Atitude Popular

“Estamos diante de uma tentativa de golpe”

O sociólogo Fábio Gentile vê “estratégia de nulidade para alimentar indignação da extrema direita” e projeta um desfecho técnico, político e juridicamente consistente

A reta final do julgamento da trama golpista chega com expectativas altas no Supremo Tribunal Federal, depois do voto de Luiz Fux pela nulidade do processo. Em entrevista ao Café com Democracia, da TV Atitude Popular, apresentada por Luiz Regadas, o professor Fábio Gentile, coordenador do PPGS da UFC, avaliou que a divergência de Fux era previsível, tanto pelo uso de argumentos técnicos quanto pelo cálculo político que, segundo ele, busca atenuar responsabilidades e deslocar o foco do ataque às instituições.

Gentile credita a origem do tensionamento ao que descreve como uma sofisticada operação retórica que mistura tecnicalidades e compensações simbólicas. “Era bastante previsível que alguém levantasse argumentos de nulidade e incompetência, uma estratégia jurídica para tentar jogar pano sobre o golpe”, afirmou. Para o sociólogo, a fala de Fux combina tecnicismo, linguagem hermética e um efeito político concreto, “alimentar uma onda de indignação em setores da direita e da extrema direita”, com baixa chance de formar maioria.

A crítica central de Gentile mira a assimetria entre as provas reunidas e a tentativa de desqualificá-las por meio de filigranas processuais. “É muito triste, falta responsabilidade e compromisso com a democracia”, disse, ao apontar como insustentável a leitura de que não houve comando, nem organização, diante de interceptações, registros e relatos que, no seu entendimento, articulam a participação do ex-presidente, de militares e colaboradores civis. “Aqui nós estamos diante de uma tentativa de golpe, não apenas de manifestações de rua”, resumiu.

O professor destacou que a comparação com decisões anteriores em casos alheios ao 8 de Janeiro não se sustenta. Segundo ele, a importação de raciocínios serve para confundir a opinião pública e criar um atalho exculpatório. “Utilizar uma linguagem jurídica muito sofisticada e complexa para enrolar a sociedade é absurdo”, disse. “Como é que se condena centenas pelos atos do 8 de Janeiro e se tenta liberar os articuladores”, questionou, ao classificar como “contraditório” o raciocínio que descola as condutas de quem concebeu a empreitada.

Na projeção de votos, Gentile avalia que Cármen Lúcia e Cristiano Zanin devem apresentar posições “criteriosas, com bom senso”, expressão que usa para indicar aderência às provas e à moldura constitucional. “Não havia chance de outros ministros apoiarem os argumentos de Fux”, disse. Ele vê no julgamento uma dimensão que ultrapassa o processo penal individual, com efeito regional e global. “O caso se tornou internacional”, afirmou. “Se Bolsonaro for condenado, isso pode enfraquecer a onda da extrema direita na América Latina, num contexto em que Trump aposta no impacto político desse eixo.”

A entrevista também tratou das consequências políticas de uma absolvição por nulidade. Para Gentile, um resultado desse tipo abriria uma temporada de radicalização e violência, além de premiar a estratégia de saturação discursiva. “Treze horas de voto para vencer pelo cansaço”, comentou o apresentador, ao que Gentile respondeu que o juridiquês hermético reforça a confusão, “porque o direito brasileiro, com base romanista, é interpretativo, e isso alimenta o poder de dizer absurdos com aparência técnica”.

Questionado sobre o papel das Forças Armadas, o professor ponderou que não há homogeneidade interna e que a conjuntura atual não é a da ditadura militar. “Houve setores a favor, houve setores contra”, disse, lembrando que a pressão externa continua relevante, “com os Estados Unidos exercendo influência na região”, o que exige, segundo ele, proteção institucional e serenidade para conter escaladas.

No horizonte de 2026, Gentile alertou para a disputa estratégica no Supremo, já que o próximo governo poderá indicar ministros importantes. “É por isso que a extrema direita vem para cima, para ganhar capitais, influenciar onde não tem apoio e buscar maioria em espaços decisivos”, afirmou. Ele também defendeu que o campo progressista mantenha unidade e clareza. “Precisamos manter a análise histórico-política, não cair em armadilhas jurídicas, porque o que está em jogo é a democracia.”

Ao final, o professor reiterou que a decisão do Supremo terá peso simbólico e pedagógico, dentro e fora do país. “Se não houver um recado de moderação e de respeito às instituições, teremos problemas muito sérios”, concluiu. Sobre a liderança eleitoral, foi direto: “Minha expectativa é que Lula aceite se candidatar, não vejo hoje outra figura com capacidade de enfrentar a extrema direita.”


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