Atitude Popular

“Isso é a necropolítica”

O dirigente Luciano Simplício critica o colapso do transporte em Fortaleza, defende tarifa zero e cobra diálogo real entre governo e movimentos

Fortaleza viveu um início de semana com termômetro social no vermelho, o apagão de ônibus expôs a precariedade do sistema e acendeu um debate urgente sobre modelo de concessões, poder de sindicatos patronais e o papel do Estado na mobilidade. Em entrevista ao Democracia no Ar, o dirigente da CTB Ceará e do SINPRECE, Luciano Simplício, classificou o episódio como violência social e ligou o ponto à conjuntura nacional, do plano de tarifa zero em estudo no Ministério da Fazenda ao enfrentamento do ultraliberalismo que desidrata serviços públicos. As declarações foram dadas no programa da Rádio e TV Atitude Popular, transmitido em 6 de outubro de 2025.

Logo no início, o entrevistado resumia o choque causado por trabalhadores e estudantes deixados a pé, especialmente pessoas com deficiência e quem depende do sistema para cruzar longos percursos urbanos. “Isso é a necropolítica”, disse, ao criticar a chantagem tarifária e o discurso de que a passagem teria de saltar para patamares proibitivos. Na avaliação dele, o episódio revela um modo de gestão que mercantiliza a vida e naturaliza o sofrimento cotidiano de quem se aperta em coletivos lotados.

A entrevista percorreu causas e saídas. Simplício resgatou estudos feitos ainda nos anos 1990 sobre mobilidade em Fortaleza e apontou falhas não resolvidas, integração capenga entre ônibus e metrô, captura do interesse público por grupos econômicos e ausência de uma política urbana que combine financiamento, planejamento e controle social. “Eu pergunto, cadê a integração do ônibus com o metrô”, provocou. Para ele, experiências vizinhas reforçam que há alternativas, Maracanaú e Caucaia adotaram gratuidades em recortes locais, e Fortaleza tem condições de pilotar um arranjo com tarifa zero, orçamento transparente e contrapartidas exigentes de qualidade, sem transferência cega de recursos a empresas.

Simplício conectou a crise do transporte a um quadro mais amplo de desumanização. Ao comentar a onda de intoxicações por metanol, tema que ganhou espaço no Fantástico na véspera, ele afirmou que a combinação de desregulação, lobby e lucro rápido explica a escalada de riscos em setores sensíveis. “Nós, seres humanos, estamos, estão arrancando essa condição de sermos humanos”, disse, ao denunciar cadeias econômicas que lucram até com a morte. A crítica alcançou o desmonte da fiscalização iniciada no ciclo do golpe contra Dilma Rousseff e o avanço de modelos precarizantes em saúde e serviços.

No tabuleiro da política, a conversa entrou no terreno do diálogo entre governo e sociedade. Para o dirigente, o padrão precisa mudar, com negociação verdadeira sobre orçamento, contratos e metas de serviço. “Entre nós, os progressistas, a credibilidade e o respeito é o nosso grande capital”, afirmou, defendendo que gestões aprendam com a liderança de Lula na mediação com movimentos sociais. Ao falar do presidente, Simplício destacou capacidade de colocar problemas sobre a mesa e produzir soluções em cenário adverso, “um presidente da República que chegou à Presidência numa situação bem pior e, assim mesmo, deu reajuste para servidor, aumentou alimentação”.

A comentarista Sandra Helena somou camadas e contexto. Ela leu o recuo editorial da grande mídia diante da agenda econômica positiva, lembrou que a comunicação do governo federal ganhou tração e apontou a janela de oportunidade para pautar tarifa zero como política de Estado. Também situou o drama da Palestina como questão central do nosso tempo, do papel das flotilhas na pressão internacional à denúncia de um plano de paz que mais parece ultimato, e associou o medo cotidiano nas cidades brasileiras ao encolhimento do espaço público noturno, efeito direto da insegurança.

O fio da mobilização atravessou toda a conversa. Simplício sublinhou que conquistas recentes, como a ampliação da isenção do Imposto de Renda e a taxação de altas rendas, vieram com pressão popular, e que o mesmo vale para o transporte. “Nós temos que mobilizar, e mostrar que a mobilização dá resultado”, disse. Na reta final, lançou uma síntese que junta soberania, direitos e vida cotidiana, “não só a soberania como estamos fazendo, mas nós temos que resgatar a vida”.

A partir dessa moldura, o caminho proposto combina três movimentos, debate público honesto sobre financiamento, auditoria cidadã de contratos e indicadores, além de um pacto metropolitano de mobilidade que integre trilhos, corredores e bicicletas com tarifa zero progressiva, metas claras de qualidade e sanção a quem descumprir. Fortaleza pode transformar um colapso em virada de jogo se sair do improviso, submeter poder econômico ao interesse público e tratar a cidade como direito, não como negócio.

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