Atitude Popular

“O projeto neofascista não é enganar, é destruir a realidade”

Para a filósofa Marcia Schuback, entrevistada no programa Democracia no Ar, vivemos uma mutação dos tempos marcada pela ambiguidade e pela corrosão da linguagem democrática

O programa Democracia no Ar, transmitido pela TV e Rádio Atitude Popular, recebeu nesta quinta-feira (21) a filósofa Marcia Schuback, professora titular do Departamento de Filosofia da Universidade de Södertörn, na Suécia, onde atua desde 1999. A entrevista, conduzida por Sara Goes e comentada por Sandra Helena, abordou o tema “Mentira e realidade, as novas faces do fascismo”.

Logo no início, Sandra Helena ressaltou a urgência do debate diante do genocídio palestino e da forma como a cobertura midiática internacional trata a violência. Para ela, o noticiário sobre Gaza expõe a banalização da tragédia: “É como se fosse mais uma notícia entre tantas, sem indignação, sem a gravidade que vimos, por exemplo, na cobertura do 11 de Setembro”.

Marcia Schuback respondeu que o mundo já não vive um período de transição, mas sim uma “mutação dos tempos”, em que categorias clássicas de compreensão já não dão conta da realidade. “Estamos todos de olhos abertos diante das telas, mas não vemos o que está acontecendo. A destruição se dá em tempo real, diante de nós, sem mediações”, afirmou.

A filósofa destacou que o fascismo atual difere do histórico pela técnica de “ambiguização de todos os sentidos”. Se antes o totalitarismo se fundava na univocidade — a imposição de um único significado — hoje a manipulação está na sobreposição de sentidos, na sujeira e na redundância das palavras. “Não se trata mais apenas de mentir, mas de esvaziar a própria ideia de realidade. O projeto neofascista não é enganar, é destruir a realidade”, explicou.

Segundo Schuback, isso se expressa em fenômenos como a apropriação do termo liberdade de expressão. “Dizer qualquer coisa, inclusive incitar ódio, passa a ser justificado como liberdade. Mas, nesse processo, destrói-se tanto o sentido de liberdade quanto o de expressão. É um fascismo da ambiguidade que corrói a linguagem pública e a convivência democrática”, analisou.

A professora também recuperou conceitos da filosofia política moderna para situar a democracia como um espaço de abertura permanente. Citando Claude Lefort, lembrou que a democracia é um “vazio simbólico”, sempre em disputa. “Quem diz ‘eu sou um democrata’ já está a um passo do fascismo. A democracia é sempre por vir, um trabalho constante de criação coletiva”, defendeu.

A entrevista trouxe ainda referências a autores como Hannah Arendt, Mark Fisher e Christoph Türcke, articulando crítica filosófica e análise da sociedade digital. Para Schuback, a lógica da distração concentrada e a mercantilização de todas as dimensões da vida contribuem para um cenário em que até a existência humana se torna redundante. “Hoje assistimos não apenas à destruição da memória ou das possibilidades futuras, mas da própria presença, da sensação de existir”, concluiu.

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