Da Redação
Em pronunciamento público, a presidente nacional do PT defendeu uma reforma do Imposto de Renda que aumente progressividade, tribute fortunas e alivie a carga sobre a classe média e baixa; proposta reabre debate sobre justiça fiscal e riscos políticos e econômicos.
A presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, apresentou nesta semana um novo esforço político em defesa de uma reforma do Imposto de Renda (IR) que, segundo ela, é necessária para “corrigir uma grande injustiça” do sistema tributário brasileiro. A iniciativa retoma antigas bandeiras progressistas — maior taxação de rendas elevadas, tributação mais eficaz de lucros e dividendos e redução da carga sobre trabalhadores e aposentados de menor renda — e promete ocupar espaço central na agenda de debate econômico e social do país.
No núcleo do discurso de Gleisi está a ideia de progressividade: o IR deve pesar mais sobre aqueles que têm maior capacidade contributiva e menos sobre quem depende do salário para sobreviver. Isso implica não só revisar as alíquotas e faixas de tributação, mas também reavaliar benefícios fiscais que atualmente favorecem rendas do capital e amplos segmentos empresariais. Para a liderança petista, a reforma é um instrumento para reduzir desigualdades, aumentar receitas para políticas sociais e corrigir distorções que permitem que grande parte da riqueza permaneça pouco taxada.
Tecnicamente, propostas neste campo tendem a combinar alguns eixos centrais: (1) atualização e aumento das alíquotas marginais para rendas mais altas; (2) reintrodução ou majoração da tributação sobre lucros, dividendos e ganhos de capital; (3) ampliação da base tributável reduzindo brechas e desestimando regimes especiais que evaporam arrecadação; (4) elevação da faixa de isenção ou aumento do desconto padrão para trabalhadores de baixa renda; e (5) medidas complementares de fiscalização e combate à elisão e evasão fiscal. Cada um desses itens tem impactos redistributivos e técnicos distintos e exige debates de modelagem econômica e jurídico-constitucional.
No plano político, a manobra de Gleisi tem dupla função: pressionar o debate público sobre justiça tributária — ampliando o apoio entre movimentos sociais, centrais sindicais e setores progressistas — e forçar interlocução com o governo e com o Congresso sobre alternativas de financiamento para programas sociais e investimentos públicos. Ainda assim, a proposta enfrenta entraves significativos no Congresso, onde interesses econômicos organizados, bancadas regionais e grupos do setor financeiro resistem a reformas que toquem privilégios tributários históricos.
A resistência parlamentar tende a se concentrar em pontos previsíveis. Bancadas com forte presença do setor produtivo e do agronegócio costumam argumentar que aumentos de tributos sobre capital e empresas prejudicariam investimento e emprego. Defesas contrárias também ressaltam o risco de fuga de capitais ou da transferência de lucros para jurisdições com regimes mais favoráveis, um argumento que, em parte, é técnico e em parte é retórico — requerendo medidas de controle cambial, acordos internacionais de cooperação fiscal e políticas de estímulo doméstico para neutralizar efeitos adversos.
Do ponto de vista econômico, o impacto líquido de uma reforma do IR depende de desenho e da combinação de medidas compensatórias. Se bem calibrada — por exemplo, com aumento da progressividade e fortalecimento da administração tributária para reduzir a evasão — a reforma pode aumentar receita sem sufocar o consumo ou o investimento, permitindo ampliar programas sociais e investimentos públicos essenciais. Por outro lado, desenhos mal calibrados ou implementações abruptas podem gerar incerteza e reações adversas do empresariado e dos mercados financeiros, sobretudo se o arcabouço jurídico e as regras de transição não estiverem claras.
Há também dimensões constitucionais e administrativas a considerar. Mudanças sobre tributos federais exigem tramitação legislativa complexa, transparência atuarial (quando envolvem benefícios) e, em alguns casos, conhecidas restrições constitucionais. A tributação de rendimentos do capital, por exemplo, pode exigir ajuste de normas sobre isenções previamente concedidas e atenção a tratados internacionais sobre dupla tributação. Além disso, qualquer aumento de receitas esperado precisa vir acompanhado de compromissos de transparência e uso eficiente dos recursos públicos para conquistar apoio social amplo.
No campo eleitoral, o timing de uma ofensiva pela reforma do IR é sensível. A promessa de justiça fiscal pode energizar a base progressista e atrair setores do centro político insatisfeitos com desigualdades, mas também abre espaço para narrativas contrárias que pintem a medida como “perseguição” ao setor produtivo ou como fator de risco à economia. A comunicação política será decisiva: vincular receitas adicionais a melhorias concretas (saúde, educação, previdência) e mostrar mecanismos de proteção para pequenas empresas e investimento produtivo são estratégias que ajudam a construir percepção positiva.
Stakeholders fundamentais na disputa incluem sindicatos, associações empresariais, o Ministério da Fazenda, a Receita Federal, especialistas acadêmicos, organizações da sociedade civil e organismos internacionais que acompanham sustentabilidade fiscal e equidade. Uma agenda de diálogo técnico que envolva simulações fiscais, consultas públicas e pactos por metas de investimento pode reduzir atritos e aprimorar o desenho das propostas.
Internacionalmente, experiências comparadas apontam caminhos e armadilhas. Países que avançaram em maior progressividade — combinando combate à evasão e mecanismos de proteção ao investimento — conseguiram ampliar recursos para políticas sociais sem colapso macroeconômico, desde que acompanhados de reformas institucionais e de governança. A coordenação internacional em matéria fiscal (troca automática de informações, combate a paraísos fiscais e tributação mínima global) é um componente útil para reduzir a mobilidade eficiente do capital e aumentar a efetividade das regras domésticas.
Do ponto de vista técnico, algumas opções concretas e que costumam figurar em estudos de reforma são: (a) criação de alíquotas mais altas para faixas de renda elevadas com escalonamento fino; (b) tributação mais efetiva de rendas do capital com alíquotas específicas ou inclusão integral de dividendos na base de cálculo; (c) revisão de regimes de tributação favorecida que hoje beneficiam setores concentrados; (d) estímulo à formalização e à redução de informalidade que amplia a base contributiva; (e) modernização da administração tributária com uso de dados e tecnologia para reduzir sonegação.
Por fim, a aposta política de Gleisi sinaliza que o debate sobre justiça fiscal voltará a ser central na agenda nacional. O êxito dependerá da capacidade de articular minorias no Congresso, de construir narrativa pública eficaz e de apresentar mecanismos técnicos que neutralizem riscos macroeconômicos. Trata-se, em resumo, de uma proposta que combina princípios redistributivos com desafios práticos consideráveis — e que promete moldar as disputas políticas e econômicas do país nos meses que vêm.