoplar o contencioso doméstico a instrumentos de poder dos Estados Unidos — sanções pessoais via Magnitsky contra ministros, tarifas punitivas contra o país e campanhas coordenadas de deslegitimação do processo judicial. Em julho e agosto, a Casa Branca impôs tarifa de 50% a importações do Brasil e aplicou restrições de visto a Alexandre de Moraes, medidas que o próprio Eduardo vinha defendendo como forma de “forçar concessões” do Supremo. Essas ações, amarradas a um discurso político sobre “perseguição” a seu pai, são peças de lawfare transnacional com impacto econômico real.
No plano penal, há fatos objetivos: a Polícia Federal indiciou Jair e Eduardo Bolsonaro por obstrução de justiça e coação no caso do golpe, descrevendo tentativa de interferência no curso do julgamento, inclusive por meio de articulações para sanções estrangeiras contra autoridades brasileiras. O inquérito vincula a atuação de Eduardo nos EUA a uma estratégia para constranger STF, PGR e PF, enquanto o processo-mãe contra Jair reúne acusações que vão de organização criminosa a tentativa de abolir o Estado democrático de direito.
Essa engrenagem se apoia em linguagem beligerante e corrosiva que não começou agora. Em 2018, Eduardo afirmou que “basta um soldado e um cabo para fechar o STF”; em 2019, defendeu a hipótese de um “novo AI-5” diante de uma suposta radicalização da esquerda. Mesmo com recuos táticos, as declarações são marcos de normalização do autoritarismo e funcionam como gatilhos de mobilização cognitiva nas bases.
Completa o quadro o racha estratégico na direita: mensagens internas e movimentos públicos expõem o conflito de Eduardo com Tarcísio de Freitas e outras lideranças do PL. Essa fragmentação não é um acidente; ela reordena a coalizão para posicionar Eduardo como “único” intérprete do ressentimento bolsonarista, ao mesmo tempo, em que maximiza a utilidade do pai como mártir doméstico sob vigilância e à beira de condenação.
Racha na extrema-direita
O que parecia um bloco monolítico começa a se desfazer. O bolsonarismo, que sempre se sustentou na lógica do “um líder, uma voz”, hoje se divide entre facções em disputa. No centro da fragmentação está Eduardo Bolsonaro, em confronto direto com Tarcísio de Freitas e setores do PL. O embate não é apenas de vaidades, mas de estratégia: Tarcísio tenta se afirmar como alternativa “palatável” à elite econômica e ao centrão, enquanto Eduardo radicaliza a narrativa conspiratória e se apresenta como único herdeiro legítimo da base ideológica.
A revelação de mensagens internas entre Jair Bolsonaro e aliados escancarou o clima de animosidade. No entorno do ex-presidente, cresce a percepção de que Eduardo não vê mais o pai como liderança, mas como um trunfo sacrificial. Esse distanciamento aprofunda a divisão e amplia o ressentimento dentro da própria família política. Ao mesmo tempo, governadores alinhados ao bolsonarismo, pressionados pelas responsabilidades administrativas, evitam aderir integralmente às teses incendiárias de Eduardo, o que gera fissuras na narrativa unificada da extrema-direita.
O resultado é um campo em ebulição: de um lado, a direita “institucional”, que aposta em figuras como Tarcísio para preservar espaço no tabuleiro político; de outro, Eduardo e sua rede internacional, que preferem incendiar as pontes para manter viva a chama do ressentimento. A fragmentação não enfraquece o projeto — pelo contrário, o fortalece na medida em que Eduardo se reposiciona como a voz mais radical, mais “autêntica” e, sobretudo, mais alinhada aos interesses estratégicos dos Estados Unidos.
Os interesses em jogo
Por trás da narrativa de perseguição e do teatro do martírio, o que se move são interesses geopolíticos e econômicos de larga escala. Para os Estados Unidos e para as elites conservadoras globais, Eduardo Bolsonaro é a peça ideal: jovem, articulado internacionalmente, capaz de falar a língua do trumpismo e de oferecer garantias de alinhamento irrestrito à agenda neoliberal e de segurança ocidental. Seu projeto político não se limita ao Brasil — é parte de uma engrenagem que busca desmontar qualquer ensaio de soberania no Sul Global.
O alvo imediato é claro: o BRICS e a aproximação brasileira com a China. Um Brasil fortalecido no bloco multipolar significa menos dependência do dólar, mais margem de manobra diplomática e uma ameaça direta ao domínio geoeconômico norte-americano. Para Washington, portanto, é vital ter no poder alguém disposto a sabotar esse processo. Eduardo cumpre esse papel ao se colocar como opositor aberto ao BRICS, defensor da submissão às cadeias produtivas controladas pelo Ocidente e crítico de qualquer tentativa de integração latino-americana fora da órbita dos EUA.
Além da geopolítica, há o núcleo econômico: nenhuma regulação sobre Big Techs, abertura total para fundos de investimento estrangeiros, privatizações irrestritas e a entrega do aparato digital brasileiro às plataformas controladas por conglomerados americanos. O que está em jogo não é apenas a sucessão de Bolsonaro, mas a possibilidade de reverter políticas de soberania informacional, energética e tecnológica construídas nos últimos anos.
Nesse tabuleiro, Eduardo não é apenas filho de Jair: é o emissário de uma aliança entre extrema-direita global e capital financeiro internacional, pronto para transformar o Brasil em uma praça aberta de experimentação neoliberal e de guerra híbrida permanente.
O fantoche e o risco estratégico
Jair Bolsonaro, outrora símbolo da extrema-direita no Brasil, já não passa de um cadáver político em movimento. Vigiado, à beira da condenação e visto até pelos filhos como um fardo, ele se converteu em peça descartável. Sua função agora é encarnar o papel de mártir: o velho líder preso e decadente, utilizado como combustível simbólico para manter viva a narrativa de perseguição.
O verdadeiro operador do projeto é Eduardo Bolsonaro. De Washington, ele se apresenta como “presidente no exílio”, articula com o trumpismo, pressiona por sanções contra o Brasil e organiza uma estratégia de guerra híbrida que combina lobby externo, sabotagem econômica e manipulação simbólica. Sua ambição é ocupar o espaço deixado pelo pai e se tornar o eixo da extrema-direita latino-americana, com o aval das elites conservadoras globais.
A ameaça é dupla: de um lado, a desestabilização interna, alimentada por divisões calculadas na direita e pela retórica de ódio; de outro, a captura externa, que busca alinhar o Brasil aos interesses de Washington, desmontar o BRICS e paralisar qualquer agenda de soberania. Eduardo não é uma figura caricata ou isolada: é um fantoche útil, moldado para transformar o país em plataforma de guerra híbrida permanente.
O risco estratégico é claro. Subestimar Eduardo Bolsonaro, como muitos fizeram no passado, é ignorar que sua atuação está inserida em uma engrenagem global de poder que já produziu mártires, exílios fabricados e presidentes paralelos. A luta central não é apenas contra uma família em decadência, mas contra um projeto imperial que utiliza o martírio como arma para corroer a democracia brasileira.
Artigo publicado originalmente em <código aberto>