Da Redação
A Primeira Turma do STF retoma, a partir de terça (9), os votos no processo que julga Jair Bolsonaro e outros sete réus do “núcleo crucial” da trama golpista. Entenda o calendário, a ordem dos votos, os cenários possíveis — de pedido de vista a condenação com penas que podem ultrapassar 40 anos.
A semana que se inicia em 8 de setembro será decisiva para o julgamento do chamado “núcleo 1” da trama golpista, que tem Jair Bolsonaro e outros sete acusados no banco dos réus. Após a fase de relatórios, sustentação do Ministério Público e defesas, o colegiado retomará as sessões na terça-feira (9/9) para colher os votos, com previsão de encontros ao longo da semana — inclusive sessões extras — a fim de tentar concluir o caso ainda na sexta (12/9). O desenho foi ajustado pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, a pedido do relator, Alexandre de Moraes.
Quem está sendo julgado. Além de Bolsonaro, respondem nesta ação os ex-ministros Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno; o ex-chefe da Abin e hoje deputado Alexandre Ramagem; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier; e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Eles compõem o grupo apontado como o núcleo central do plano para invalidar a eleição de 2022 e impedir a posse presidencial — caso que reúne, entre outras provas, a chamada “minuta” para instaurar medidas de exceção e elementos colhidos nas investigações sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”.
Calendário e horários. A expectativa é de sessões na terça (9/9) em dois períodos (9h–12h e 14h–19h), na quarta (10/9) pela manhã (a partir de 9h), e sessões duplas na quinta (11/9) e sexta (12/9), também com blocos manhã/tarde. Para abrir espaço à carga extra, o Plenário teve ajuste de agenda. O objetivo é permitir que todos os votos sejam colhidos e, em caso de condenação, que o colegiado avance imediatamente para a dosimetria das penas.
Ordem dos votos
O rito na Primeira Turma segue a praxe: relator vota primeiro, e em seguida os ministros se manifestam por ordem de antiguidade no STF, com o presidente do colegiado votando por último. Para este processo, a ordem esperada é: Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por fim, Cristiano Zanin. A decisão se dá por maioria simples (três votos em cinco).
O que esperar do voto do relator
O voto de Moraes — que deve abrir a fase decisória — tende a ser extenso (estimado em cerca de três horas) e dividido em dois blocos: preliminares (nulidades, competência, cadeia de custódia, impugnações probatórias) e mérito (análise dos fatos e tipificações penais). Só depois as ministras e ministros dirão se acompanham integralmente, parcialmente ou divergem do relator.
Linha do Ministério Público
Na abertura do julgamento, a Procuradoria-Geral da República, representada por Paulo Gonet, pediu a condenação de todos os réus, descrevendo um arranjo que combinou: tentativa de instaurar medidas de exceção, instrumentalização de órgãos de Estado e apoio a atos para desestabilizar os Poderes em 8 de janeiro. Já as defesas atacaram a credibilidade de delações e a robustez da prova, pedindo absolvições e nulidades.
Cenários possíveis para a semana:
- Condenação com maioria clara (3–2, 4–1 ou 5–0). Se houver maioria pela condenação, o colegiado passa à dosimetria (definição de penas, agravantes/atenuantes e regime inicial). As imputações combinadas — como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa e crimes conexos — projetam penas que podem superar 40 anos, a depender das frações fixadas. Mesmo em caso de condenação, a prisão imediata não é o desfecho mais provável: a execução costuma aguardar a tramitação de recursos internos.
- Voto médio / condenação parcial. É possível que ministros acompanhem em parte o relator e divirjam em pontos específicos (por exemplo, excluir um tipo penal, reduzir agravantes ou absolver um ou outro acusado). Nesse cenário, o resultado pode ser heterogêneo — com réus recebendo penas distintas e até absolvições pontuais.
- Pedido de vista (adiamento). Qualquer ministro pode pedir vista para estudar melhor o caso, suspendendo o julgamento. A retomada ocorreria após a devolução da vista e nova inclusão em pauta pelo presidente do colegiado.
- Absolvição. Se três votos forem pela absolvição, forma-se maioria absolutória e o processo é encerrado em relação aos crimes e réus contemplados por essa posição — sem passar à dosimetria. Divergências parciais também podem produzir absolvição em tipos específicos.
E depois do resultado? Recursos e efeitos práticos
Em caso de decisão não unânime que condene os réus, cabem embargos infringentes com base no regimento do STF, o que pode levar a discussão ao Plenário para novo julgamento restrito aos pontos de divergência. Também são cabíveis embargos de declaração para correções de omissões ou contradições. Esses recursos, somados a eventuais incidentes processuais, ajudam a explicar por que a execução da pena não costuma ser imediata, mesmo após a proclamação do resultado na Turma.
O pano de fundo probatório
O processo reúne elementos como a “minuta do golpe” e fatos apurados na Operação Contragolpe, que investigou o plano “Punhal Verde e Amarelo” — com hipóteses de atentados e ações para impedir a posse presidencial em 2023. Parte relevante do acervo veio de quebras de sigilo e perícias em dispositivos de Mauro Cid, cujo depoimento também é capítulo sensível: as defesas o acusam de inconsistências; a acusação sustenta que há corroboração documental e testemunhal.
O ambiente político-institucional
O julgamento ocorre com forte atenção pública e pressões cruzadas. Há movimentos no Congresso em torno de teses de anistia ou redução de penas para participantes dos atos, e discussões sobre respostas institucionais que resguardem a independência do Judiciário. O próprio Supremo já sinalizou que não cederá a pressões, mantendo o foco na prova e na lei — contexto que reforça o caráter histórico e pedagógico do caso.
Como acompanhar a semana. Na prática, a terça-feira começa com o voto do relator. A partir daí, cada manifestação pode levar de minutos a horas, a depender da extensão do posicionamento. Com três votos no mesmo sentido, a maioria já se configura — ainda que os demais votos sejam colhidos por dever de colegialidade. Havendo tempo, o colegiado pode entrar na dosimetria no mesmo dia ou nos seguintes; se a complexidade exigir, essa etapa pode se estender pelas sessões de quinta e sexta.
Em síntese, três variáveis vão definir o ritmo: (1) a extensão do voto do relator e das eventuais divergências; (2) a existência ou não de pedido de vista; e (3) o consenso sobre a dosimetria. Do ponto de vista institucional, qualquer desfecho — condenação, absolvição parcial ou adiamento — marcará a história recente do Supremo e será lido como termômetro da resiliência democrática brasileira.