Da Redação
Em 2024, o Brasil registrou um marco que até então parecia distante: a proporção de domicílios em insegurança alimentar grave caiu para 3,2 %, segundo dados divulgados pelo IBGE via Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). É o menor índice já registrado na série histórica — uma recuperação expressiva comparada aos 4,1 % verificados em 2023.
A escala Ebia depende de questionários domiciliares e de auto declaração, o que abre margem para subnotificação ou variação de respostas.
A queda acentuada em apenas um ano é significativa demais para ser explicada apenas por reações de curto prazo; ela exige sustentação estrutural e coordenação interministerial para se consolidar.
A série histórica é relativamente curta e, portanto, a leitura de “menor índice da história” deve ser feita com cautela e compromisso de continuidade.
Política social e o direito à alimentação
O resultado é fruto de um conjunto de políticas articuladas desde 2023.
O governo reativou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto na gestão anterior, devolvendo à sociedade civil o papel de fiscalizar e propor ações para erradicação da fome.
Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, voltaram a ser integrados a políticas de saúde, educação e nutrição, garantindo que a renda básica se convertesse em alimentação efetiva.
O incentivo à agricultura familiar e à compra direta de produtos locais pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) reativou cadeias curtas de abastecimento, aproximando pequenos produtores de escolas, hospitais e comunidades.
O governo também reposicionou a pauta da fome como questão de Estado, integrando orçamento, ministérios e comunicação pública numa mesma estratégia.
Essas ações se somam a uma retomada do protagonismo brasileiro em fóruns internacionais sobre segurança alimentar. O Brasil volta a ser citado como exemplo de políticas intersetoriais de combate à fome e de reconstrução institucional após anos de desmonte.
Um país que já saiu do mapa da fome — e voltou
Vale recordar que o Brasil já havia sido retirado do Mapa da Fome da ONU em 2014, sob os governos petistas, após uma década de redução contínua da pobreza.
O retorno da fome entre 2016 e 2022 foi resultado direto do desmonte de políticas sociais, da crise econômica e do enfraquecimento das instituições de participação popular.
Por isso, o dado atual não representa apenas uma conquista: é também um resgate histórico, uma tentativa de reconstrução do pacto social que havia sido quebrado. O governo Lula herda um país marcado pela desigualdade e pela precarização, mas demonstra que o caminho da fome é reversível quando há vontade política.
O risco do discurso celebratório
O dado de “menor índice da história” tem valor simbólico e político, mas também exige prudência.
O perigo do triunfalismo é gerar complacência — a falsa impressão de que o problema está resolvido.
Sem blindagem orçamentária e continuidade administrativa, as políticas que sustentam esse resultado podem ser novamente desmontadas em ciclos futuros.
Além disso, ainda há bolsões de fome em áreas rurais do Norte e Nordeste, nas periferias urbanas e em comunidades indígenas, onde o acesso a alimentos e serviços públicos permanece limitado.
A superação definitiva da fome não depende apenas da transferência de renda, mas de políticas estruturais de emprego, reforma agrária, abastecimento e soberania alimentar.
A paz social começa pelo prato
A conquista anunciada pelo IBGE deve ser lida como reconstrução de um pacto civilizatório.
Garantir que cada brasileiro possa se alimentar adequadamente não é uma política setorial: é fundamento de soberania nacional, saúde pública e estabilidade social.
Num país historicamente marcado pela desigualdade, o combate à fome é também um combate à exclusão política e econômica.
O alimento, nesse contexto, é mais que um direito — é um símbolo de dignidade e de justiça social.
Conclusão: entre conquista e vigilância
Se o Brasil alcançou o menor índice de fome da história, é porque voltou a priorizar o povo em suas políticas.
Mas essa conquista só se tornará duradoura se for tratada como política de Estado, e não como bandeira de governo.
O desafio agora é consolidar o que foi reconstruído, expandir o acesso à alimentação saudável e garantir que o país nunca mais volte ao mapa da fome.
A marca de 3,2 % é um avanço histórico — mas também um chamado à responsabilidade e à vigilância social permanente.