Atitude Popular

Véspera do julgamento de Bolsonaro: Barroso promete “empurrar o extremismo para a margem da história”

Da Redação

Às vésperas do julgamento do “núcleo 1” da trama golpista no STF, Luís Roberto Barroso afirma que o país inicia um novo ciclo político sem radicalizações. O caso envolve Jair Bolsonaro e sete aliados e pode marcar um divisor de águas para a democracia brasileira.

Na antevéspera de um dos julgamentos mais importantes da história recente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, disse que o Brasil “vai empurrar o extremismo para a margem da história”, sinalizando que o país entra em um ciclo político de maior ponderação, com espaço para conservadores, liberais e progressistas disputarem sob regras estáveis. A declaração vem no momento em que a Primeira Turma do STF inicia o processo contra Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de articular um golpe de Estado após a derrota eleitoral de 2022.

O julgamento do chamado “núcleo 1” abrange Bolsonaro e aliados estratégicos civis e militares. Eles respondem por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A composição da Primeira Turma — relatoria com Alexandre de Moraes e participação de Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino — projeta um embate jurídico de alta complexidade, com sessões distribuídas ao longo de vários dias para sustentações e votos.

Para além dos réus específicos, o que está em jogo é a responsabilização da cadeia de comando que incentivou, planejou ou fechou os olhos para atos destinados a subverter o resultado eleitoral. O caso também testa a capacidade do sistema de Justiça de dar respostas firmes sem abrir mão de garantias processuais, num ambiente ainda polarizado e suscetível a campanhas de desinformação que buscam reescrever o 8 de Janeiro como se fosse obra de “infiltrados” ou um episódio de menor gravidade.

A conjuntura jurídica é adensada por um quadro inédito: desde julho, medidas cautelares e, em seguida, a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, impostas por descumprimento de restrições, elevaram a temperatura política e a pressão sobre o Supremo. Esse passo sinalizou que a Corte não toleraria novas tentativas de tumultuar o processo, especialmente o uso coordenado das redes para atacar instituições em meio ao andamento das ações penais.

No plano da segurança pública, autoridades federais e do Distrito Federal organizaram um esquema robusto para as sessões, com controle de acesso e monitoramento das áreas sensíveis de Brasília. A cúpula do Exército determinou que não haja manifestações nas proximidades de quartéis durante o período do julgamento — e no 7 de Setembro — para evitar a repetição de acampamentos e aglomerações que, no passado recente, funcionaram como plataforma para a escalada antidemocrática. A mensagem é inequívoca: as Forças querem afastar suas unidades de qualquer instrumentalização política.

O calendário processual prevê a fala da acusação, as sustentações das defesas e, em seguida, os votos dos ministros. Um pedido de vista poderia adiar a conclusão, mas a expectativa é de avanço célere, com eventuais divergências concentradas na dosimetria das penas. Entre analistas do mundo jurídico, há a percepção de que esta é a primeira vez que um ex-presidente e oficiais de alta patente enfrentam, no mesmo bloco, um julgamento por atentado contra a ordem constitucional sob a lei que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional.

Do ponto de vista legal, o caso opera sob o novo título do Código Penal que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, introduzido em 2021. Ele tipifica, com penas relevantes, a tentativa de abolir o Estado Democrático por violência ou grave ameaça e a tentativa de depor o governo legitimamente constituído. Somam-se a isso acusações de organização criminosa, que agravam cenários nos quais há emprego de armas, financiamento e divisão de tarefas. A moldura normativa foi pensada justamente para fechar brechas que, historicamente, alimentaram aventuras autoritárias no país.

A reverberação internacional deste processo é extraordinária. Desde julho, a escalada de tensões diplomáticas — com tarifas americanas sobre produtos brasileiros e sanções pessoais de autoridades estrangeiras contra um ministro do Supremo — serviu de pano de fundo e mostrou como a disputa brasileira por soberania institucional ganhou contornos geopolíticos. A reação do governo brasileiro, de bancos e de reguladores financeiros reforçou que ordens externas não se aplicam automaticamente no território nacional, e que o país buscará, por vias jurídicas internas e externas, a defesa de suas instituições.

Seja qual for o desfecho, o julgamento cumpre uma função pedagógica: delimitar os custos de atacar o processo eleitoral, as instituições e o resultado das urnas. Ao dizer que o Brasil empurrará o extremismo para fora do centro da vida pública, Barroso não prega a exclusão de correntes políticas — mas a desconexão entre projetos eleitorais legítimos e táticas de sabotagem institucional, violência e desinformação. Trata-se de separar disputa democrática de guerra contra a democracia.

Uma eventual condenação inaugurará um novo capítulo: cumprimento de penas, eventuais recursos e desdobramentos para outros núcleos investigados. Por outro lado, absolvições — totais ou parciais — também exigirão leitura cuidadosa, porque cada tipo penal tem requisitos específicos e provas próprias. Em qualquer cenário, o recado central parece já ter sido dado: não há mais espaço para testagem de ruptura com a Constituição. O país consolidou, com desgaste e dor, uma barreira institucional contra tentativas de golpe. Se essa barreira se manterá sólida nos próximos anos dependerá menos de decisões isoladas e mais da capacidade de a sociedade cultivar consenso mínimo sobre regras do jogo, responsabilização e compromisso democrático.