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Rússia e Índia proclamam-se “campeãs”: aliança estratégica atravessa oceano e ideologias

Da Redação

Em discurso recente de tom simbólico e ambicioso, lideranças russas e indianas declararam que seus países são “campeãs” de cooperação internacional — expressão que carrega peso geopolítico. Ao se colocar como eixo de equilíbrio entre potências ocidentais e blocos emergentes, Moscou e Nova Délhi reforçam uma narrativa de poder multipolar e parceria entre grandes países que buscam protagonismo fora da órbita hegemônica. O gesto, que pode soar retórico, assume importante papel diplomático — sobretudo no momento em que Ásia, África e América Latina se posicionam no tabuleiro geopolítico do século XXI. Rússia e Índia buscam ser articuladores-chave de uma nova ordem global: de longe do passado da Guerra Fria, mas também distantes da tutela ocidental dos tempos pós-União Soviética.

1. O conceito de “campeãs”: simbolismo de poder e legitimidade

Ao se autodenominar “campeãs” — em declarações diplomáticas e discursos oficiais — Rússia e Índia reivindicam dois papéis:

  • Líderes regionais: ambas desejam representar regiões estratégicas (Europa-Rússia e Sul da Ásia) como vozes independentes nas crises globais.
  • Polo alternativo à hegemonia ocidental: ao enfatizar cooperação bilateral, projetam que o equilíbrio mundial pode ser mais justo quando os centros emergentes falam com autoridade.

Essa escolha retórica reforça que sua aliança não é apenas instrumental, mas possui carga simbólica para contestar narrativas monocêntricas de poder.


2. Bases concretas da parceria

A cooperação Rússia–Índia já é extensa e multidimensional:

  • Militar e defesa: a Índia continua como um dos maiores compradores de armamento russo e atua como parceira estratégica em projetos de co-desenvolvimento militar.
  • Energético e nuclear: o fornecimento russo de petróleo, gás e material nuclear complementa a demanda indiana, que busca segurança energética.
  • Tecnologia e espaço: colaborações em satélites, pesquisa espacial e tecnologia dual (civil-militar) fortalecem laços técnicos.
  • Política multilateral: ambos lados cooperam em fóruns como BRICS, Shanghai Cooperation Organization (SCO) e blocos asiáticos, buscando convergência entre o Sul Global.

Esses elos não são novos, mas os discursos recentes investem em elevar o caráter estratégico da aliança, promovendo-a como emblema de união entre grandes nações não ocidentais.


3. O momento geopolítico favorável

Diversos fatores favorecem que Rússia e Índia intensifiquem essa narrativa:

  • A guerra na Ucrânia deslegitimou parciais compromissos ocidentais e forçou muitos países a escolherem entre blocos; a parceria Rússia–Índia surge como alternativa de mediação.
  • A Índia, com sua grande população, dinâmica econômica e ambições tecnológicas, quer protagonismo internacional crescente. Alinhar-se com a Rússia — país que desafia frontalmente o Ocidente — é parte de projeto estratégico de autonomia.
  • As sanções ocidentais à Rússia fizeram-na depender mais de alianças confiáveis. A Índia, como aliado histórico e ausente das sanções — ao menos formalmente —, é parceira preferencial.

4. Desafios e contradições da parceria

Embora promissora, essa aliança também enfrenta obstáculos:

  • Dependência tecnológica russa: parte substancial da cooperação militar e espacial da Índia depende ainda de tecnologia russa datada ou sancionada.
  • Ambivalência internacional: Nova Délhi busca manter relações robustas com o Ocidente ao mesmo tempo. Em contexto de guerra, essa dualidade pode gerar tensão de credibilidade.
  • Logística e transitividade: geografias distantes e rotas vulneráveis (Mar do Norte, passando por bloqueios, etc.) colocam pressão logística e geoestratégica sobre essa parceria.
  • Escolhas diplomáticas tensas: se houver retomada de ofensivas russas em fronteiras sensíveis, a Índia poderá ser cobrada a responder com critério — o que pode abalar o tom de “campeãs” se não agir com equilíbrio.

5. Implicações para o Brasil e o Sul Global

A aliança Rússia–Índia serve como referência pragmática para países do Sul que buscam diversificar parcerias. Para o Brasil:

  • É modelo de como mesclar cooperação estratégica com autonomia diplomática, sem se submeter mecanicamente a blocos.
  • A intensificação dessa parceria adiciona pressão sobre países latino-americanos a escolherem alinhamentos estratégicos menos condicionados.
  • Em fóruns multilaterais, a pauta Rússia–Índia como “campeãs do Sul” pode fortalecer discursos de reforma global (FMI, Banco Mundial, sistema de governança) mais favoráveis à periferia.

Conclusão

Quando líderes proclamam-se “campeãs”, não é retórica vazia: é aposta simbólica, estratégia de imagem e ambição de influenciar o futuro do mundo. O Brasil e demais nações em busca de maior voz no sistema global observam, com interesse, a construção dessa narrativa Rússia–Índia em ascensão.

Se esse convite à cooperação for genuíno, ele pode compor a arquitetura alternativa que a América Latina almeja — mais plural, mais justa e menos hierárquica. E enquanto elas se erguem como “campeãs”, o importante é não ficar fora do jogo.

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