Da Redação
Com o atual surto nacional, entender com precisão os protocolos de atendimento para intoxicação por metanol torna-se urgente. Médicos devem agir rápido; o público precisa reconhecer sinais precoces para saber buscar socorro. Aqui está o guia completo — revisado segundo especialistas — para salvar vidas.
Com o aumento dramático de casos suspeitos de intoxicação por metanol no Brasil em 2025, cresce a necessidade de difundir conhecimentos técnicos e práticos para médicos, profissionais de saúde e leigos. Trata-se de um envenenamento que exige agilidade no diagnóstico e tratamento agressivo — diferentemente de intoxicações alimentares comuns — e cujo sucesso depende de cronograma estreito.
Este texto compila orientações de especialistas, protocolo clínico e orientações ao público que pode fazer a diferença entre vida e lesão irreversível.
Metanol: entenda o agente tóxico
- O metanol (álcool metílico) não é destinado ao consumo humano. É comumente usado como solvente industrial ou aditivo químico.
- Ao ser ingerido, o metanol é transformado no fígado pela enzima álcool desidrogenase em formaldeído e ácido fórmico — subprodutos altamente tóxicos que causam acidose metabólica e lesões no sistema nervoso, retina e órgãos vitais.
- Os sinais típicos de intoxicação não costumam surgir imediatamente; há latência até 12-24 horas, o que pode atrasar a busca por ajuda.
O que médicos precisam saber — protocolo de atendimento
1. Suspeita clínica
Qualquer paciente que apresente os sintomas abaixo, especialmente após consumo alcóolico, deve ser investigado para intoxicação por metanol:
- Visão turva, borrada ou perda da visão (cefaleia visual)
- Náuseas, vômitos
- Dor abdominal intensa
- Confusão mental ou desorientação
- Respiração rápida, dispneia
- Acidose (pH sanguíneo baixo)
- Acidose metabólica e elevação de lactato arterial
- Sinais neurológicos, como convulsões ou depressão respiratória
A suspeita clínica deve ser enfatizada, mesmo antes de confirmação laboratorial, dada a urgência.
2. Diagnóstico laboratorial
Os exames que auxiliam no manejo são:
- Gasometria arterial — para checar acidose metabólica
- Glicemia capilar — para diferenciar com outras causas de quadro semelhante
- Função renal e eletrolíticos
- Dosagem de metanol (quando disponível)
- Níveis de osmolaridade e osmolaridade esperada — calcular “gap osmolar”
- Marcadores de lesão orgânica (enzimas hepáticas, troponina, creatinina)
- Hemograma e gasometria analítica complementar
Esses dados ajudam a estratificar gravidade e orientar a urgência da intervenção.
3. Tratamento imediato
O tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível e inclui:
- Etanol farmacêutico: age como inibidor competitivo da enzima álcool desidrogenase, diminuindo a conversão de metanol em seus metabólitos tóxicos. Deve ser administrado via IV ou via oral (em ambiente controlado).
- Fomepizol: é antídoto mais específico e eficaz, com menor toxicidade, mas geralmente mais caro e menos disponível — onde houver, é preferido.
- Hemodiálise: indicada em casos de acidose grave, insuficiência renal significativa, níveis muito altos de metanol ou deterioração clínica. A hemodialise remove metanol e seus metabólitos.
- Suporte intensivo: correção de acidose com bicarbonato, controle de eletrólitos, ventilação mecânica se necessário, monitoramento hemodinâmico, suporte de órgãos.
- Antioxidantes e agentes adjuntos: vitamina B12, folato e ácido fólico podem auxiliar no metabolismo alternativo e proteção celular.
4. Monitoramento e seguimento
- Monitorar evolução dos parâmetros gasométricos, de função renal e função visual.
- Avaliar lesões oftalmológicas — muitos pacientes desenvolvem danos irreversíveis na retina —, exigindo oftalmologista no acompanhamento.
- Acompanhamento neurológico e psiquiátrico, já que comprometimentos cognitivos ou neurológicos podem persistir.
- Reabilitação e suporte para sequelas visuais, motoras ou cognitivas.
5. Classificação de gravidade e prognóstico
O prognóstico depende de:
- Tempo decorrido entre ingestão e início do tratamento
- Gravidade da acidose
- Necessidade de hemodiálise
- Presença de lesão visual precoce
- Doses ingestedas
Casos tratados cedo têm chance de recuperação sem sequelas. Entretanto, atrasos ou quadros graves frequentemente resultam em cegueira permanente, disfunções neurológicas ou morte.
O que o público precisa saber — sinais, prevenção e urgência
Sinais de alerta para buscar ajuda médica imediata:
- Visão turva ou perda súbita da visão após ingestão alcoólica
- Náuseas, vômitos intensos e dor abdominal
- Confusão mental ou desorientação
- Respiração acelerada, fadiga intensa sem causa aparente
- Qualquer suspeita deve motivar procura ao pronto-socorro sem aguardar confirmação
Prevenção
- Evite bebidas alcoólicas sem nota fiscal ou procedência confiável
- Não aceite bebidas “caseiras” ou destilados de origem desconhecida
- Só consuma bebidas de fabricantes regulamentados e verificadas por vigilância sanitária
- Em eventos informais, fique atento à origem da bebida
- Denuncie comércio informal ou venda suspeita às autoridades sanitárias
Papel da sociedade
- Compartilhe informações corretas e confiáveis para alertar comunidades mais vulneráveis
- Apoie campanhas de fiscalização e regulação
- Exija ações governamentais de vigilância e responsabilização legal dos infratores
Situação atual do surto (5 de outubro de 2025)
- 195 notificações registradas nacionalmente, com 14 casos confirmados
- São Paulo concentra grande parte dos casos reportados
- 13 mortes em investigação e 1 morte confirmada
- Estados do Nordeste e Centro-Oeste também reportam casos suspeitos
- Governos estaduais e federal têm reforçado entrega de antídotos e ativado gabinetes de crise
- Rede de investigação aponta participação de redes criminosas em adulteração de bebidas
- Fiscalização intensificada nas ruas, mercados municipais e barracas informais
Desafios e perspectivas
- Difundir protocolos de tratamento entre hospitais em estados menos equipados
- Ampliar disponibilidade de fomepizol e etanol farmacêutico
- Integrar vigilância local e fiscalização para interceptar bebidas ilegais
- Garantir responsabilização legal dos criminosos que adulteram bebidas
- Apoio e reabilitação para pacientes com sequelas
- Fortalecer campanhas educativas para ampliar consciência pública
Este quadro evidencia que o surto de metanol não é episódio localizado, mas crise nacional de saúde pública. O combate exige resposta técnica, articulação institucional e participação ativa da sociedade. O conhecimento compartilhado entre profissionais de saúde e cidadãos pode salvar vidas — e evitar que mais tragédias ocorram nesse cenário.


