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“Ordem internacional já não existe como conhecíamos”, diz Celso Amorim

Da Redação

Em entrevistas e artigos recentes, o assessor presidencial Celso Amorim afirma que o antigo arcabouço multilaterial entrou em colapso: rivalidades geopolíticas, tecnologias disruptivas e crises regionais criaram uma nova desordem global — e o Brasil precisa recalibrar sua diplomacia entre o Ocidente, o Sul Global e os blocos emergentes.

Celso Amorim, diplomata de carreira e assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, tem repetido em entrevistas e artigos um diagnóstico contundente: a ordem internacional que servia de referência após 1945 e que se consolidava nas décadas posteriores já não existe como a conhecíamos. Para Amorim, o período atual é marcado por múltiplas fraturas — rivalidades estratégicas mais intensas, competição ideológica e cultural, crises regionais com potencial de escalada e a erosão dos mecanismos tradicionais de governança global.

O diagnóstico não é apenas retórico: em suas análises, o ex-chanceler alerta que a soma de crises — como a guerra na Europa, os conflitos no Oriente Médio, as tensões entre China e Estados Unidos e as disputas por tecnologia e cadeias de suprimento — criou uma arquitetura internacional mais instável e imprevisível. Amorim também destaca que o aumento do protagonismo de atores não estatais, a corrida por avanços militares e digitais e a instrumentalização de questões humanitárias colocam em xeque fórmulas de cooperação que pareciam consolidadas até recentemente.

Uma das leituras centrais do assessor presidencial é política: a “era pós-ordem” favorece a emergência de agrupamentos alternativos e de protagonismos do Sul Global — entre os quais o BRICS ocupa lugar de destaque. Amorim tem defendido que países em desenvolvimento, por meio de iniciativas conjuntas, atuem como forças estabilizadoras ou pelo menos como canais de integração capazes de preencher o vazio deixado pelas escolhas unilaterais das grandes potências. A ênfase não está em antagonismo automático ao Ocidente, mas na criação de regras e projetos multilaterais mais representativos da diversidade mundial.

Esse diagnóstico importa porque muda o repertório estratégico dos Estados. Com menor previsibilidade do sistema, aumentam-se os custos de cálculo em política externa. Países exportadores de commodities, como o Brasil, enfrentam mutações rápidas nos fluxos de investimento, no acesso a mercados e nas parcerias tecnológicas, e precisam de respostas que combinem autonomia, pragmatismo e capacidade de diálogo com múltiplos polos. A fragmentação institucional também torna o manejo de crises globais — desde epidemias até conflitos regionais — mais complexo, exigindo cooperações regionais alternativas e arranjos ad hoc que muitas vezes se sobrepõem às instituições tradicionais.

No tabuleiro das disputas, Amorim chama atenção para três vetores de risco: 1) a projeção militar e a corrida por novas capacidades, incluindo drones e armamentos digitais; 2) a fragmentação econômica resultante de rivalidades e políticas protecionistas que afetam cadeias globais; e 3) o enfraquecimento das normas multilaterais, quando decisões unilaterais ou blocos regionais substituem consensos amplos. Esses vetores, segundo ele, elevam a probabilidade de choques estratégicos e de crises de difícil contenção.

Sobre como o Brasil deve reagir a essa “nova desordem”, Amorim recomenda preservar relações amplas com todos os polos relevantes — Estados Unidos, União Europeia, China, Índia —, fortalecer iniciativas do Sul Global, como o BRICS e a cooperação Sul-Sul, e investir em diplomacia preventiva em áreas temáticas como clima, saúde e segurança alimentar. A ideia é ampliar a margem de autonomia estratégica sem romper laços com parceiros tradicionais.

O diagnóstico também possui implicações internas. Para formular uma política externa eficaz num cenário de instabilidade, o Brasil precisa de capacidade técnica no Itamaraty, coerência interministerial em áreas como economia, defesa e ciência e tecnologia, além de diálogo sustentado com setores produtivos que dependem das cadeias globais. É igualmente essencial reafirmar compromissos com o direito internacional e com pactos climáticos, adaptando-os às necessidades de soberania e proteção estratégica.

Críticos ponderam que falar em “morte da ordem” pode ser exagero, já que instituições como a Organização Mundial do Comércio e tratados internacionais ainda funcionam. Para esses analistas, o que ocorre é mais uma transformação do que um colapso absoluto. Amorim reconhece esse ponto, mas insiste na urgência de reformar mecanismos de governança global para torná-los mais inclusivos e capazes de gerir rivalidades contemporâneas.

Em termos práticos, o debate gira em torno das opções que o Brasil adotará: intensificar protagonismo no BRICS, apostar em pontes com EUA e União Europeia ou tentar uma diplomacia equilibrada de “múltiplas réguas”. A escolha terá impacto direto em investimentos, em parcerias tecnológicas e na presença do país em fóruns regulatórios emergentes. Para Amorim, essa estratégia só é possível se for sustentada em critérios de soberania e de promoção do desenvolvimento.

Sua mensagem final é tanto advertência quanto chamado à ação: a “nova desordem” não precisa ser permanente, mas exige projeto político e diplomático. Países médios como o Brasil podem se tornar pontes entre mundos, fortalecendo a governança global e ampliando a voz do Sul em decisões estratégicas. A complacência com um sistema pensado como eterno, conclui Amorim, já não cabe no século XXI.