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Cessar-fogo em Gaza começa; palestinos retornam e acordo prevê libertações e ajuda

Da Redação

O primeiro cessar-fogo amplo desde março entrou em vigor ontem, sexta (10/10). Palestinos iniciam retorno a áreas destruídas no norte da Faixa enquanto acordo prevê libertação de prisioneiros, retirada parcial israelense e aumento massivo da ajuda. O saldo de mortos palestinos passa de 67 mil; exigência é transformar a trégua em paz real com responsabilização por crimes.

O cessar-fogo em Gaza entrou em vigor ao meio-dia desta sexta-feira (10), abrindo uma janela rara para que famílias palestinas retornem — ainda que entre ruínas — às cidades do norte da Faixa. O acordo, costurado por mediação internacional, prevê suspensão das operações ofensivas, retirada parcial das tropas israelenses para novas linhas, libertação inicial de palestinos presos e a entrada de centenas de caminhões de mantimentos por dia, condição mínima para enfrentar a fome generalizada instalada após dois anos de bombardeios e cerco.

No terreno, as primeiras horas foram marcadas por cenas de retorno, reconhecimento de corpos e busca por água e alimentos em bairros devastados. Equipes médicas e de resgate aproveitaram a pausa para acessar áreas antes intransitáveis, com relatos de soterrados e de escolas transformadas em abrigos atingidas na véspera. Mesmo com o silêncio relativo das armas, o quadro humanitário é de catástrofe prolongada: hospitais sem insumos, redes de água e esgoto colapsadas, moradias e infraestrutura civil destruídas numa escala que redesenha o mapa urbano de Gaza.

A trégua nasce com metas imediatas: libertação de reféns e de prisioneiros, fluxo ampliado de ajuda e reabertura operacional das passagens. Mas as demandas centrais do povo palestino permanecem: fim do bloqueio, retirada total das tropas, reconstrução sob comando palestino e responsabilização internacional pelos ataques contra civis, que configuram, aos olhos de organizações de direitos humanos e de grande parte da opinião pública global, crimes de guerra e atos de caráter genocida. A paz só fará sentido se significar dignidade material — teto, comida, trabalho — e soberania política.

O saldo humano da ofensiva israelense é devastador. As estimativas mais recentes apontam mais de 67 mil palestinos mortos e mais de 160 mil feridos desde 2023, com a fome alcançando toda a população de Gaza em graus variados de gravidade. O colapso de serviços essenciais — saúde, saneamento, eletricidade — transformou necessidades básicas em luxo. Famílias foram desmembradas por deslocamentos forçados sucessivos; crianças passaram meses sem escola; bairros inteiros desapareceram. O cessar-fogo de hoje não apaga esse trauma coletivo: ele apenas abre, com atraso e insuficiência, a possibilidade de reparar parte do dano.

Politicamente, a trégua expõe contradições em Israel e amplia a pressão internacional. A liderança israelense tenta manter controle militar “residual” enquanto a comunidade internacional exige retirada real e garantias de não repetição. Para o campo palestino, os próximos passos passam por um governo local de transição com tecnocratas, a reabertura institucional da Faixa e a entrada de missões civis internacionais para viabilizar reconstrução e proteção de civis — sem tutela militar israelense. Qualquer desenho que negue essas premissas repõe o ciclo de violência e empurra Gaza de volta ao abismo humanitário.

No curto prazo, a prioridade absoluta é transformar caminhões de ajuda em comida na mesa, remédio no hospital e abrigo seguro para quem perdeu tudo. Isso exige corredores humanitários estáveis, remoção de escombros, logística coordenada com agências das Nações Unidas e organizações locais, além de garantia de combustível e eletricidade. Em paralelo, é indispensável interromper prisões arbitrárias e libertar detidos por motivos políticos. A trégua só será crível para os palestinos se, junto com a comida e a água, vierem o direito de voltar às casas e a promessa concreta de reconstrução — sem bombardeios periódicos como moeda de chantagem.

Para a região, o cessar-fogo é um teste. Se fracassar, consolidará a percepção de impunidade e alimentará novas espirais de violência. Se avançar, pode recolocar a centralidade de uma solução política baseada em autodeterminação, fim da ocupação e reconhecimento pleno de direitos. Gaza não precisa de “pausas humanitárias”; precisa do óbvio: o fim definitivo da guerra, do cerco e da política de punição coletiva que devastou uma população inteira.