Atitude Popular

Trump leva à Suprema Corte sua ordem que restringe a cidadania por direito de nascimento

Da Redação

Administração Trump pediu ao Supremo dos EUA que valide um decreto que nega cidadania automática a filhos nascidos em solo americano de pais em situação migratória irregular ou de visitantes temporários; a disputa promete testamento jurídico histórico sobre a 14ª Emenda e reacende debates sobre imigração, política e direitos humanos.

A administração do presidente Donald Trump formalizou nesta semana um pedido à Suprema Corte dos Estados Unidos para que a corte revise e confirme uma ordem executiva que limita a chamada “cidadania por direito de nascimento” — mecanismo consagrado pela 14ª Emenda da Constituição americana que, por mais de um século, tem sido interpretado como concedendo cidadania a qualquer pessoa nascida em solo dos EUA. O governo federal busca reverter decisões de primeira instância que bloquearam a ordem e removeram efeitos práticos da medida, convertendo a disputa em um dos maiores embates constitucionais e políticos sobre imigração das últimas décadas.

A controvérsia começou no primeiro dia do segundo mandato do presidente Trump, quando ele assinou um decreto executivo que pretendeu excluir do direito à cidadania os filhos de imigrantes que estejam no país sem autorização ou com presença temporária (como turistas ou portadores de vistos temporários). Tribunais federais em diferentes distritos reagiram com liminares, sustentando que a interpretação tradicional da 14ª Emenda — e o precedente centenário que a sustenta — não permite que o Executivo, por meio de decreto, revogue uma garantia constitucional tão fundamental sem alteração legislativa ou emenda. A Casa Branca, porém, argumenta que a formulação histórica da emenda não tinha em vista cobrir filhos de “visitantes” e que as cortes inferiores extrapolaram ao estender o texto constitucional à situação contemporânea.

Juridicamente, o caso coloca frente a frente duas linhas de argumentação. De um lado, defensores da cidadania por direito de nascimento lembram a regra clássica consolidada por decisões históricas e por uma leitura literal da 14ª Emenda, que afirma que “todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à jurisdição deles, são cidadãos”. Para essa corrente, qualquer tentativa executiva de negar esse direito conflita diretamente com o texto e com a intenção republicana de estender cidadania após a Guerra Civil, e somente uma emenda constitucional poderia alterar esse quadro. De outro lado, a argumentação do governo sustenta uma leitura originalista que restringe o alcance daquela cláusula, afirmando que a expressão “sujeitas à jurisdição” não foi pensada para incluir filhos de estrangeiros temporários ou de intrusos em situação irregular. O embate, portanto, envolve hermenêuticas constitucionais profundas sobre contexto histórico, jurisprudência e o papel do Executivo frente à Carta Magna.

Além do ponto constitucional, há consequências práticas enormes. Se o Supremo aceitasse a argumentação do Executivo e autorizasse ou confirmasse a restrição, centenas de milhares de nascimentos futuros — e possivelmente decisões administrativas sobre casos já registrados — seriam afetados. Isso teria impacto direto sobre políticas de imigração, status migratório de famílias, direitos sociais e civis das crianças e sobre a administração de benefícios e registro civil. Especialistas em política pública alertam que a mudança criaria também um regime de incerteza jurídica e humanitária para comunidades inteiras, com implicações para saúde, educação e proteção infantil.

Politicamente, a movimentação do governo é estratégica. Ao levar o caso à Suprema Corte, a administração busca um desfecho definitivo que consolide uma agenda dura sobre migração, que tem apelo significativo em parcelas do eleitorado que priorizam controle de fronteiras e medidas punitivas. Para opositores, porém, a manobra representa um ataque a direitos fundamentais e uma instrumentalização do Judiciário para fins de política de governo, além de abrir espaço para discriminações e abusos. A disputa, obviamente, ganhará contornos eleitorais, sociais e diplomáticos à medida que o debate público se acirrar.

No campo processual, o governo pediu revisão de decisões de instâncias inferiores que haviam imposto “injunctions” (liminares) de alcance amplo. A Suprema Corte, nos últimos meses, já mostrou disposição a intervir em casos que envolvem ordens executivas e a revisar a extensão de liminares nacionais; mas há incerteza sobre se os nove juízes aceitarão acelerar o tema, qual será o rito — se haverá audiências orais nesta sessão ou postergação — e qual o alcance temporal de qualquer decisão intermédia. Os litígios prometem percorrer fases de recursos, eventuais argumentos orais e, dependendo do caso, longas batalhas de interpretação histórica e factual.

A decisão do tribunal terá repercussões para outros pontos da política migratória promovida pelo Executivo, porque a mesma matriz interpretativa sobre autoridade presidencial e alcance de ordens executivas tem sido invocada em medidas diversas, desde regras de deportação até restrições de acesso a benefícios públicos. Assim, o julgamento não definirá apenas o destino de crianças nascidas no país, mas poderá funcionar como precedente para aferir até que ponto o Executivo pode remodelar direitos fundamentais por meio de decretos.

Organizações de direitos civis e grupos de defesa dos imigrantes se organizaram rapidamente para contrapor a iniciativa: pretendem submeter memoriais, apresentar amicus curiae (consultas de terceiros interessados) ao Supremo e mobilizar opinião pública, enfatizando os riscos humanitários e constitucionais. Ao mesmo tempo, coalizões empresariais, universidades e estados federais que dependem de comunidades imigrantes alertam para efeitos práticos negativos; alguns estados já sinalizaram em processos anteriores sua intenção de intervir para proteger os direitos de residentes e nascidos no país.

Do ponto de vista internacional, uma eventual decisão favorável à restrição mudaria a posição global dos EUA sobre temas de cidadania e direitos humanos, abrindo espaço para críticas e potenciais tensões diplomáticas com nações que veem a cidadania por nascimento como um pilar de inclusão e proteção. Em matéria de imagem internacional, a medida consolidaria interpretações mais restritivas e alinhadas à política doméstica de endurecimento migratório.

Quais são os próximos passos e cenários prováveis? Caso a Suprema Corte aceite a revisão e debata o caso, as audiências e a decisão poderão ocorrer ao longo do próximo ano, dependendo da calendarização do tribunal. Se a corte confirmar as liminares e rejeitar o pedido do Executivo, a compatibilidade entre ordens presidenciais e a 14ª Emenda ficará reafirmada — e o governo terá de buscar soluções legislativas para tratar do fenômeno do chamado “birth tourism” ou de alegados incentivos à imigração irregular. Se, em contraste, a Suprema Corte der razão ao Executivo, a mudança jurídica abrirá uma nova fase de reconfiguração do regime de cidadania nos EUA, sujeita a contestações e desafios administrativos e judiciais por anos.

Em suma, o pedido do governo Trump para que a Suprema Corte valide sua ordem sobre a cidadania por nascimento instala uma das mais importantes disputas constitucionais contemporâneas, que mistura interpretação histórica da Constituição, cálculo político e consequências sociais concretas. O resultado definirá não apenas o estatuto jurídico de milhares de pessoas, mas também o alcance do poder executivo em moldar direitos fundamentais por via administrativa.