Da Redação
Pastor foi incluído em inquérito da PF que também apura a atuação de Bolsonaro e aliados; investigação conecta o ato de 3 de agosto e a prisão domiciliar do ex-presidente a uma estratégia coordenada de pressão contra o STF e autoridades
A Polícia Federal incluiu o pastor Silas Malafaia como investigado no inquérito que apura interferências contra o funcionamento do Judiciário e a tentativa de tumultuar o processo penal no qual Jair Bolsonaro responde por trama golpista. Segundo a apuração, o caso mira três crimes: coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O pastor foi o organizador do ato de 3 de agosto, quando Bolsonaro apareceu por vídeo nas redes de terceiros — episódio que levou, em 4 de agosto, à prisão domiciliar do ex-presidente.
O inquérito foi aberto em maio e centraliza frentes distintas: ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal e a outras autoridades, tumulto processual por meio de pressão pública organizada e articulações com atores estrangeiros para constranger instituições brasileiras. A inclusão de Malafaia consolida a linha de investigação de que lideranças políticas e religiosas teriam atuado de forma coordenada para deformar o curso de processos penais e deslegitimar decisões judiciais.
A decisão que levou Bolsonaro ao regime domiciliar, uma semana antes, é peça-chave do contexto: o STF apontou descumprimento de medidas que proibiam o uso de redes — inclusive por intermédio de terceiros — e impunham limites de comunicação. A PF e o STF avaliam se o ato de 3 de agosto, convocado e organizado por Malafaia, serviu como plataforma para contornar essas proibições e produzir novos fatos políticos que pressionassem o Judiciário.
No mesmo dia em que a inclusão se tornou pública, Malafaia reagiu dizendo desconhecer formalmente a investigação, afirmando não ter sido notificado e reiterando ataques ao ministro Alexandre de Moraes. A PF, por sua vez, trabalha na coleta de mídias do ato, depoimentos de organizadores e interlocutores, além da reconstrução de fluxos de comunicação digital que sustentem (ou refutem) a hipótese de ação concertada.
Do ponto de vista penal, os tipos investigados têm peso considerável. Coação no curso do processo recai sobre condutas orientadas a constranger testemunhas, réus ou autoridades; obstrução de investigação de organização criminosa alcança quem dificulta, por qualquer meio, a apuração; e a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito trata de empreitadas para impedir, com violência ou grave ameaça, o exercício dos poderes constitucionais. A caracterização exige prova de nexo entre atos públicos, discursos e a eficácia concreta de atrapalhar procedimentos.
O desdobramento imediato do caso deve envolver novas oitivas e pedidos de quebra de sigilo telemático para mapear quem planejou, financiou e executou a engrenagem comunicacional dos atos de agosto. Paralelamente, o inquérito que mira Bolsonaro e aliados entrou em fase decisiva, com alegações finais e diligências complementares, o que aumenta a sensibilidade política do entorno bolsonarista e o potencial impacto de qualquer nova prova.
Há, ainda, um componente internacional: a PF e o STF rastreiam movimentos de pressão transnacional que tentaram carimbar decisões do Supremo como “autoritarismo”, buscando respaldo de autoridades estrangeiras e sanções contra magistrados brasileiros. Essa frente sustenta a tese de uma campanha articulada que extrapola a esfera doméstica, com objetivos políticos claros.
Politicamente, a investigação sobre Malafaia abre uma frente delicada junto ao eleitorado evangélico. O pastor é um dos mais influentes líderes do segmento e funcionou, nos últimos anos, como reator e amplificador de mensagens do bolsonarismo. Se as linhas probatórias conectarem organização de atos, distribuição de tarefas e estratégia de comunicação para violar medidas judiciais, o caso tende a reposicionar responsabilidades de comando e potencializar custos para o núcleo duro da direita radical. Se não conectarem, a defesa tentará capitalizar a narrativa de vitimização e cerco judicial.
O ponto estrutural é que a investigação não discute liberdade de culto ou de expressão em abstrato; ela mira condutas específicas que, em tese, buscaram interferir no andamento de processos, embaralhar obrigações impostas pelo Judiciário e testar os limites da execução de medidas cautelares. Nesse tabuleiro, a próxima rodada será processual: diligências da PF, manifestações ao relator e, se houver robustez probatória, pedidos de novas cautelares e denúncias. Até lá, vale a presunção de inocência — e a atenção aos fatos documentados, não às narrativas.