Da BBC Brasil
Relatório da Henley & Partners estima que 1,2 mil milionários devem deixar o Brasil em 2025, mas dados inéditos da Receita mostram que a taxa de saída em relação ao total de ricos vem caindo desde 2017, mesmo com a discussão sobre aumento da tributação.
A reforma do Imposto de Renda que tramita na Câmara reacendeu uma polêmica antiga: a suposta fuga de milionários do Brasil diante do aumento da tributação dos mais ricos. A narrativa ganhou força após a consultoria Henley & Partners projetar que 1,2 mil milionários devem deixar o país em 2025 — número 50% maior do que o registrado em 2024. Caso se confirme, seria o maior êxodo da América Latina neste ano.
Mas o levantamento da Henley, que se baseia em metodologias próprias de monitoramento de mobilidade de pessoas de alta renda, foi questionado por especialistas. Para aprofundar a discussão, a BBC News Brasil solicitou dados oficiais à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação. Os números revelam um cenário mais complexo: embora centenas de milionários deixem o país todos os anos, a proporção em relação ao total vem caindo desde 2017.
De acordo com a Receita, em 2025, até agosto, 1.446 milionários já haviam entregue a declaração de saída definitiva do Brasil, número que se aproxima do recorde de 2017, quando 1.461 pessoas dessa faixa migraram. No entanto, quando comparado ao total de milionários existentes no país, o percentual de saída caiu. Se em 2017 quase 1% desse grupo deixou o Brasil, hoje a média anual é de 0,5%, mesmo com o avanço do debate sobre aumento de impostos para os mais ricos.
O dado é importante porque o número de milionários no Brasil mais que quadruplicou em 12 anos: eram 81 mil em 2011, passaram a 152 mil em 2017 e chegaram a 366 mil em 2023. Esse crescimento se deve tanto à inflação quanto ao aumento da concentração de renda, que beneficiou sobretudo o 0,1% mais rico da população.
Especialistas como o economista Manoel Pires, da FGV, e Sergio Gobetti, do Ipea, ressaltam que a saída de milionários não pode ser atribuída exclusivamente à agenda tributária. Fatores como crises políticas, operações de combate à corrupção e acordos internacionais de cooperação fiscal foram determinantes, especialmente em 2017. Hoje, o fenômeno se explica mais pela busca por segurança, diversificação de investimentos e vantagens fiscais em países como Estados Unidos, Portugal, Reino Unido, Uruguai e Espanha.
Ao mesmo tempo, a discussão sobre tributação se intensifica no Brasil. A reforma do IR proposta pelo governo Lula prevê isenção para quem ganha até R$ 5 mil, desconto parcial até R$ 7,35 mil, taxação progressiva de até 10% para rendas acima de R$ 600 mil por ano, além da taxação de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil mensais e de 10% sobre dividendos enviados ao exterior.
Para críticos como Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, a medida pode prejudicar a competitividade do país. Já defensores da reforma argumentam que ela corrige distorções históricas, já que o Brasil é um dos poucos países que não tributa lucros e dividendos, fazendo com que ricos paguem proporcionalmente menos impostos que trabalhadores de renda média.
Na prática, os números indicam que não há uma fuga generalizada de milionários por causa da reforma tributária. O movimento existe, mas é restrito a uma parcela muito pequena e tem sido contrabalançado pelo crescimento acelerado do número de pessoas com renda anual acima de R$ 1 milhão.