Em discurso na 17ª cúpula do bloco, presidente brasileiro defende multilateralismo, justiça fiscal e regulação inclusiva da inteligência artificial
Da Redação
Em plenária realizada no Rio de Janeiro durante a 17ª Cúpula do BRICS, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, nesta terça-feira (2), um discurso firme em defesa de reformas na governança internacional e no fortalecimento do multilateralismo. As informações são do canal oficial do evento no YouTube (YouTube BRICS). Lula ressaltou que as organizações multilaterais criadas no pós-guerra já não respondem aos desafios contemporâneos e precisam de inovação para garantir a democracia global e a participação efetiva dos países em desenvolvimento.
“Não podemos continuar com as organizações multilaterais funcionando da mesma forma que funcionavam no momento da sua criação”, afirmou o presidente. Para ele, assim como se fala em inovação na educação e nas empresas, é necessário modernizar as instituições internacionais para torná-las mais representativas e eficazes diante de um mundo multipolar.
Lula destacou a relevância histórica da expansão do BRICS, que nesta edição contou pela primeira vez com a participação formal de chefes de Estado de países parceiros, ampliando o diálogo e fortalecendo a voz do Sul Global. O presidente mencionou que o bloco se tornou um ator indispensável na construção de uma ordem mundial “menos assimétrica e mais pacífica”, defendendo uma arquitetura financeira internacional mais justa e equilibrada.
Entre os pontos centrais de sua fala, o presidente brasileiro criticou o atual modelo neoliberal, que, segundo ele, tem aprofundado as desigualdades. Lula citou o aumento expressivo da fortuna de bilionários desde 2015 — mais de 6 trilhões e 500 bilhões de dólares, segundo estimativas — enquanto os fluxos de ajuda internacional para países pobres diminuíram e os custos da dívida se elevaram. “A justiça tributária e o combate à evasão fiscal são fundamentais para consolidar estratégias de crescimento inclusivas e sustentáveis próprias para o século XXI”, defendeu.
O presidente também apontou falhas no funcionamento de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, denunciando a perpetuação de desequilíbrios estruturais herdados da ordem do pós-guerra. “Mesmo nos termos atuais, as distorções são inegáveis”, disse Lula, propondo um realinhamento do poder de voto no FMI para corresponder ao peso econômico dos países membros do BRICS, que atualmente detêm apenas 18% das cotas.
Outro destaque foi o elogio ao Novo Banco de Desenvolvimento, presidido por Dilma Rousseff, e ao seu papel na promoção de financiamentos para uma “transição justa e soberana”. Segundo Lula, a entrada de novos países, como a Argélia, e o processo de adesão de Colômbia, Paquistão e Peru reforçam a solidez do banco e a busca por alternativas ao sistema financeiro dominado por grandes potências.
Lula ainda voltou a criticar o protecionismo e defendeu a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), ressaltando que sem um reequilíbrio de direitos e obrigações não será possível restabelecer a confiança na instituição. Ele pediu o destravamento das negociações agrícolas e a criação de um novo pacto que separe políticas ambientais legítimas de medidas protecionistas disfarçadas.
Outro ponto relevante foi a ênfase na governança das novas tecnologias, principalmente da inteligência artificial. O presidente classificou como prioridade o desenvolvimento de um modelo “justo, inclusivo e equitativo” para regular a IA, de modo que ela não vire “privilégio de poucos países ou instrumento de manipulação nas mãos de bilionários”.
Para garantir a soberania digital dos países do bloco, Lula sugeriu ainda estudos para implantação de cabos submarinos que conectem diretamente os membros do BRICS, aumentando a segurança e a velocidade na troca de dados.
Ao final de sua intervenção, Lula reafirmou o compromisso do Brasil com a construção de um mundo multipolar e mais equilibrado, declarando total apoio à presidência sul-africana do G20 e apontando o BRICS como peça-chave para uma governança internacional renovada.