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Ishiba sob pressão: discurso no memorial de guerra desperta críticas internas no Japão e regionais

Da Redação

Com 80 anos do fim da Segunda Guerra, o discurso do premiê japonês Ishiba em memorial de Tóquio é alvo de escrutínio interno e entre países asiáticos, enquanto cresce alerta contra revanchismo histórico e expansão militar.

O primeiro-ministro japonês Shigeru Ishiba se prepara para discursar no memorial do 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial no Nippon Budokan, em Tóquio, em um contexto político carregado. A escolha de não emitir uma declaração oficial respaldada pelo gabinete, optando por uma mensagem pessoal, já desperta críticas de setores progressistas no Japão e de países vizinhos que sofreram com a ocupação e as atrocidades cometidas pelo Exército Imperial.

Pesquisas recentes indicam que cerca de 80% da população japonesa deseja um discurso que reconheça explicitamente as responsabilidades do Japão durante o conflito, incluindo um pedido de desculpas às vítimas asiáticas. Porém, Ishiba enfrenta a pressão de alas conservadoras do Partido Liberal Democrata (PLD), que defendem uma leitura mais branda dos eventos históricos. Essa corrente, fortalecida nos últimos anos, vem suavizando termos como “agressão militar” e substituindo-os por eufemismos como “incidentes” ou “operações”, diluindo a gravidade dos crimes de guerra.

O risco desse revisionismo vai muito além da disputa semântica. Ao minimizar episódios como o Massacre de Nanjing, o uso sistemático de “mulheres de conforto”, as experiências humanas da Unidade 731, os bombardeios indiscriminados sobre civis chineses e a utilização de armas químicas, o governo japonês abre espaço para uma narrativa que relativiza responsabilidades históricas. Essa reinterpretação pode, no plano interno, servir como alicerce para mudanças constitucionais que flexibilizem o Artigo 9 da Constituição — cláusula pacifista que desde 1947 impede o Japão de manter forças armadas com capacidade ofensiva.

Para os países que foram vítimas da expansão imperial japonesa, especialmente China, Coreia do Sul e Filipinas, o revisionismo japonês é visto como uma ameaça direta à estabilidade regional. Em um cenário geopolítico já tenso pelo avanço militar chinês no Mar do Sul e pela presença norte-americana na região, qualquer sinal de que o Japão pretende retomar uma postura armada mais assertiva pode deflagrar uma corrida armamentista na Ásia-Pacífico.

O revisionismo também possui um efeito corrosivo na política doméstica japonesa. Ao reescrever ou omitir partes da história, governos enfraquecem a educação histórica crítica, dificultando que as novas gerações compreendam as consequências do militarismo e do nacionalismo exacerbado. Esse déficit de memória favorece o crescimento de grupos ultranacionalistas que, sob o discurso da “autodefesa”, defendem políticas expansionistas e alinhamento automático aos interesses estratégicos dos Estados Unidos.

O discurso de Ishiba, portanto, não será apenas um ato simbólico. A forma como o premier escolher lidar com o passado enviará sinais claros sobre a direção da política externa e de defesa do Japão nas próximas décadas. Uma mensagem vaga ou evasiva reforçará a percepção de que Tóquio está se afastando do espírito pacifista do pós-guerra. Por outro lado, um reconhecimento franco e inequívoco das responsabilidades históricas poderia fortalecer a confiança regional e servir como barreira contra a reativação de tendências militaristas.

Especialistas alertam que, em um mundo cada vez mais fragmentado por disputas de narrativas, a maneira como as potências contam sua própria história torna-se um elemento central de sua política externa. No caso japonês, a omissão pode custar caro, não apenas em termos diplomáticos, mas também em segurança e legitimidade internacional. A memória, se negligenciada, deixa de ser uma lição e se torna uma arma — e, como ensina a história, armas nas mãos erradas sempre encontram um alvo.