Da Redação
No Senado, a disputa entre o PT e o PL pela presidência da nova CPI do crime organizado expõe o jogo de poder por trás da investigação das facções, milícias e operações policiais. Os dois partidos manobram para assumir o comando do colegiado, que se torna palco de disputa eleitoral, institucional e de narrativas de segurança pública.
1. O contexto da CPI
A criação da CPI do crime organizado chega em momento crítico: o Brasil vive uma das maiores crises de segurança pública da sua História recente, marcada por operações policiais de larga escala, execuções em massa e denúncias de milícias com influência em poderes locais.
A comissão tem como objetivo investigar a estruturação, expansão e funcionamento das organizações criminosas — entre elas facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) — além de avaliar a atuação de agentes públicos, possíveis vínculos entre milícias e Estado, e a lógica de segurança pública que venceu no país.
Instalada formalmente no Senado, a CPI promete convocar governadores, policiais, ex-chefes de inteligência, sobre os efeitos da chamada “guerra às facções” que virou política de Estado.
2. A disputa pelo comando: nomes e estratégias
No centro da disputa estão dois partidos: o PT, atualmente na base de governo, e o PL, que representa a oposição bolsonarista e da “bancada da bala”.
Os nomes cotados refletem esse embate político: pelo PT, aparece o senador Fabiano Contarato (PT-ES), ex-delegado da Polícia Civil, indicado como perfil técnico para chefiar a CPI. Pelo PL, surge o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado e figura de destaque na agenda de endurecimento penal.
O governo federal faz movimento para que Contarato assuma, mas ele resiste e permanece avaliando se aceitaria o cargo. Caso decline, o PT prepara o senador Rogério Carvalho (PT-SE) como opção. Do lado do PL, há forte articulação para obter apoio de senadores independentes e de partidos menores para assegurar a presidência por meio de voto interno no colegiado.
3. O que está em jogo
A presidência da CPI não é apenas função formal — é plataforma de visibilidade, palco de investigação e alavanca de influência para eleições futuras. Quem liderar o colegiado define o plano de trabalho, convoca ou não governadores, define prioridades, controla agenda e usa a tribuna para pautar narrativas.
Para o PT, assumir a presidência significa comprovar que o governo federal está disposto a investigar a crime organizado com seriedade — e não apenas com operações letais sem investigação plena. Para o PL, comandar a CPI representa instrumento para atacar o governo, associar facções ao Estado, e aparecer como defensor da “linha dura”.
Além da disputa partidária, está em jogo a autonomia do colegiado: será que a CPI investigará em profundidade ou se tornará palco de espetáculo punitivo? Serão convidadas as vítimas, as famílias, as organizações sociais? Como será o controle civil das investigações? Essas perguntas estão na mesa.
4. Riscos e tensões internas
A disputa traz tensões que podem comprometer o funcionamento da CPI:
- Uma presidência imposta politicamente pode levar à percepção de “CPI chapa-branca”, sem efetividade.
- O timing é sensível: a instalação da comissão se dará poucos dias após a megaoperação policial no estado do Rio de Janeiro, que deixou mais de 120 mortos, e cujas repercussões atravessam todo o debate sobre segurança.
- O plano de trabalho (convocação de governadores, agentes externos, apuração de vínculos com milícias) esbarra em obstáculos institucionais, resistências estaduais e no próprio aparato de investigação — se o comando não for forte e independente, a CPI corre o risco de se tornar narrativa política, e não instrumento de verdade.
5. O impacto sobre a segurança pública
Caso bem conduzida, a CPI poderia marcar uma virada: investigação estrutural, transparência, relatório com responsabilização, mecanismos de controle social.
Caso mal conduzida, poderá reforçar o que já se vê: punição simbólica, espetáculo de imprensa, enquadramento dos problemas em lógica policial-militar e reforço de políticas de extermínio sem mudança estrutural.
A presidência da CPI influencia diretamente a agenda nacional de segurança pública: se priorizar investigação, poderá abrir caminho para reforma das polícias, desconstrução de milícias e fortalecimento de justiça criminal. Se priorizar espetáculo, continuará o ciclo de repressão seletiva e violência de Estado.
6. A lógica eleitoral e institucional
Estamos em véspera de eleição presidencial e parlamentares têm consciência de que cada comissão aberta é antecâmara de campanha, palco de discursos e construção de autoridade.
O PL aposta em usar a CPI para recuperar fôlego eleitoral, baseando-se no discurso punitivista e de “inimigo externo”. O PT, por sua vez, quer mostrar que a nova fase está longe da “segurança da bala” e que investigação e democracia são possíveis aliados.
Essa lógica institucional cria um desafio: manter a comissão voltada para o interesse público, e não apenas para a batalha eleitoral. O Senado, como casa colegiada, precisa assegurar regras que garantam independência, prazos, transparência e participação civil.
7. Conclusão
A disputa entre PT e PL pela presidência da CPI do crime organizado é mais do que ajuste partidário — é litígio sobre o modelo de enfrentamento da violência no Brasil.
Se o país continuará investido em operações brutais sem controle ou se abrirá caminho para investigação e justiça, depende em parte de quem comandará essa CPI.
A voz dos invisíveis — vítimas, comunidades vulneráveis, famílias — está posta na mesa. Resta ver se a presidência da comissão será instrumento da verdade ou palco do espetáculo.


