Criado pela Constituição de 1988, o órgão está com mandatos vencidos desde maio e sua ausência compromete debates sobre inteligência artificial, fake news e regulação das big techs

O Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional está paralisado desde maio, sem renovação de seus membros, e enfrenta mais uma vez um vazio institucional que compromete a participação da sociedade civil nas discussões sobre políticas públicas de comunicação. O tema foi debatido no programa Vozes pela Democracia, produzido pela Rádio e TV Atitude Popular, com apresentação de Sousa Júnior, membro do Conselho Deliberativo do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).
Participaram da conversa a relações públicas Patrícia Blanco, vice-presidente do último mandato do Conselho, e o jornalista Davi Emerich, servidor do Senado Federal e ex-conselheiro em duas gestões. Ambos ressaltaram a importância do órgão como espaço constitucional de assessoramento do Parlamento em temas estratégicos, como o combate à desinformação, a regulamentação da inteligência artificial e os direitos autorais no streaming. “A ausência do conselho é um prejuízo grave para o país num momento em que o ambiente da comunicação exige mais escuta, mais reflexão e mais democracia”, avaliou Patrícia.
Ela destacou que, na última gestão, o Conselho realizou audiências públicas com especialistas, representantes do setor artístico, jornalistas e acadêmicos para contribuir com projetos como o PL das Fake News e a Lei do Streaming. “Tivemos crescimento de audiência nas transmissões. As pessoas viram no Conselho uma rara oportunidade de serem ouvidas dentro do Congresso. A suspensão desse funcionamento é o fechamento de uma porta essencial à participação social”, lamentou.
Davi Emerich reforçou o caráter constitucional do conselho, instituído pela Carta de 1988 como órgão auxiliar do Legislativo. Segundo ele, a paralisação atual não é isolada. “O Conselho já passou por diversos períodos de inatividade. Durante a pandemia, ficou quase dois anos sem se reunir. Em 24 anos de existência legal, tivemos apenas cerca de 12 anos de funcionamento efetivo. Há uma resistência histórica de setores do Congresso em reconhecer o papel desse espaço”, afirmou.
Para Emerich, o aumento do número de comissões e a presença intensa de lobbies – inclusive das big techs – nas decisões legislativas deslocaram os processos de formulação de leis para fora dos gabinetes e das estruturas institucionais. “Hoje, muitos projetos chegam prontos, fruto da pressão de grupos com grande poder econômico. Isso esvazia o papel dos conselhos e até das consultorias legislativas. É uma mudança na arquitetura do processo democrático”, explicou.
O conselho, como explicou Patrícia, é composto por representantes da sociedade civil, empresas de mídia, engenheiros, artistas, jornalistas e radialistas. “Essa pluralidade é o que dá legitimidade ao órgão. Sem ele, o Congresso perde um espaço de escuta qualificada e transversal sobre temas cada vez mais centrais, como inteligência artificial e desinformação”, pontuou.
Ambos os entrevistados concordam que a reativação do conselho depende de uma decisão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a quem cabe formalizar as indicações das entidades e retomar os trabalhos. “Não se trata de um órgão de esquerda, direita ou centro. É um espaço previsto na Constituição para que o Congresso ouça vozes da sociedade. Sua não convocação é um sintoma de resistência à participação democrática”, afirmou Emerich.
Ao final do programa, Sousa Júnior ressaltou que a comunicação é hoje talvez o campo mais estratégico da política nacional. “Enquanto não se retoma o conselho e nem se cogita uma nova Conferência Nacional de Comunicação, os exércitos digitais avançam, organizando o caos, fabricando consentimentos e preparando o terreno para 2026. Se dependermos apenas dos interesses das empresas patronais, que se beneficiam da concentração da mídia, nada vai mudar. Cabe à sociedade civil pressionar e ocupar esse espaço”, concluiu.