Da Redação
Após reunião com Saúde, Anvisa, Agricultura, Receita e PF, o ministro Ricardo Lewandowski anuncia um comitê para coordenação nacional. O governo ativa perícia da PF para rastrear a origem do metanol, amplia análises laboratoriais, acelera antídotos e apoia operações nos estados; SP registra prisões e fechamento de fábricas clandestinas enquanto a Câmara acelera projetos de lei.
O governo federal deu um passo adicional no enfrentamento da crise do metanol. Nesta terça-feira, 7 de outubro de 2025, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, anunciou a criação de um comitê voltado à coordenação das ações de investigação, fiscalização, saúde e defesa do consumidor. A decisão foi comunicada após reunião com representantes da Anvisa, do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, da Receita Federal e da Polícia Federal, com o objetivo de unificar informações, evitar ruídos e acelerar medidas sem paralisar o setor formal de bebidas.
O eixo central do plano é a integração investigativa e pericial. A Polícia Federal colocou sua estrutura de criminalística à disposição das polícias científicas estaduais para identificar o “DNA do metanol” por meio de exames avançados de isótopos estáveis, capazes de indicar se a substância tem origem vegetal ou de combustíveis fósseis. A estratégia deve orientar diligências, mapear cadeias de suprimento e qualificar provas contra falsificadores e distribuidores. A PF abriu inquéritos e atua de forma integrada com as forças estaduais, com foco em possíveis vínculos com crime organizado.
Na frente sanitária, a Anvisa intensificou ações e prioridades. A agência articulou com reguladores estrangeiros e publicou chamamento para identificar fabricantes com disponibilidade imediata do antídoto fomepizol, além de apoiar o Ministério da Saúde na aquisição emergencial. Em paralelo, estruturou rede de laboratórios públicos para detecção do metanol, incluindo unidades no Distrito Federal, no município de São Paulo e no INCQS/Fiocruz. Em caráter contingencial, mapeou centenas de farmácias de manipulação aptas à preparação estéril de etanol grau farmacêutico, alternativa reconhecida em protocolos de intoxicação, caso seja validada pelas autoridades de saúde.
O Ministério da Saúde mantém sala de situação e boletins diários. No balanço atualizado na noite de 6 de outubro, informava-se 217 notificações no país, com 17 casos confirmados e 200 em investigação. No dia anterior, foram registradas 225 notificações em 13 unidades da federação, reflexo da ampliação da vigilância e da sensibilidade diagnóstica. A pasta também anunciou a compra de etanol farmacêutico e 2,5 mil tratamentos com fomepizol para o estoque estratégico do SUS, com previsão de distribuição aos centros de referência estaduais.
Os sinais clínicos continuam em alerta na rede de saúde. A orientação é suspeitar diante de piora após 12 a 24 horas da ingestão de bebida alcoólica, com sintomas como alteração visual, náuseas, dor abdominal e confusão. Nesses casos, deve-se acionar o atendimento de urgência e notificar imediatamente ao sistema de vigilância. A Anvisa reforça o acesso ao Disque-Intoxicação e ao fluxo com os Ciatox, enquanto estados e municípios intensificam a fiscalização de pontos de venda.
Em São Paulo, estado que concentra a maioria das notificações, as operações resultaram em prisões, fechamento de fábricas clandestinas e apreensão de insumos e rótulos falsificados. Até 6 de outubro, o governo paulista reportava 14 casos confirmados e duas mortes, além de 41 prisões no ano por adulteração de bebidas, com 22 detidos somente na última semana. Em ações recentes, foram fechadas quatro fábricas clandestinas e apreendidos mais de 78 mil rótulos falsos.
No plano regulatório e de mercado, a coordenação federativa também envolve o controle de insumos. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis reforçou que todo o metanol utilizado no país é importado sob licença e rastreamento, oferecendo à vigilância sanitária infraestrutura e expertise de fiscalização. A Receita Federal esclareceu que não há correlação entre o desligamento de sistemas de controle antigos e a onda criminosa atual, explicando que a fiscalização de destilados opera por meio de selos de controle aplicados pelas fabricantes.
No Congresso, a resposta legislativa ganhou velocidade. A Câmara dos Deputados aprovou urgência para votação do projeto que torna hedionda a falsificação de bebidas e a adulteração de alimentos. A relatoria foi designada para consolidar ajustes no texto. Tramitam também propostas que agravam penas quando há lesão grave ou morte. Parlamentares e especialistas observam que endurecer o tipo penal é necessário, mas precisa ser acompanhado de meios investigativos eficazes, perícia sofisticada, rastreabilidade e atuação coordenada para surtir efeito prático.
O comitê anunciado por Lewandowski nasce para dar coerência a esse mosaico de ações. Na prática, deverá sincronizar quatro frentes críticas. A primeira é inteligência e perícia, com análise isotópica e cruzamento de dados fiscais, aduaneiros e policiais para indicar fornecedores, rotas e depósitos. A segunda é vigilância sanitária e clínica, com diretrizes claras para diagnóstico, ampliação de testagem e distribuição de antídotos. A terceira é fiscalização econômica e de consumo, com atuação de Receita, Anvisa, Agricultura e Secretaria Nacional do Consumidor para coibir práticas ilícitas e orientar o comércio regular. A quarta é comunicação de risco, essencial para informar sem provocar pânico, proteger consumidores e preservar empresas idôneas.
Estados e capitais fora do eixo paulista também aceleram medidas. O Rio de Janeiro iniciou fiscalizações rigorosas em pontos de venda e orientou sua rede hospitalar para detecção rápida. Secretarias estaduais monitoram notificações e, em alguns casos, já reportam apreensões preventivas de lotes suspeitos. Essas ações tendem a se intensificar à medida que o comitê federal padronize fluxos e compartilhe análises.
A dinâmica da crise exige separar fatos de boatos. Autoridades federais contestaram versões que associavam o surto a mudanças em sistemas antigos de controle industrial, reforçando que não há evidência técnica dessa relação. O foco permanece nas cadeias criminosas de falsificação de destilados, no rastreamento do metanol e na proteção imediata da saúde pública.
Em síntese, o anúncio do comitê representa um movimento de centralização estratégica em um cenário que articula risco sanitário, crime econômico e desinformação. Com perícia avançada da Polícia Federal, rede laboratorial sob coordenação da Anvisa, estoques de antídotos pelo Ministério da Saúde, apoio regulatório da ANP e operações nos estados, o governo pretende reduzir o dano, responsabilizar os culpados e restabelecer a confiança do consumidor. A efetividade dependerá da continuidade dos boletins diários, do compartilhamento rápido de dados, da responsabilização exemplar de quadrilhas e da aprovação de um marco legal mais duro e aplicável.