Da Redação
Entre tarifas, soberania e geopolítica, o encontro Brasil-EUA será teste decisivo: poderá reverter sanções, reconstruir alianças e afirmar protagonismo — ou repetir erros diplomáticos do passado.
A reaproximação entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump pode parecer improvável, mas é estratégica. Depois de meses de hostilidade, tarifas punitivas e tentativas de desestabilização diplomática, o encontro entre os dois líderes tende a ser o momento mais sensível das relações Brasil–EUA desde o golpe de 2016. Para Lula, trata-se menos de um gesto de cordialidade e mais de um teste de poder: o Brasil deve sentar à mesa como país soberano, não como colônia tarifada.
1. O contexto: tarifas, retaliações e soberania
Desde o início de 2025, o governo Trump adotou uma série de medidas hostis contra o Brasil — entre elas, tarifas de até 50% sobre exportações brasileiras de aço, alumínio, celulose, café e produtos industrializados. O discurso era o mesmo de sempre: “proteger empregos americanos”. Mas, na prática, tratava-se de um ato político, uma forma de pressionar Brasília por sua independência em temas como política externa, regulação de plataformas e aproximação com os BRICS.
O governo Lula respondeu com altivez. A diplomacia brasileira classificou as tarifas como “ataque à soberania econômica nacional” e iniciou consultas multilaterais, além de preparar contramedidas de reciprocidade. Ao mesmo tempo, Lula reforçou laços com China, Índia, Rússia e África do Sul, consolidando o Brasil como ator do Sul Global que não se curva ao poder unilateral norte-americano.
Agora, o encontro entre Lula e Trump representa a possibilidade de virar essa página — desde que o Brasil não aceite imposições disfarçadas de cordialidade.
2. O que Lula deve exigir de Trump
Para transformar o encontro em vitória diplomática, Lula deve ter clareza de suas prioridades:
a) Revogação imediata das tarifas punitivas.
Não há soberania possível sob sanções econômicas injustificadas. O Brasil deve exigir a suspensão total das tarifas e a compensação a exportadores prejudicados.
b) Fim das medidas coercitivas contra autoridades e instituições brasileiras.
Washington deve cessar toda forma de intimidação política ou jurídica — direta ou indireta — contra ministros, diplomatas ou magistrados brasileiros.
c) Abertura de um Conselho Permanente Brasil–EUA.
O relacionamento bilateral precisa deixar de ser reativo e episódico. Lula pode propor um conselho conjunto para acompanhar temas comerciais, tecnológicos, ambientais e de defesa.
d) Cooperação em áreas de interesse comum.
O Brasil pode negociar vantagens mútuas em energia limpa, biocombustíveis, infraestrutura e tecnologia, sem abrir mão de soberania de dados, política industrial ou regulação das big techs.
e) Respeito à autonomia diplomática brasileira.
O país deve reafirmar que continuará dialogando com todos os blocos — BRICS, G77, CELAC e ONU — e não aceitará ser usado em disputas hegemônicas.
3. Os riscos e armadilhas do encontro
Lula deve ir preparado. Trump não é um negociador previsível: costuma transformar reuniões em espetáculos e acordos em propaganda.
Entre os riscos:
- Concessões unilaterais. Trump pode prometer reduzir tarifas, mas exigir contrapartidas desproporcionais.
- Uso eleitoral. O ex-presidente norte-americano pode explorar o encontro para projetar força interna, exibindo Lula como “parceiro conciliado” do trumpismo.
- Desestabilização narrativa. Setores da extrema direita brasileira tentarão retratar o encontro como submissão de Lula ou “vitória da direita global”.
Lula, portanto, precisa falar não apenas com Trump, mas com o mundo. O Brasil deve se posicionar como potência autônoma, de igual para igual, lembrando que cooperação não é subordinação.
4. O tabuleiro geopolítico em disputa
O encontro ocorre em meio a uma guerra híbrida em escala global. A crise em Gaza, o avanço da China sobre cadeias de suprimento, a reconfiguração dos BRICS e as sanções unilaterais impostas por Washington revelam que o mundo caminha para uma nova ordem multipolar — instável, mas inevitável.
Lula chega a essa mesa com credenciais que Trump não tem: legitimidade internacional, capacidade de diálogo entre polos e prestígio pessoal. O Brasil, ao contrário dos EUA, não tem inimigos geopolíticos declarados — tem aliados e parceiros em todos os continentes. É justamente isso que Trump teme: um Brasil forte, soberano e articulado com o Sul Global.
Se Lula souber conduzir, poderá transformar esse encontro em afirmação global. Se ceder, corre o risco de repetir os erros de governos que acreditaram que Washington é parceiro — quando, historicamente, age como tutor.
5. O que o Brasil pode ganhar
Um encontro bem-sucedido pode significar:
- Retomada das exportações e recomposição da confiança de investidores.
- Reforço da imagem de Lula como mediador global.
- Estreitamento da cooperação em temas ambientais e tecnológicos sob regras claras.
- Redução de tensões políticas e diplomáticas com os EUA.
- Consolidação do Brasil como ator independente em um mundo de potências em disputa.
Mas o ganho mais importante será simbólico: mostrar que o Brasil não negocia de cabeça baixa.
6. Conclusão
Lula não precisa de uma fotografia ao lado de Trump. Precisa de resultados concretos — e de uma narrativa soberana. O encontro será tanto diplomático quanto psicológico: medirá quem impõe a agenda.
Se o Brasil chegar com clareza estratégica, consciência histórica e altivez diplomática, esse diálogo pode ser a virada de chave nas relações com os Estados Unidos. Caso contrário, será apenas mais um capítulo da longa história de humilhações impostas ao Sul pelo Norte.
O desafio está posto. E a resposta precisa ser a mesma que Lula já deu ao longo de sua trajetória: respeito se conquista — não se implora.